A OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL DO EXECUTIVO DE REPASSAR O VALOR INTEGRAL DO DUODÉCI
André L. Borges Netto Advogado (Campo Grande/MS). Professor Universitário. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional (PUC/SP). É frequente verificar o não repasse do duodécimo que pertence à Câmara de Vereadores ou então o repasse parcial do duodécimo, por força de condutas adotadas pelo Prefeito Municipal. Será interessante analisar a juridicidade desta situação. Parece-nos que isto configura uma evidentíssima afronta a vários dispositivos legais e constitucionais, que visam assegurar a necessária autonomia financeira do Legislativo local. Alguns Prefeitos não compreendem o alcance e significado do comando normativo que assegura, na prática, a independência dos Poderes, pretendendo ter sob jugo o Legislativo Municipal, obrigando-o a “mendigar” o duodécimo, impedindo-o de exercer suas funções típicas de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, além da função básica de legislar. Prescreve a Constituição da República, no seu art. 168, que “os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês…”, observando MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, em seus “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, Saraiva, 1994, vol. 3, p. 158, que a verdadeira independência do Legislativo jamais estará assegurada se depender ele da boa vontade do Executivo para haver o numerário correspondente à sua dotação orçamentária. A SUPREMA CORTE já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema do repasse obrigatório do duodécimo ao Legislativo e ao Judiciário, encontrando-se inúmeros acórdãos a este respeito, colhidos da obra de LUÍS ROBERTO BARROSO (“Constituição da República Federativa do Brasil Anotada”, Saraiva, 1998, p. 314): “A norma inscrita no art. 168 da Constituição reveste-se de caráter tutelar, concebida que foi para impedir o Executivo de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, um estado de subordinação financeira que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento – ou, até mesmo, pela injusta recusa de liberar os recursos nele consignados -, a própria independência político-jurídica daquelas instituições” (RTJ 159/455). “Repasse duodecimal. Garantia de independência, que não está sujeita à programação financeira e ao fluxo da arrecadação. Trata-se de uma ordem de distribuição prioritária de satisfação das dotações consignadas ao Poder Judiciário” (RDA 189/307). Por seu turno, a Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul de 1989, em seu art. 56, garante: “Art. 56. Ao Poder Legislativo é assegurada a autonomia financeira e administrativa e sua proposta orçamentária será elaborada dentro do limite percentual das receitas correntes do Estado a ser fixado na lei de diretrizes orçamentárias. § 1º. No decorrer da execução orçamentária, o montante correspondente ao Poder Legislativo será repassado em duodécimos, até o dia vinte de cada mês, corrigidas as parcelas na mesma proporção do excesso de arrecadação apurado em relação à previsão orçamentária.” É induvidoso e inquestionável, portanto, o direito líquido e certo da Câmara de Vereadores em ter à sua disposição, até o dia 20 (vinte) de cada mês, o duodécimo ou as dotações orçamentárias que lhes são destinadas pela lei, proveniente esse seu direito do respectivo dever que a Constituição impõe ao Chefe do Executivo Municipal. Confirmando as disposições legais supratranscritas, a jurisprudência é toda no sentido de que “a desobediência aos dispositivos contidos na Lei Orgânica do Município, no que concerne à liberação mitigada dos créditos, em valores inferiores ao estabelecido pela norma legal, constitui abuso de poder e violação a direito líquido e certo da instituição que é um dos pilares do Poder do Município, no caso a Câmara Municipal” (RT 708/145). No mesmo sentido, merece citação acórdão unânime da Segunda Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, proferido em 15.03.94, no Reexame Necessário nº 592, Relator o Exmo. Desembargador ATAHIDE MONTEIRO DA SILVA: “REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA CONCESSIVA DE MANDADO DE SEGURANÇA – REPASSE DE VERBAS À CÂMARA MUNICIPAL – DIREITO RECONHECIDO – SENTENÇA RATIFICADA. É ilegal ato do chefe do Poder Executivo que se recusa a repassar os recursos orçamentários no quantum, na forma e no tempo previstos em lei, à Câmara Municipal.” Por mais que se consulte a jurisprudência do Tribunal de Justiça local, na busca de luz para este assunto, não se encontrará nenhuma outra manifestação discordante do que se sustenta. É o que se vê das ementas que seguem: “REEXAME DE SENTENÇA – MANDADO DE SEGURANÇA – PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL – DUODÉCIMO – ATRASO NO REPASSE. O duodécimo deve ser repassado na data determinada por lei, sob pena de a autoridade administrativa ser compelida a fazê-lo, por força de mandado de segurança” (Reexame de Sentença 47.749-2, Rel. Des. Josué de Oliveira). “REEXAME DE SENTENÇA – MANDADO DE SEGURANÇA – RECURSO VOLUNTÁRIO – INTEMPESTIVIDADE – CÂMARA MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE REPASSE DE DUODÉCIMO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SEGURANÇA CONCEDIDA. Não tendo o recurso voluntário sido ofertado dentro do prazo, não deve ser conhecido, devido a sua intempestividade manifesta. É líquido e certo o direito de a impetrante receber até o dia 20 de cada mês o repasse dos recursos, sob pena de comprometer a independência dos Poderes, agravando o regular funcionamento do Legislativo” (Apelação Cível 45.221-1, Rel. Des. José Augusto de Souza). “MANDADO DE SEGURANÇA – CÂMARA MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE REPASSE DE DUODÉCIMO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SEGURANÇA CONCEDIDA. É líquido e certo o direito de a impetrante receber o valor do duodécimo estimado na lei orçamentária, independentemente da maior ou menor arrecadação municipal, devendo o Executivo efetuar o repasse dos recursos, sob pena de comprometer a independência dos poderes, agravando o regular funcionamento do Legislativo” (Apelação Cível 54.537-3, Rel. Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins). É importante observar que O VÍCIO DA CONDUTA EM EXAME NÃO É AFASTADO PELO DEPÓSITO PARCIAL DO DUODÉCIMO DEVIDO À CÂMARA DE VEREADORES. Com efeito, firme também é a jurisprudência no sentido de corrigir esse tipo de conduta, em tudo e por tudo inválida juridicamente. É o que se vê dos seguintes julgados: “REEXAME DE SENTENÇA – MANDADO DE SEGURANÇA – CÂMARA MUNICIPAL – DUODÉCIMO – REPASSE – CONCESSÃO – DECISÃO MANTIDA – PROVIMENTO NEGADO. Prefeito municipal. Recusa em colocar à disposição da Câmara parcelas da dotação orçamentária a que ela faz jus. Inadmissibilidade. Aplicação do princípio do repasse do numerário em duodécimo. IMPOSSIBILIDADE DE REPASSE DE QUANTIA ALEATÓRIA, DEPENDENDO DA MAIOR OU MENOR ARRECADAÇÃO MUNICIPAL. Segurança concedida”(Reexame de Sentença 53.959-5, Rel. Des. José Augusto de Souza, sem o destaque no original). “Mandado de Segurança – Ato administrativo – Prefeito Municipal – Recusa em colocar à disposição da Câmara parcelas da dotação orçamentária que faz jus – Inadmissibilidade – Aplicação do princípio do repasse do numerário e duodécimo – Impossibilidade de repasse de quantia aleatória, dependendo de maior ou menor arrecadação municipal – Segurança concedida – Sentença confirmada” (RJTJESP 138/189). Tanto é rigoroso o regime jurídico pátrio no que tange à exigência do repasse do duodécimo que caracteriza crime de responsabilidade o não cumprimento imediato de ordem judicial proferida em mandado de segurança determinando ao Prefeito Municipal o repasse, incontinente, à Câmara Municipal da quota orçamentária a ela destinada (RT 577/416), independentemente de criar-se pressuposto para a intervenção no Município, ante à ameaça ao funcionamento de um de seus Poderes. Impõe-se, por conseguinte, o reconhecimento de plano do direito líquido e certo da Câmara de Vereadores, no sentido de caber a ela, em boa verdade, o repasse imediato do duodécimo integral, assegurando-se, em sua plenitude, o exercício do Poder Legislativo Municipal e o cumprimento da Lei. Pelo que foi exposto, não se deve acolher a tese que normalmente é defendida por Chefes de Executivos Municipais, em que se pretende repassar à Câmara de Vereadores valor aleatório e baseado, segundo normalmente se afirma, na arrecadação variável do Município. Aliás, o que se pretende (por parte da Municipalidade) é deixar de fazer prevalecer os preceitos LEGAIS daquilo que foi objeto de estudo e APROVAÇÃO pela Câmara e de SANÇÃO pelo Prefeito. A LEI ORÇAMENTÁRIA DEVE SER CUMPRIDA. A Câmara de Vereadores assumiu compromissos de acordo com a previsão do que deveria receber no decorrer do ano. Como pode agora ficar sem o repasse integral do duodécimo?