DA POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE PEDIDO CONTRAPOSTO PELAS PESSOAS JURÍDICAS N

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Luciano Furtado Loubet Bacharel em Direito ([email protected]) Recentemente, algumas decisões proferidas nos Juizados Especiais desta Capital, vêm firmando posicionamento no sentido de ser inadmissível a formulação de pedido contraposto (art. 31, Lei nº 9.099/95) por pessoas jurídicas nos processos que ali tramitam. O artigo 31 da Lei dos Juizados Especiais proíbe expressamente a reconvenção, mas, por outro lado, admite pedido contraposto, nos seguintes termos: “Art. 31 – Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.” O fundamento para indeferir-se o pedido contraposto feito pelas pessoas jurídicas é que não podem elas serem autoras nos Juizados Especiais, e, se não podem integrar o polo ativo nestas ações (art. 8º, Lei 9.099/95), também lhes seria vedado exercer uma contra-ação (reconvenção) ou seja, obter algo mais do que a simples improcedência do pedido inicial. Contudo, em que pese tal entendimento promanar de decisões abalizadas, o tema merece uma reflexão acurada sob ponto de vista do Direito Constitucional. Com efeito, antes de interpretar-se qualquer norma jurídica ordinária, impõe-se, primeiramente, vislumbrá-la em face da Constituição Federal, aplicando os princípios gerais nela previstos como norteadores de uma hermenêutica que leve à frente os anseios estabelecidos nesse diploma jurídico de maior hierarquia dentro do sistema. Nesta esteira de pensamento, para que se possa dar a real dimensão ao art. 31 da Lei dos Juizados Especiais (que prevê o pedido contraposto), impõe-se, antes de mais nada, visualizar a incidência sobre todas as normas de um sobreprincípio de direito, qual seja, o princípio da igualdade, insculpido no art. 5º da Constituição Federal. Ao levar-se em conta o princípio da isonomia quando da interpretação do art. 31 da Lei 9.099/95, inexoravelmente o hermeneuta irá trilhar caminho diverso daquele que vem sendo firmando atualmente, ou seja, o aplicador de tal regra fatalmente possibilitará que a pessoa jurídica exerça o direito contraposto perante os Juizados, da mesma forma que possibilita a uma pessoa física, quando figura ela como ré. Não há elementos justificadores para que se faça a discriminação que vem ocorrendo, até porque, o princípio da isonomia tem plena aplicação em Direito Processual, sendo expressa a sua previsão no art. 125, I, do Código de Processo Civil, ao determinar-se que o juiz assegure às partes igualdade de tratamento. O professor Celso Antônio Bandeira de Mello, esclarece os critérios para se averiguar se há ou não quebra de igualdade, quando sustenta que “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.” (Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Ed. Malheiros, 3ª ed., p.21) Pois bem, a interpretação que veda o direito ao pedido contraposto à pessoas jurídicas, adota como critério discriminatório, a sua natureza de pessoas jurídicas, de tal forma que somente às pessoas físicas atribui tal direito. A justificativa para tal exclusão de direito é que, perante os Juizados Especiais, tais pessoas não teriam direito de ação, e, em assim sendo, também não lhes poderia ser atribuída uma contra-ação. Tal justificativa não possui sustentação, pois ignora ela a diferenciação existente entre reconvenção e pedido contraposto. É certo que existem autores que não vêm diferença entre estes dois institutos, contudo, ela existe, eis que a reconvenção é mais abrangente – constituindo pretensão autônoma – bastando apenas a conexão, enquanto que o pedido contraposto necessita de plena identidade entre os motivos que o ligam ao requerimento inicial. O professor Joel Dias Figueira Júnior aponta os elementos diferenciais entre tais institutos: “A reconvenção contém uma pretensão autônoma e independente daquela do autor, não obstante a necessidade de ser conexa com a demanda principal ou com o próprio fundamento da defesa (art. 315, caput, CPC). Por sua vez, o contrapedido que a Lei permite ao réu formular na peça contestatória não tem a mesma autonomia daquela e é duplamente limitado: primeiro, deve estar adequado à competência destes Juizados – por valor e por matéria –, nos termos do art. 3º; segundo, limita-se aos contornos delineados pelos fatos que constituem o objeto da controvérsia.” (Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, RT, 2ª ed., p. 243) Desta forma, como o pedido contraposto não se trata de uma contra-ação, afigura-se sobremaneira equivocada a interpretação que vem tomando vulto nos juizados, em não se atribuir tal faculdade às pessoas jurídicas. O terceiro elemento (harmonia com os valores prestigiados pelo sistema constitucional) não se evidencia na interpretação apresentada, pois esta corrente vai de encontro com o princípio magno do amplo acesso ao Pode Judiciário (art. 5º, XXXV), eis que, apesar de não se estar excluindo totalmente tal apreciação do órgão jurisdicional, estão sendo colocados obstáculos a este acesso, o que não pode ser admitido, pois contraria as diretrizes extraídas desta norma supra-legal. Se não bastassem todos estes princípios constitucionais elencados, guiando o hermeneuta em interpretação diversa da apresentada, há também o princípio da economia processual, pois prevalecendo o entendimento de que não podem as pessoas jurídicas formularem pedido contraposto nos Juizados Especiais, terão elas que procurarem as vias ordinárias na Justiça Comum, o que irá aumentar o número de feitos, prejudicando ainda mais os andamentos dos processos. Esta circunstância é analisada pelo já citado Joel Dias Figueira Júnior: “Há que ressaltar ainda que as duas figuras são vantajosas para o sistema, e, em particular, aos sujeitos do processo: inspiram-se no princípio da economia processual ( onde se inclui também a atividade jurisdicional), à medida que o exame de ambas as demandas contrapostas é realizado num único processo e numa só sentença.” (ob. cit., p. 244) Frente a todos estes argumentos, guiando-se pelo princípio da igualdade, do amplo acesso ao Poder Judiciário e economia processual, a melhor interpretação a ser apresentada é a de que é possível às pessoas jurídicas formularem pedido contraposto nas ações em que elas figurarem como rés nos Juizados Especiais Cíveis.