ADVOGADO DOS ADVOGADOS

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Carlos III (1716-1788), esclarecido rei de Espanha, deu aos advogados, por decreto, a honra de serem considerados “nobles y caballeros”. Era como se ele tivesse sempre recebido uma procuração para defender o Brasil. Vivia em defesa das liberdades, do estado de direito, da cidadania, da justiça. Foi advogado em tempo integral e dedicação exclusiva, exercendo a condição de advogado, mesmo quando no exercício da deputação estadual ou federal. Djalma Marinho (1908-1981) foi presidente da Comissão de Constituição de Justiça da Câmara Federal em quatro legislaturas (hoje dá nome à sala da Comissão). Emitiu mais de mil pareceres nas comissões de justiça, de serviço público e de economia, durante sete mandatos de deputado federal. Foi o grande defensor do instituto da inviolabilidade, do direito do parlamentar usar a tribuna livre. Ancorado em Calderón de la Barca, disse conceder tudo ao rei, menos a honra, durante a defesa do deputado Márcio Moreira Alves, pelo direito da palavra livre. Não admitia que uma opinião, qualquer que fosse, pudesse ser considerada um delito, a palavra do parlamentar é inviolável: inviolável quer dizer indevassável, que não se quebra, dizia ele. Foi afastado da Comissão e fechado o Congresso. Depois, foi o grande defensor da anistia ampla, geral e irrestrita. Defendera a libertação dos presos políticos da Revolução Comunista de 1935. Ninguém, antes de Djalma, foi advogado de mais de quinhentas pessoas, trabalhando gratuitamente dia e noite. Teve que fazer quinhentos habeas corpus diferentes. Os juízes não aceitavam a uniformização das petições. Se não havia computadores na época, houve a colaboração de dois dos maiores advogados do Rio Grande do Norte, Hélio Galvão e Antônio Soares Filho, que serviram como datilógrafos, também sem remuneração. Conta-se que em um inquérito prolongado, após a meia-noite, depunha um certo Pedro Moacir, com terríveis acusações. Do escuro da noite vem o canto de um galo e Djalma anuncia: “É o galo cantando e Pedro mentindo…” Por pouco tempo, foi professor de direito em nossa antiga Faculdade, mas nunca deixou de dar aulas quando convidado. Presidiu a OAB/RN (30.8.46 a 27.5.47), mas nunca deixou de orientar ou ser o advogado de qualquer advogado que dele necessitasse. Trabalhou ao lado de grandes juristas e causídicos como Rafael de Almeida Magalhães, Victor Nunes Leal, Cláudio Lacombe, Sepúlveda Pertence, Pedro Gordilho, Célio Borja. De todos recebeu a amizade e a admiração sem limites. Atuou no Supremo Tribunal Federal, no então Tribunal Federal de Recursos, depois de ter sido Procurador da Fazenda Nacional. Chegou a afirmar “sempre sou advogado, carrego comigo a profissão.” Djalma Marinho foi um advogado permanente no Brasil. Fez da justiça e da liberdade a diária busca da sua vida. Nunca adulou aos poderosos prepotentes, nem se rendeu à cômoda popularidade. Não quis ser mais do que qualquer parlamentar ou magistrado, mas não consentiu ser menos. Era forte por expressar a convicção de sua consciência, a sua verdade, sinceridade, a moral iluminando a lei. Djalma aliava a sua cultura aos princípios éticos, tinha honestidade intelectual, empregava a boa convivência e a concórdia como virtudes sociais. Era um apaixonado e como tal não lhe cairia bem a toga. Assim, recusou o convite para ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Escolhido o relator-geral (1981) do Código Civil, emitiu avançadas teses jurídicas, algumas delas hoje codificadas. A Câmara Americana de Comércio de Brasília (Amcham), reconhecendo-o como um estadista dentro do Parlamento, prestou-lhe homenagem colocando o nome DJALMA na sua Base de Dados de Informações Legislativas. Na presença bem-humorada de Djalma, o advogado sentia o inconsciente desejo de ser mais advogado, mais quixotesco, de ter o espírito livre, de ser mais brasileiro. É o paradigma dos advogados porque foi um homem exato e verdadeiro.