CONFLITO DAS DECISÕES PROFERIDAS NO ÂMBITO DOS CONTROLES DIFUSO E O CONTROLE C
1. INTRODUÇÃO Em razão do sistema misto de controle de constitucionalidade adotado pela Constituição Federal, pode haver decisões antagônicas acerca da inconstitucionalidade de uma mesma norma jurídica pelos diversos órgãos judiciários. Isto porque, a Carga Magna disciplina duas espécies de controle de constitucionalidade, quais sejam, o controle difuso e o controle concentrado. O controle difuso é aquele realizado incidentalmente por todos os órgão do Poder Judiciário, quando decidem um caso concreto, alcançando somente as partes litigantes. Já o controle concentrado é feito pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, através de ações judiciais específicas, destinadas à argüição da compatibilidade constitucional da lei em tese, produzindo efeitos erga omnes. Com efeito, não é raro uma norma ser declarada inconstitucional pelo controle difuso, transitando em julgado, e, posteriormente, a mesma norma vir a ser declarada constitucional pelo controle concentrado, ou vice-versa. Em ocorrendo tal fato, o que se deve preservar? A segurança jurídica, oriunda da coisa julgada? Ou a igualdade emanada da decisão do órgão guardião da Constituição? Para solucionar este problema, devemos, num primeiro momento, analisar a natureza das decisões proferidas no uso dos controles difuso e concentrado, conforme se verá no item abaixo. 2. CONTROLES DIFUSO E CONCENTRADO – NATUREZA DAS DECISÕES Quanto às decisões proferidas incidentalmente sobre a constitucionalidade da norma para a solução da lide, não há dúvida de que se trata de uma decisão de natureza estritamente jurisdicional, haja vista que se resolve o caso concreto, como ocorre no controle difuso de constitucionalidade. De outra parte, as decisões proferidas sob a égide do controle concentrado de constitucionalidade não tem natureza jurisdicional, pois, nos dizeres de HUGO DE BRITO MACHADO: Não pode ser tida como atividade jurisdicional, eis que esta pressupõe um conflito, uma controvérsia, ou um obstáculo em torna da realização do direito. (sic) Neste sentido também é a lição do saudoso GERALDO ATALIBA, apud HUGO DE BRITO MACHADO, in verbis: ao apreciar a ação declaratória de constitucionalidade, o Supremo atua como aperfeiçoador ou sancionador da edição da norma e não como seu aplicador jurisdicional. Logo, verifica-se que a atividade do STF, detentor do controle de constitucionalidade concentrado da Constituição Federal, se aproxima muito da atividade legislativa. HUGO DE BRITO MACHADO, ao discorrer sobre o assunto, vai mais além, considerando legislativa a atividade desenvolvida pelo STF, no controle concentrado de constitucionalidade: E, assim, concluir-se, com segurança, que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na via do controle direito de constitucionalidade, é, materialmente, uma atividade de natureza legislativa, enquanto aquela proferida na via do controle difuso, esta sim, tem natureza jurisdicional. (sic) 3. LIMITES TEMPORAIS DAS DECISÕES PROFERIDAS NOS CONTROLES DIFUSO E CONCENTRADO Superada a questão da natureza das decisões proferidas no âmbito dos controles difuso e concentrado, passamos agora à análise dos efeitos que produzem no tempo tais decisões, ou seja, se retroagem ou não, alcançando os fatos ocorridos sob a égide da lei maculada por vício de constitucionalidade. Com efeito, tanto no controle difuso quanto no controle concentrado, está pacificado o entendimento no STF de que a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade da lei retroage, alcançando os fatos pretéritos. Não obstante, no controle difuso a declaração somente produz efeitos somente entre as partes do processo, ao passo que no controle concentrado os efeitos abrangem todos os atos praticados na vigência da lei. É importante ressaltar, outrossim, que a retroatividade ocorrida no controle concentrado comporta exceções, pois, podem produzir efeitos ex nunc, ou a qualquer momento escolhido pelo STF, desde fixados por 2/3 dos seus Ministros. 4. RETROATIVIDADE DAS DECISÕES DO CONTROLE CONCENTRADO EM FACE DA COISA JULGADA A despeito da retroatividade das decisões proferidas em sede do controle concentrado de Constitucionalidade, estas não podem ferir a coisa julgada, tendo em vista sua natureza “legislativa”. Isto porque, se à lei é defeso prejudicar a coisa julgada, uma decisão com força de lei também não pode realizar tal mister, por força do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal: Art. 5º. […] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (grifo nosso) Assim, as decisões proferidas no âmbito do controle concentrado produzem efeitos ex tunc, declarando a nulidade da lei, mas, por outro lado, não ferem a coisa julgada material, em respeito ao princípio da segurança jurídica, estampado na norma constitucional supracitada. Neste sentido é a lição de HUGO DE BRITO MACHADO: Admitir efeito retroativo de ato que se opera no plano estritamente normativo equivale a admitir efeito retroativo da própria norma. Declarada a inconstitucionalidade de uma lei, essa declaração há de produzir efeitos gerais e, em regra, apenas para o futuro, como acontece com as normas em geral. Somente em casos especiais, expressamente indicados pelo STF, deve tal declaração produzir efeitos retroativos, para alcançar situações concretas, como de resto acontece também com o ato normativo típico, vale dizer, a lei, que excepcionalmente pode retroagir, respeitados, em qualquer caso, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 5. CABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA Em que pese à relevância da coisa julgada, é admissível o cabimento de ação rescisória em face ao sistema misto de controle de constitucionalidade, desde que preenchidos os requisitos legais. Isto porque, o juízo rescisório tem por fim resguardar a ordem jurídica, preservando-se o interesse público, em nada ofendendo o princípio da segurança jurídica. Este é o entendimento de HELENILSON CUNHA PONTES, apud, MICHELE OLIVEIRA TEIXEIRA, in verbis: […] a coisa julgada somente vai se constituir definitivamente após o decurso do prazo decadencial de dois anos para a propositura da rescisória, e que até lá o que se tem é a coisa julgada relativa. Segundo seu entendimento, a segurança jurídica ocorre de fato com o esgotamento do referido prazo. Portanto, a ação rescisória em nada viola o princípio da segurança jurídica, pelo contrário “O direito potestativo à propositura de ação rescisória, bem como o prazo decadencial de dois anos, aliás, representam instrumentos que viabilizam a garantia da segurança jurídica, na visão inclusive do Supremo Tribunal Federal”. Assim, estando dentro do biênio do trânsito em julgado da decisão, é admissível intentar ação rescisória, visando rescindir sentença de mérito em face da declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei que serviu como fundamento da mesma, com fulcro no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil: Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: V – violar literal disposição de lei; Com efeito, isto se justifica em razão da retroatividade da norma declarada inconstitucional ou constitucional, que, a despeito de não prejudicar a coisa julgada, alcança todos os efeitos da norma, a contar de sua publicação. Em nada prejudica tal entendimento a Súmula nº 343 do STF, haja vista que a esta não se aplica à matéria constitucional: Súmula nº 343 – Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais. MICHELE OLIVEIRA TEIXEIRA, ao discorrer sobre o assunto, argumenta: Pode-se observar, portanto, que a jurisprudência do STF orienta-se no sentido de que o preceito sumulado não é aplicável quando se trata de matéria constitucional. Portanto, preenchidos todos os requisitos legais, não há óbice ao cabimento da ação rescisória, quando há divergência das decisões oriundas do controle difuso e controle concentrado de constitucionalidade. 5. CONCLUSÃO Por tudo o que foi exposto, restou extreme de dúvidas o fato de que a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em regra, produz efeitos ex tunc, mas não prejudica a coisa julgada material, tendo em vista seu caráter legislativo. De outra parte, se a decisão proferida no uso do controle concentrado divergir de outra emanada do controle difuso, desde que preenchidos todos os requisitos legais, é perfeitamente cabível a ação rescisória, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil. Luiz Carlos Galindo Júnior Advogado Especialista em Direito Civil e Processual Civil.