OAB esta aberta para debater revisão da lesgilação do aborto
O presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil, Aristoteles Atheniense, afirmou hoje (13) que a OAB está aberta para discutir, sem preconceitos, a proposta do governo de fazer uma revisão na legislação sobre aborto no Brasil. A intenção do governo é formar uma comissão de estudos e rever a legislação punitiva, uma vez que, hoje, o aborto é considerado crime. A intenção de debater a matéria no âmbito da OAB foi confirmada por Aristoteles em entrevista concedida hoje à Rádio CBN. A entidade ainda não tem conhecimento do completo teor da proposta do governo federal, mas quer debater o assunto “sem que haja de nossa parte qualquer pré-disposição em ser contra ou a favor do que o governo está propondo”, afirmou Aristoteles. O presidente em exercício da OAB lembrou que a questão do aborto é polêmica dentro em fora do Brasil e acrescentou que Austrália, Bélgica, Holanda, Itália, Japão e Rússia já se posicionam favoráveis à sua adoção. “O que está havendo é uma preocupação grande em fazer com que esse tema obtenha uma discussão mais ampla e sem preconceitos religiosos”, afirmou Aristoteles. A comissão que será formada a partir de janeiro pelo governo para estudar a revisão da legislação sobre aborto será integrada por representantes do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil. A iniciativa é uma das prioridades do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Segue a íntegra da entrevista concedida por Aristoteles Atheniense: P – O que o senhor achou dessa proposta do governo, de propor a revisão da legislação sobre aborto no Brasil? R – O primeiro requisito para que esse assunto seja debatido no Conselho Federal da OAB é que tomemos conhecimento do teor da proposta do governo. Recentemente, o Conselho defendeu a questão do aborto de fetos anencefálicos (sem cérebro) e, naquela ocasião, os debates foram muito proveitosos, mas em relação a um caso concreto. Nós ainda não temos conhecimento do teor completo dessa proposta noticiada na semana passada. Mas em se tratando de uma instituição voltada para os interesses maiores da sociedade, a OAB vai discutir este assunto, sem que haja de nossa parte qualquer pré-disposição em ser contra ou a favor do que o governo está propondo. P – Mas hoje, de acordo com a evolução da sociedade e da maneira como a população brasileira pensa, o senhor imagina que as pessoas estão conseguindo separar o que é religião do que é comportamento? R – Esse tema sempre foi muito controvertido, não apenas no Brasil, mas na própria história. Se retrocedermos no tempo, vamos encontrar Santo Agostinho admitindo a possibilidade do aborto. Santo Agostinho sustentava a possibilidade de aborto até quarenta dias em se tratando de homem e oitenta dias em se tratando de mulher. Platão, por sua vez, sustentava a possibilidade e legalidade de um aborto quando a mulher engravidasse após os 40 anos de idade. No Brasil, essas questões que dizem respeito à família sempre geraram muita discussão. Eu me recordo que em 1953, quando eu ainda era estudante de Direito, se falou em divórcio. Foi quando o cardeal de São Paulo, dom Carlos Vasconcelos Mota, chegou a propor que se pegasse em armas caso o divórcio chegasse a ser implantado. Na Itália, em 1974, o divórcio também foi muito questionado, e continua polêmico porque o aborto carrega a presunção de que a sua concessão importaria no enfraquecimento da família. P – Em quais casos o aborto é autorizado? R – Nós temos no Brasil um Código Penal que prevê dois tipos de aborto praticados por médicos: quando não há meios de salvar a gestante e quando a gravidez resulta de estupro. Nesses casos, o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, sendo incapaz, de seu representante legal. Mas não se trata dessa questão, do chamado aborto terapêutico ou profilático. A questão é saber se a mulher pode dispor ou não daquilo que está fecundado no seu ventre. P – Quais países são, hoje, favoráveis à prática do aborto? R – A favor do aborto, encontramos hoje – vou citar apenas a título de ilustração, não significa que existindo lá precise existir aqui – a Austrália, Bélgica, Holanda, Itália, Japão e Rússia. Contra o aborto, salvo naqueles casos em que há risco de vida, estão Brasil , Chile e México. Não tenho conhecimento de nenhum país da Europa que adote essa posição sustentada por nosso país. O que está havendo é uma preocupação grande em fazer com que esse tema obtenha uma discussão mais ampla e sem preconceitos religiosos. Em se tratando de uma Lei de 1940, editada há 64 anos, muita coisa aconteceu de lá para cá. A mulher daquela época, quando Francisco Campos era o ministro da Justiça, era muito diferente da de hoje, quando o ministro da Justiça é Márcio Thomaz Bastos. Então, há uma variação considerável em termos de comportamento da mulher, em sua própria maneira de pensar e de como se comportar diante de um caso como esse. P – Que posição a OAB pretende adotar com relação a essa discussão? R – A OAB é um campo livre para todos os debates, sem nenhuma intenção de impor qualquer idéia por parte de sua diretoria, muito menos de seu presidente. Os advogados devem participar desse debate, não só sob o prisma jurídico, mas também humano e social, a exemplo do que fizemos quando tivemos oportunidade.