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Artigo: A Justiça e a mulher de César

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O artigo “A Justiça e a mulher de César” é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato e foi publicado hoje (18) no Correio Braziliense: “A cada vez que se abre uma vaga no Supremo Tribunal Federal, o tema volta à discussão: a forma vigente de nomeação de magistrados para aquela corte é a ideal? A percepção geral é de que não. E é a nossa também — não pelo mecanismo da escolha em si, mas pelos vícios de que acabou revestido. Senão, vejamos. Diz o parágrafo único do artigo 101 da Constituição Federal que “os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. Aparentemente, tudo bem. Haveria uma convergência de dois dos poderes da República — Executivo e Legislativo — para preenchimento da vaga no Judiciário. Os três poderes estariam assim exercendo a harmonia que deve caracterizar seu convívio no regime republicano. Na prática, porém, não é o que ocorre. O presidente faz sua indicação, nem sempre baseado apenas no “notável saber jurídico e reputação ilibada” do indicado, de que fala a Constituição no mesmo artigo 101. O Senado, por sua vez, age também de maneira política. Não se conhece (pelo menos não me lembro de nenhum) caso de indicado reprovado — ou mesmo duramente questionado — na sabatina do Senado, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Lá, há diversos casos de sabatinados expostos aos mais duros constrangimentos morais, já que nem sua vida íntima é poupada pelos senadores e pela mídia. Considera-se que um membro da Suprema Corte, pela dimensão das responsabilidades e prerrogativas que vai exercitar, precisa ter sua conduta e saber jurídico efetivamente avaliados, doa a quem doer. E assim é. Aqui, não. Dá-se em relação à nomeação de magistrados o mesmo que se dá em relação à aprovação de propostas de interesse governamental no Legislativo. Cuida-se menos do conteúdo e mais do jogo político da aprovação. Trata-se de uma causa política. Se o governo perder, terá mostrado fraqueza. E o governo, qualquer governo, neste nosso Brasil, quando não tem maioria, aciona mecanismos criativos para obtê-la — mecanismos que conhecemos fartamente e não vem ao caso comentar. A sabatina no Senado costuma ser mero rito político, precedido de acordos de bastidores. O indicado já chega aprovado. Não tem sua vida efetivamente examinada, seu saber jurídico aferido. É aprovado sob o prisma político-partidário. O que muitos dizem (a mídia, inclusive), com a maior naturalidade, desconhecendo o caráter blasfemo da afirmação, é que o presidente precisa se fortalecer no Judiciário — e ponto final. Em algumas votações polêmicas, os jornais chegam a fazer especulações sobre o resultado, baseados em critérios políticos: esse magistrado seria aliado do presidente e aquele não. É claro que não pode ser assim — e felizmente não é. Não pelo menos na proporção em que muitos imaginam. A grande maioria dos magistrados preenche os requisitos constitucionais de reputação ilibada e saber jurídico. Mas, como no caso da mulher de César, não basta ser honesto e capaz — é preciso parecer também. E o sistema atual, por essas distorções que mencionei, nem sempre passa essa impressão. Por essa razão, saudamos a proposta de emenda constitucional recém-apresentada pelo senador Jefferson Peres (PDT-AM), que modifica a forma de preenchimento das vagas de ministros do STF, minimizando a interferência do Executivo. A proposta é semelhante à do quinto constitucional — sistema por meio do qual OAB e Ministério Público indicam seis candidatos aos tribunais superiores, que, por sua vez, reduzem a lista sêxtupla para três e, ao final, o presidente ou o governador do estado escolhem o candidato ideal. A emenda de Peres vai além. Estabelece que Associação Nacional dos Magistrados, OAB e Ministério Público Federal indicam dois nomes cada. Os seis indicados são submetidos ao crivo dos ministros do Supremo, que escolhem um, sem a interferência do Executivo, propiciando maior independência ao eleito. Sem dúvida nenhuma, o processo é mais democrático e transparente. E extingue a pressão que alguns sofrem lá na frente, depois de empossados. Acima de tudo, desfaz a impressão de que tudo estaria submetido ao jogo político-partidário — o que, mesmo não sendo verdade, é péssimo para a saúde moral das instituições”.