INCONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA 37 DO STJ
João Campos Advogado em Mato Grosso do Sul, especializado em Direito do Consumidor e autor do livro “Reclame, o direito é seu. Manual do Consumidor Indignado”, ed. Letra Livre, 1996. A indenização do dano moral, com base na Súmula 37 do STJ, é sempre inconstitucional e não se deve ter receio de afirmá-lo. De fato, com o advento da Constituição Federal de 1988, não se pode mais falar em dano moral por morte em acidente ou mesmo homicídio comum. Apenas a persistência de alguns doutrinadores e de construções jurisprudenciais, uma delas erigida à condição de Súmula (37, do STJ), tentam, temerariamente, sustentar a existência do dever de indenizar o dano moral por morte de um ente querido ou lesões em acidentes de trânsito em geral e, menos cabível ainda, a cumulação dessa indenização com o dano material. Esse desamor à pesquisa, estimulado pela existência da súmula 37, do STJ, vem se disseminando de tal forma que até na Justiça do Trabalho até uma demissão imotivada é usada como causa de pedir indenização por dano moral, o mesmo ocorrendo nos Juizados Especiais, onde a perda de um vôo na Ponte Aérea pode enriquecer o passageiro da noite para o dia, com uma condenação por pretium doloris. A única respeitável lei existente, o Código Civil, em seus artigos 1.537 e 1.538, prevê apenas o dano material e estético valendo a pena a sua transcrição: O primeiro artigo prevê que a indenização, no caso de homicídio, resuma-se “no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família” (inciso II) e “na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia” (inciso III). O artigo 1.538 trata de ferimento ou ofensa à saúde, com seus resultantes aleijões ou deformidades, resultando daí o único calço para o dano moral, gênero do qual deriva a espécie dano estético. E nesse caso, tudo deveria se resumir na prova do dano estético, bem delimitado, e condenação nas providências reparadoras ou na compensação do que não pode ser reparado, o que, nos dias atuais, com o avanço científico, é hipótese praticamente inexistente. Sobre essa base jurídica, à míngua de norma expressa, os tribunais foram construindo, com auxílio de ousada inspiração doutrinária, a modalidade do dano moral pela morte de filhos ou entes queridos, qualificando, com desaconselhável sentimentalismo, o homicídio existente no enunciado legal. Ou seja, fazendo-se justamente o que as faculdades de Direito sempre ensinaram ser repudiável: acrescer penduricalhos no texto da lei. Repita-se: o único texto legal existente! Daí derivaram as Súmulas 491, do STF, e a 37, do STJ, sem nenhum lastro constitucional, como se demonstrará a seguir. A Súmula 491, do STF, tenta-se impor com o enunciado: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Ora, nada de novo estaria trazendo à luz do direito tal súmula, face ao que diz o art. 1.537, do Código Civil, pois ainda estar-se-ia tratando de homicídio. Essa indenização já está prevista, portanto, e tem limites perfeitamente estabelecidos. Mas a intenção do STF foi instituir uma indenização por dano moral, uma espécie de inciso III ao artigo 1.537, pois a família do falecido, se menor sem trabalho, não teria direito à pensão, à remuneração pecuniária da dor, à indenização do pretium doloris tantas vezes repudiada na construção jurisprudencial até então acolhida na mesma Corte. E referindo-se a trabalho a construção jurisprudencial deu vida a outros monstros, como o acoplamento de 13o. à indenização e não estamos longe do dia em que também férias, fundo de garantia de tempo de serviço e outros elementos venham a integrar a condenação. Daí para a Súmula 37, do STJ, foi um pulo, embora aqui se tenha por mais grave o completo afastamento da norma constitucional, única garantia do cidadão contra o abuso do Estado. A Súmula diz que “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Mas a Constituição Federal, em seu artigo 5º, II, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Sobre esse primado reside a construção de nosso direito objetivo, vale dizer, mesmo que a doutrina queira, ainda que a jurisprudência construa fórmulas e súmulas sobre os fatos da vida ou da morte, há que estar o direito consubstanciado em uma norma jurídica escrita. Sem a norma escrita, qualquer criatividade do julgador, que não-raro é tentado a legislar por sentença, esbarra na Constituição Federal, que garantirá ao cidadão passar ao largo das construções doutrinárias e jurisprudenciais, por mais respeitáveis que sejam. E, embora a Súmula 37 tenha surgido sob o comando constitucional de 1988, comando que deu origem ao próprio Tribunal Superior de Justiça, seus ilustres prolatores, cometendo o mesmo equívoco dos doutrinadores que a inspiraram, não atentou para os seguintes fatos: Só há dois incisos do art. 5º que tratam do dano moral e nenhuma outra referência em toda a Carta Magna. Um é o artigo 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;” O outro é o artigo 5º, inciso X, mais claro ainda: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Desse exame resulta que: O ARTIGO 5º, V, TRATA DE CRIME DE IMPRENSA E NÃO DE HOMICÍDIO, POSTO QUE SÓ NESSA CATEGORIA DE DELITOS SE INSERE O DIREITO DE RESPOSTA; O ARTIGO 5º, V, NÃO É FONTE DE DIREITO PARA APLICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM CASOS DE HOMICÍDIOS. O ARTIGO 5º, X, TRATA DE VIDA, SIM, MAS DE VIDA PRIVADA, ISTO É, DE PRIVACIDADE, NÃO SE PRESTANDO PARA FUNDAMENTAR A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM CASOS DE HOMICÍDIOS. Então, onde está a lei que garante a indenização por dano moral em caso de homicídio, acidental ou não, que deva ser obedecida pelo cidadão e aplicada pelo julgador? Nem se recorra ao argumento de que o art. 159, do Código Civil (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”) estaria, ao se referir a dano, ampliando o significado dessa palavra ad infinitum, abrangendo dessa forma os danos material e moral. Qualquer entendimento nesse sentido é expelido pela exegese do que se lê no mesmo artigo: “A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.” E, por óbvio, dispensamo-nos de retranscrever o artigo 1.537, que aponta o que deve ser indenizado em caso de homicídio. Qualquer acréscimo na lista será criatividade, mas não fará justiça. Porém, não falha somente aí a Súmula 37, do Egrégio STJ, pois, ainda que tratasse apenas de crimes de imprensa ou de violações à privacidade do cidadão, é incabível a cumulação nela enunciada, pela simples leitura dos dispositivos constitucionais acima citados. À toda evidência, quando a Constituição Federal diz “dano material, moral ou à imagem” (art. 5o, V) e “dano material ou moral decorrente” (art. 5º, X), não permite qualquer ilação rumo à troca do ou pela conjunção e, não sendo ocioso mencionar que a palavra decorrente, assim mesmo no singular, reforça o caráter de alternativa e não de cumulação. De sorte que, substancialmente, não existe, além dos arts. 1.537 e 1.538, qualquer previsão legal para indenização do dano moral, seja ele isolado, seja cumulado com dano material, evidenciando-se, face ao comando maior da Constituição da República, o desacerto da Súmla 37, do STJ, cuja aplicação sempre se invoca em semelhantes casos. Pode-se dizer, com certeza, que tal súmula vem induzindo grande acomodação entre os magistrados de primeira instância, pois, diante dela, se dispensam do saudável hábito de pesquisar, procurar a luz. E dessa acomodação, que vem contaminando todos os ramos do Direito, estimulando pedidos absurdos e sonhos na mente dos demandantes, resultam apenas decisões emocionais, sem fundamento jurídico, que causam enormes prejuízos às partes condenadas e à imagem do Poder Judiciário.