A DESVALIA JURÍDICA DAS MULTAS FISCAIS CONFISCATÓRIAS E DESARRAZOADAS
André L. Borges Netto Advogado constitucionalista em Campo Grande-MS [email protected] É comum a cobrança, pelo Fisco, de vultosos valores a título de multas sancionatórias, sempre em percentuais elevados e abusivos. A doutrina tem alertado sobre esse tipo de abuso: “Diante da elasticidade dos critérios normativos para a determinação das penalidades pecuniárias, o que se tem observado, em nosso país, é o abuso sistemático por parte dos agentes fiscais encarregados da aplicação de multas por infração. As sanções pecuniárias incidentes sobre o valor da operação tributável podem – ao sabor das respectivas alíquotas – conduzir o contribuinte infrator à insolvência” (Paulo José da Costa Junior e Zelmo Denari, “Infrações tributárias e delitos fiscais”, Saraiva, 1998, p. 82). Multa dessa natureza desatende certamente a preceitos jurídicos dos mais valiosos do sistema normativo do País. Se é certo que os agentes do Fisco simplesmente indicam o dispositivo legal que determina a multa em percentual tão elevado (exemplo: 100% do tributo supostamente devido), correto é sustentar que os mesmos desconhecem e menosprezam a existência do PRINCÍPIO DA NÃO CONFISCATORIEDADE DA MULTA FISCAL, que é princípio jurídico extraível de norma constitucional (art. 150, IV), dispositivo que, segundo lição de IVES GANDRA MARTINS (“Da sanção tributária”, Saraiva, 1998, p. 69), “não se ateve a este ou àquele ramo do direito, mas ao próprio direito, como um todo, como o conjunto de normas jurídicas impostas à sociedade brasileira”. Sabido é que “uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco” (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, “Teoria e Prática das Multas Tributárias”, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1993, 2ª ed., p. 67). Fato é que a multa exigida em percentual tão elevado agride o patrimônio do contribuinte, residindo aí sua natureza confiscatória, algo que é vedado e repudiado pelo sistema constitucional em vigor, até porque se a mesma prevalecer estará havendo, em boa verdade, séria restrição ao exercício de atividade profissional e do comércio, algo que, conforme é de todos sabido, é muitíssimo estimado pela Constituição Federal (art. 5º, inciso XIII, art. 170, “caput”). Multa como a que se combate é desarrazoada e confiscatória, especialmente num momento em que o próprio Governo Federal reduz o percentual das multas para atender à nova realidade da economia nacional (conf. Lei 9.298/96, art. 52, § 1º – “AS MULTAS DE MORA DECORRENTES DO INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÕES NO SEU TERMO NÃO PODERÃO SER SUPERIORES A DOIS POR CENTO DO VALOR DA PRESTAÇÃO”). Não se pode, em verdade, olvidar da lição dos doutos, no sentido de que “as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas” (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, Ed. Malheiros, 12ª ed., p.81). Extrai-se da literatura jurídica especializada a noção de que o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO DA RAZOABILIDADE deve servir de barreira limitativa à discricionariedade da Administração Pública, especialmente diante de casos em que ocorre a aplicação de “sanções desproporcionais ou inadequadas em relação às infrações praticadas”, algo que “ocorre no caso de penas pecuniárias, que devem ser fixadas em limites razoáveis, de modo a não assumir caráter confiscatório. Nem onerar excessivamente a atividade profissional exercida licitamente” (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988”, Ed. Atlas, 1991, p. 148). Aliás, a Lei Federal nº 9.784/99, editada recentemente e que trata das regras e princípios do processo administrativo, também prevê os princípios elementares que devem ser observados em situações como a presente, tais como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 2º, parágrafo único, inciso VI), a ponta de determinar a observância do critério da “adequação entre os meios e os fins”, núcleo central da razoabilidade, e vedar “imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”, revelando com isto o núcleo da noção de proporcionalidade. Daí porque não se vislumbra nenhuma razão de ordem jurídica, razoável e proporcional, que leve à convalidação da exigência de multa em percentual tão elevado. O princípio da proporcionalidade, como se vê, serve de abrigo à tese ora desenvolvida, até porque, segundo a bem urdida lição do jurista CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, referida previsão jurídica visa justamente impedir “o abuso do poder normativo governamental, isto em todas as suas exteriorizações, de maneira a repelir os males da ‘irrazoabilidade’ e da ‘irracionalidade’, ou seja, do destempero das instituições governativas, de que não está livre a atividade de criação ou de concreção das regras jurídicas nas gigantescas burocracias contemporâneas” (“O devido processo legal e s razoabilidade das leis”, Ed. Forense, 1989, p.160). Por isto que se afirma que multa em valor desarrazoado é inconstitucional, devendo ser reduzida pela autoridade competente, como forma de observar as prescrições superiores da Carta Magna. Tenha-se presente que o STF já editou precedente no sentido de que o Judiciário detém competência para reduzir o valor de multas consideradas abusivas (RTJ 73/550), tendo recentemente declarado inconstitucional multa em percentual exagerado estabelecido pela Lei 8.846/94 (art. 3º), conforme se vê da decisão publicada na Revista Dialética de Direito Tributário (35/165), tudo, pois, a demonstrar que também cabe esta mesma competência à autoridade administrativa. Vale citar, também como reforço do que se sustenta, que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em agosto de 1992, decidiu matéria semelhante, tendo chegado à conclusão de que “o Judiciário, no exercício do controle da legalidade, pode reduzir multa administrativa, desde que patente a desproporção entre o seu valor e as circunstâncias de fato que lhe deram ensejo” (Rel. Min. Pádua Ribeiro, Ementário 38/44). Sendo assim, não há mesmo como negar procedência àquilo que é sustentado neste átimo. Por isto é que sustentamos — admitindo, sempre, posicionamentos em sentido contrário –, que multas fiscais em percentuais elevados revelam exigência inválida, por violação dos princípios da não confiscatoriedade da multa fiscal e da razoabilidade/proporcionalidade.