ADIN contra Calote dos Precatórios. Parecer do Cons. Federal José Wanderley B.

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Processo nº 4561/00/COP Interessado: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Assunto: Precatório. Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Cons. Federal José Wanderley Bezerra Alves (MS) R E L A T Ó R I O Há vários anos tramitam no Poder Legislativo propostas de alteração do sistema de precatório. Exemplo disso é a PEC nº 96-A, de 1992, que “introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário”, conhecida como “Emenda da Reforma do Judiciário”, que congrega as PECs nº 112-A/95, nº 127-A/95, nº 215-A/95, nº 368-A/96 e nº 500-A/97; também a PEC nº 90/99 (nº 407/96, em sua origem na Câmara dos Deputados) e a PEC nº 83/99, com origem no Senado Federal. Em março do corrente ano esse colendo Conselho, neste mesmo processo, quando foram analisadas as várias propostas de emendas à Constituição versando sobre o sistema de precatório, estabeleceu as seguintes diretrizes a serem observadas quanto ao tema: no sentido de obstar “a aprovação de todas as proposições que versam sobre carência para pagamento e moratória de precatórios judiciários; da redação proposta para o § 1º, do artigo 100 da Constituição Federal, na redação da PEC nº 96-A/92, salvo quanto à inclusão de determinação para que o precatório seja atualizado até a data do pagamento; da PEC nº 83/99 e da PEC nº 90/99, no que pertine a precatório”, admitindo, dessa última, somente a parte onde havia “definição do que sejam débitos de natureza alimentícia, constante da redação proposta pelo relator, no Senado (fl. 107 — § 1º, art. 100)”; apoiar “a aprovação do § 4º, ao artigo 100 do Texto Permanente e do § 2º, do artigo 53, da Emenda nº 96-A, na redação final dada pela Câmara dos Deputados, permitindo que créditos de até R$ 4.988,57 (quatro mil, novecentos e oitenta e oito reais e cinqüenta e sete centavos), de natureza alimentar ou não, considerados de pequeno valor, fiquem dispensados de precatório, isso na impossibilidade de sua elevação, de modo que tornará aplicável o § 4º, do artigo 100 da Carta Federal, na redação proposta pela PEC nº 96-A, devendo-se pleitear, ademais, também menção ao § 3º, do artigo 100, de modo a tornar aplicável este dispositivo constitucional, na redação inserida pela Emenda Constitucional nº 20/98” (destaque no original); apoiar “a aprovação de alterações no artigo 100 da Constituição Federal, objetivando aprimorar o sistema de precatório, de modo a tornar efetiva a satisfação do direito reconhecido por sentença”; e, na hipótese de vir a ser alterada a Constituição, com a promulgação de dispositivos então já considerados lesivos a direitos e princípios constitucionais, que, depois de ouvida a douta Comissão de Estudos Constitucionais desse Conselho Federal, fosse aforada a competente ação direta de inconstitucionalidade. Como conseqüência das discussões havidas no Poder Legislativo foi promulgada a Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, que “altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Excetuado o caput, todos os parágrafos do artigo 100 da Constituição Federal foram alterados, acrescentando-se dois novos e, como dito, um novo artigo, com quatro parágrafos, ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 78). O texto promulgado apresenta a seguinte redação: EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE SETEMBRO DE 2000 Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao pagamento de precatórios judiciários. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3o do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1o. O art. 100 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 100. ………………………………………………………………………….. § 1o. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1o de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. § 1o-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. § 2o. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de preferência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. § 3o. O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. § 4o. A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3o deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. § 5o. O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade. Art. 2o. É acrescido, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o art. 78, com a seguinte redação: “Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. § 1o. É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor. § 2o. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. § 3o. O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse. § 4o. O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação.” Art. 3o. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. A Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, através de seu ilustre Presidente, manifestou-se favoravelmente à interposição de ação direta de inconstitucionalidade. Ao processo foram juntadas inúmeras contribuições de seccionais e juristas, destacando as várias inconstitucionalidades das propostas, que resultaram na edição da Emenda Constitucional nº 30, de 2000. É o relatório. V O T O Cons. Federal José Wanderley Bezerra Alves (MS): O surgimento do Poder Legislativo contemporâneo, conforme destaca a história, está atrelado à representação e à defesa do povo. O modelo de parlamento atualmente existente surgiu na Inglaterra, não obstante sua origem seja “embaçada, por aparecer em embrião e através de luta”, conforme ponderava Pontes de Miranda. Desde John Locke (1632-1704), ideólogo precursor das democracias liberais, deseja-se um governo de autoridade limitada (contida) pelo consentimento do povo, evitando-se o despotismo e a arbitrariedade, contra os quais pode esse se valer do direito de insurreição (resistência), a utilização da força contra a força. Mesmo o fato de reconhecer no Poder Legislativo superioridade sobre os demais, não significava que Locke admitisse o exercício, por esse, do poder absoluto que tanto condenava; é que esse Poder tem por limite a vontade do povo, de modo que quando a desrespeita, deve ser apeado e substituído, porque o poder retorna à população. Se o Legislativo é a representação do povo, que, por sua vez, confere-lhe competências, por certo não pode ter mais poderes que o próprio povo. Ou, ainda, se individualmente o cidadão não tem poderes absolutos e é este que elege o Parlamento, então a criatura não pode ter mais poderes que o criador. Essa introdução, embora pareça desnecessária, tem por escopo lembrar um primado, inserto no parágrafo único, do artigo 1o da Carta de 1988: todo poder emana do povo, que o exerce por seus representantes eleitos ou diretamente. A locução “todo poder emana do povo” traz consigo um preceito implícito: e em seu benefício será exercido. Esse preceito tem sido olvidado reiteradamente nos últimos tempos pelo Congresso Nacional, merecendo destaque dois episódios recentíssimos: a promulgação da Emenda Constitucional nº 30/2000 e a lei que concedeu anistia àqueles que sofreram penalidades nas eleições de 1996 e 1998, beneficiando vários políticos, dentre os quais muitos dos que votaram favoravelmente à sua aprovação. Quanto à EC nº 30/2000, a conclusão posta decorre do fato de que seu artigo 2o, que inseriu o artigo 78 ao ADCT, objetiva unicamente resolver o problema de governos perdulários que, ao longo dos anos, cientes da impunidade pela irresponsabilidade orçamentária e fiscal, gastaram e comprometeram o Poder Público mais do que este suportaria. O pior é que o artigo 78 do ADCT constitui prêmio a tal irresponsabilidade, além de calote e, por conseguinte, motivo para que o povo perca o pouco de respeito que ainda tem para com seus representantes e administradores públicos. Tais desmandos já haviam sido prestigiados pelo artigo 33 do ADCT, através do constituinte de 1988, dispositivo que tem as mesmas origens e as mesmas conseqüências pretendidas com a inserção do artigo 78 do ADCT. Portanto, a par das inconstitucionalidades que adiante serão destacadas, ainda que em síntese apertada, o artigo 2o da Emenda Constitucional nº 30/2000 traz um efeito deletério maior: a descrença do povo para com seus representantes e a sensação de que estes agem não em benefício daquele que lhe outorga poder, mas para satisfazer a vontade do administrador, que reina de modo absoluto, tendo um parlamento que atua como mero órgão chancelador das vontades e aspirações daquele. Isso é roborado por outro fato: a celeridade das proposições legislativas está condicionada aos interesses do Governo; quando a matéria não é de interesse desse, são depositadas nos escaninhos existentes no Legislativo e lá mofam até o encerramento da legislatura e conseqüente arquivamento definitivo. Isso tem levado nossa democracia a situações esdrúxulas. O Parlamento subjaz (está de cócoras!) à vontade do Executivo. O povo deve cumprir todas suas obrigações para com o Estado; este, por sua vez, que é posterior e inferior ao homem, razão por si só suficiente para que se coloque em posição secundária, tudo pode e tudo faz contra o povo e não cumpre para com ele suas obrigações mais elementares. Olvidam nossos representantes que o Estado, por quaisquer de seus Poderes, órgãos e agentes, haverá de pautar-se na lei, na justiça e na primazia do homem, pois como ensinava Thoreau, isso por volta de 1848, Jamais haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que este venha a reconhecer o indivíduo como um poder mais alto e independente, do qual deriva todo seu próprio poder e autoridade, e o trate da maneira adequada. É pacífico o entendimento na doutrina de que o constituinte derivado sofre limitações em sua atuação reformadora, o que também vem consagrado de modo expresso em várias constituições democráticas contemporâneas. Pacífico também é o entendimento de que existe uma supremacia da Constituição, que deve ser respeitada inclusive pelo constituinte derivado. A Constituição brasileira de 1988 estabelece ao constituinte derivado, limitações formais e materiais (art. 60, §§ 1o a 4o), destacando-se, dentre estas, a impossibilidade de deliberação de proposta que objetive suprimir ou atenuar (“tendente a abolir”) a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais, de sorte que estabelecido um mínimo inatacável. É que a sociedade moderna ocidental não admite mais que se estabeleçam exceções, ressalvas, salvaguardas em favor do Estado, em relação aos direitos fundamentais, nem que exista uma supremacia de um Poder sobre outro, salvo nas hipóteses contidas e autorizadas taxativamente no Texto Constitucional originário. Já no Estado liberal, direitos hoje reconhecidos como fundamentais, “como o direito à liberdade, à vida e aos seus bens” eram tidos por inalienáveis e invioláveis, em relação aos quais o Poder Legislativo somente podia legislar nos limites da delegação popular. Especificamente quanto ao artigo 2o da Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, outra coisa não fez o Poder Legislativo que afrontar tais princípios! A nossa realidade tem demonstrado que o sistema do precatório, invenção genuinamente brasileira, tem, costumeiramente, servido: como modo de prejudicar aquele que, ao litigar contra a Fazenda Pública, além de suportar os privilégios processuais desta, não raras vezes sofre em razão da morosidade do Poder Judiciário e de sistemática litigância dolosa do Poder Público, de forma abusada, prepotente e arbitrária. Vivemos em situação paradoxal: o Estado tudo pode e tudo faz para receber o que lhe é de direito; em contrapartida, furta-se ao dever de pagar o devido àqueles de quem cobra, chegando ao desplante de aplaudir tentativas de burla à coisa julgada, a ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. É a aplicação do cinismo exacerbado, traduzido nas frases: “faça o que mando; não faça o que faço” e “devo, não nego. Pagarei quando quiser”; como meio de desacreditar o Poder Judiciário, que não dispõe de condições para fazer valer as decisões que profere, quando se trata de Administração Pública. É de ser anotado que a única razão que justifica a vigência do sistema de precatório é o intuito de protelar o cumprimento da decisão judicial transitada em julgado, que traz como corolário a irresponsabilidade do administrador, a ponto de assumir obrigações e mandar o credor ao Judiciário pedir tutela, crente de que não arcará com qualquer responsabilidade; e, como calote institucionalizado, prêmio aos administradores irresponsáveis e, ao que parece, inimputáveis, que usando o Poder Público na realização de interesses políticos, extrapolam a capacidade de endividamento flutuante. Assim é que, ano após ano, os créditos lançados em restos a pagar, das entidades públicas, avolumam-se; as ações em trâmite na Justiça, movidas contra o Poder Público, pleiteando indenizações em razão do descaso e irresponsabilidade na prestação de serviços públicos e no cumprimento de elementares deveres, vêm num crescendo constante; as decisões judiciais são simplesmente ignoradas, dando ao cidadão leigo a impressão de que, entre ele e o Estado, o Poder Judiciário sempre prefere este. Tal é a consciência do Poder Público quanto ao desserviço prestado pelo sistema do precatório à população em geral, que dele ficaram salvaguardados os banqueiros que, a propósito, também não se submetem à Lei da Usura. Com efeito, embora recebam do Governo juros reais médios de 16% ao ano ― atualmente, merecendo ser citado que em fevereiro de 1999 tal percentual alcançou inacreditáveis 45% ao ano ―, contra os 6% ao ano que deveriam ― mas não são, tantos são os precatórios complementares e empecilhos criados ― ser pagos aos detentores de precatório, tais pessoas não se submetem ao sistema, quer quando adquirem títulos da dívida pública, na ciranda financeira em que vive o Poder Público, quer quando emprestam à Administração, hipótese em que recebem como garantia a receita pública (CF, art. 167, inciso IV), o que é vedado a qualquer outro cidadão. Em março do corrente ano, esse augusto Conselho autorizou o exercício de controle concentrado de constitucionalidade sobre as alterações então em discussão, do sistema de precatório. Cabe-me, pois, nesta oportunidade, apontar os dispositivos e princípios constitucionais vulnerados pela alteração havida no Texto Constitucional, através do constituinte derivado para que, em seqüência, possa esse Conselho, agora à luz do texto promulgado, ratificar a autorização naquela oportunidade concedida. Destaco, inicialmente, as alterações havidas no artigo 100, embora deixe claro, desde logo, preferir a extinção do sistema de precatórios, com a obrigação de pagamento imediato por parte do Poder Público ou, no mínimo, seu aperfeiçoamento para possibilitar o efetivo cumprimento das decisões judiciais. Embora isso anoto não vislumbrar na nova redação ao artigo 100 (somente) da CF, qualquer mácula frente ao Texto Constitucional, fazendo as considerações que seguem unicamente com o objetivo de cotejar a nova redação com o texto originário: o § 1o, ao estabelecer a obrigatoriedade de inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos “oriundos de sentenças transitadas em julgado”, descartou, em definitivo, a possibilidade de concessão de tutela antecipada em face da Fazenda Pública, para expedição de precatórios, o que vinha sendo feito por vários magistrados, ao vislumbrar o preenchimento dos requisitos elencados no artigo 473 do CPC; no mesmo § 1o, houve uma inovação favorável aos credores, ao se estabelecer que o precatório deverá ser pago “até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente”. A obrigação de pagamento, no termo fixado, sem nenhuma previsão de responsabilização, por certo continuará a ser desatendida e permitirá, quiçá num futuro não muito distante, a promulgação de uma nova emenda constitucional, com o mesmo escopo da agora em comento. A vantagem, no caso, é a possível eliminação do precatório complementar, já que os créditos eram atualizados somente até 1o de julho do ano em que se fazia a inclusão no orçamento; o § 1o-A, ao relacionar créditos considerados de natureza alimentícia, diz o óbvio. O problema surgirá em relação a créditos outros, também de cunho alimentar, não relacionados, como é o caso de honorários advocatícios, honorários periciais etc., embora, no meu entender a listagem apresentada não seja exaustiva, mas meramente exemplificativa, o que se infere em razão da utilização, no texto, do verbo transitivo direto compreender, com o sentido de conter, abranger, incorporar, incluir; o § 2o mantém, no básico, a redação original. Melhor seria que o constituinte derivado, para angariar o respeito dos cidadãos brasileiros e fazer com que a grandiosa maioria dos administradores públicos passe a agir com responsabilidade, tivesse repetido, neste, a redação do § 4o, do artigo 78 do ADCT, que prevê o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação do débito, quando “vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência”. Isso, porém, seria dar credibilidade ao sistema, o que, por certo, não é objetivo do constituinte derivado, que decidiu por manter a possibilidade de seqüestro de quantia necessária ao pagamento somente quando houver preterimento na ordem de preferência; o § 3o repete o texto acrescido pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, acrescentando a locução “Distrital”, para abranger o Distrito Federal. O § 4o funciona como um complemento do anterior, permitindo a fixação de valores diferenciados, segundo as capacidades financeiras das entidades de direito público. Nesse ponto, a EC nº 30/2000, além de amesquinhar a evolução vislumbrada com o acréscimo do § 3o, ao artigo 100, através da EC nº 20/1998, manteve inaplicável o texto ao não estabelecer, em regra transitória, quais os valores que seriam considerados pequenos, até o advento da lei regulamentadora, como estava preconizado no § 2o, do artigo 53, da PEC nº 96-A, na redação final dada pela Câmara dos Deputados, que permitia que créditos de até R$ 4.988,57 (quatro mil, novecentos oitenta e oito reais e cinqüenta e sete centavos) fossem pagos de imediato; o § 5o consagra a hipocrisia que reina no Legislativo brasileiro. Diz-se assim porque não se tem conhecimento de que sejam os presidentes dos Tribunais os responsáveis por atos comissivos ou omissivos, retardadores ou frustradores à liquidação de precatórios. A previsão de punição deveria ser feita em face dos administradores, não obstante seja do meu entendimento que normas sancionadoras já existem, face às exigências do artigo 37, caput, da CF (princípios da legalidade e da impessoalidade) e as disposições contidas na Lei (Federal) nº 8.666/93 (art. 5º, § 3º c/c art. 24, inciso II, parágrafo único e art. 23, inciso II, alínea “a”) e na Lei (Federal) nº 8.629/92. Feitas tais considerações, passo, agora, a apontar as discrepâncias que entendo existir com a Carta de 1988, do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado através do artigo 2o da Emenda Constitucional nº 30/2000, com vistas a motivar ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, o que poderá ser mais bem feito pelo encarregado para redigir a competente ação direta de inconstitucionalidade, que poderá se valer, também, dentre outras, das valorosas contribuições das seccionais do Distrito Federal, do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, esta acompanhada de trabalho do eminente jurista André Luís Borges Neto: afronta ao artigo 2º e ao artigo 60, § 4º, inciso III, todos da Constituição Federal, haja vista que a inserção do artigo 78 no ADCT importa na redução de poderes do Judiciário, que não poderá executar suas decisões em face do Poder Público. É que, tratando-se de precatório, implicitamente estamos nos referindo a efetividade da decisão judicial transitada em julgado, cuja mitigação afeta diretamente a credibilidade e os poderes do Judiciário; afronta ao artigo 5º, inciso XXIV e ao artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF, tendo em conta que o primeiro dispositivo consagra devam ser as desapropriações indenizadas em dinheiro, o que não ocorrerá em relação aquelas cujas ações foram iniciadas até 31 de dezembro de 1999, já que o pagamento será feito em dois anos, no caso de imóvel residencial, e de dez anos nos demais casos (art. 78, caput e § 3º); vulneração ao artigo 5º, inciso XXXVI, ao artigo 60, § 4o, inciso IV e ao artigo 100 da CF, considerando que a EC nº 30/2000 dá azo a que as sentenças proferidas antes de sua promulgação não sejam executadas tomando por base a norma vigente à época de sua prolação. É de ser anotado, aqui, que não há necessidade de se recorrer à lei infraconstitucional para inferir o que seja coisa julgada, o que impediria sua análise através do controle concentrado, uma vez que o desrespeito alcança o princípio que veda a edição de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos com efeitos retroativos, englobado no princípio da segurança jurídica; ofensa ao princípio da moralidade, consagrado no artigo 37, caput, da CF, que constitui pressuposto de validade dos atos praticados pelo Poder Público, dentre os quais os atos legislativos e, por certo, constitui-se garantia fundamental dos cidadãos. Exemplo da imoralidade decorrente da inserção do artigo 78 no ADCT pode ser melhor visualizado diante da seguinte situação concreta: aqueles que pagaram o empréstimo compulsório sobre combustíveis, nos anos de 1986 a 1988, supondo que em 1989/1991 receberiam do Governo Federal o respectivo valor atualizado, conforme previsto no ato instituidor, obrigaram-se a ingressar com ações de repetição de indébito, que tramitaram ― e muitas ainda tramitam ― no Poder Judiciário, nas quais a União recorreu, em muitas, até a última instância. Passados dez anos e não tendo recebido a devolução do que lhes é devido, agora, em razão da edição da Emenda Constitucional nº 30/2000, receberão em dez parcelas anuais, salvo se vier a ser editada a lei a que alude o § 3o, do artigo 100 e seu crédito se enquadrar como de pequeno valor, de modo que o que deveria ser pago pela União entre 1989/1991, somente o será ― será? ― até 2010; desrespeito ao princípio da isonomia (Constituição Federal, preâmbulo e seu artigo 5o, caput) e ao princípio da impessoalidade (CF, art. 37, caput), ao desigualar pessoas em situação jurídica idêntica (credores da Fazenda Pública) e privilegiar determinados grupos (dos credores de pequeno valor, assim definidos em lei, dos detentores de crédito de natureza alimentícia, dos credores que tiveram os recursos liberados ou depositados até 13.09.2000 e dos credores que não ajuizaram ações até 31.12.1999, ainda que o crédito seja anterior a esta data), configurando, em qualquer hipótese, desrespeito a cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4o, inciso IV). Idêntica afronta se percebe em relação aos credores submetidos ao regime instituído pelo artigo 78 do ADCT, comparados aos que, por qualquer razão, hajam recebido seus créditos com a Fazenda Pública, ainda que em razão de tratamento privilegiado, com desrespeito a ordem cronológica de apresentação dos precatórios; desvio de poder consistente no desvio de finalidade legislativa, haja vista que a inserção do artigo 78 no ADCT, pelo artigo 2o da Emenda Constitucional nº 30/2000 teve por escopo único beneficiar Estados e Municípios ― com destaque para São Paulo, a Capital e o Estado ― com passivo flutuante e permanente elevados; afronta ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, consagrado no inciso LIV do artigo 5o da Constituição Federal, dado que a medida adotada revela-se irrazoável porque atinge a todos os credores das diversas unidades da Federação, mesmo daquelas que não se encontram com endividamento acentuado e que, em razão da autorização contida no artigo 78 do ADCT dela se valerão para não pagarem seus precatórios, já que nenhum critério foi estabelecido. Considerado o exposto, voto favoravelmente à interposição, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, valendo-se da legitimação que lhe é conferida pelo artigo 103, inciso VII da Constituição Federal, de ação direta de inconstitucionalidade, para excluir do ordenamento jurídico pátrio o artigo 2o, da Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, 16 de outubro de 2000. José Wanderley Bezerra Alves Relator Processo nº 4561/00/COP Interessado: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Assunto: Precatório. Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Cons. Federal José Wanderley Bezerra Alves (MS) EMENTA ― EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30/2000 ― ARTIGO 2o ― ACRÉSCIMO DO ARTIGO 78 AO ADCT ― INCONSTITUCIONALIDADE ― OFENSA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ― INTERPOSIÇÃO DE ADIN. A separação dos Poderes e a garantia dos direitos individuais constituem cláusula pétrea, importando em que sua supressão ou atenuação afronta os limites impostos pelo constituinte originário, ao derivado. A criação de sistemática diversa para precatórios, tomando por base ações ajuizadas até 31.12.1999, configura ofensa a princípios e preceitos constitucionais consagrados pela Carta de 1988, a cuja observância nem mesmo o constituinte derivado está dispensado. Caracterizadas as ofensas, impõe-se à interposição da ação competente para promoção do controle concentrado de constitucionalidade. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros do Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília, DF, 16 de outubro de 2000. Reginaldo Oscar de Castro Presidente José Wanderley Bezerra Alves Relator