OAB e CNBB: campanha deve focar corrupção denunciada em 2005

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Brasília, 21/03/2006 – O secretário executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Daniel Seidel, acredita que a Campanha de Combate à Corrupção Eleitoral, que será lançada no dia 3 de abril em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deverá estar focada principalmente nas denúncias de corrupção envolvendo o governo federal no último ano. Isso porque, na sua avaliação, o Congresso Nacional não promoveu as alterações necessárias para controlar a legalidade das campanhas eleitorais e inibir o uso de caixa dois pelos partidos políticos. “Tudo o que foi denunciado durante o ano de 2005 pode acabar se repetindo porque, infelizmente não temos mecanismos efetivos para coibir tais irregularidades”. Essa será a quarta vez que CNBB e OAB e mais 17 entidades parceiras realizam a campanha. Serão instalados Comitês de Combate à Corrupção Eleitoral em todo o país para o recebimento de denúncias de irregularidades nas campanhas e de informações que possam levar ao registro em flagrante de eventuais compra de votos. O candidato que tiver práticas irregulares denunciadas aos comitês da OAB e CNBB terá a candidatura ou registro de candidatura cancelados ou mesmo, depois de eleito, ter o diploma cassado. Entre as irregularidades que poderão ser denunciadas nos comitês, Seidel cita a compra de voto mediante oferta de emprego, de dinheiro, dentadura ou de algum bem que tenha valor significativo para o eleitor; troca por cesta básica, telha para residência, cimento ou caixa d’água. Essas são práticas que já estão catalogadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral como as mais freqüentemente utilizadas para a compra do voto. O secretário executivo da CNBB lembrou que também podem ser denunciados mandatários ou candidatos que já estejam no uso do cargo e utilizem-se de máquinas ou funcionários das prefeituras para fazer benfeitorias em propriedades privadas. “Utilizar-se dos mecanismos públicos, de funcionários em sua jornada de trabalho para fazer campanha eleitoral caracteriza também o uso da máquina administrativa”, afirmou Daniel Seidel, que ressalta a importância da participação popular como forma de coibir irregularidades nas próximas eleições. Ao todo, funcionarão em benefício da campanha 27 Seccionais da OAB e 10.480 paróquias espalhados por todo o Brasil. Em resposta aos que se dizem desesperançosos diante dos rumos da política brasileira e com a proximidade das eleições, o representante da CNBB afirma que só é possível comemorar mudanças quando o voto do eleitor é consciente. “Muita gente acha que não adianta nada votar certo e que a política não tem mesmo jeito, que nada vai mudar a partir da eleição. Mas eu entendo que democracia é um processo que se constrói a partir da tomada de consciência do povo”, afirmou Daniel Seidel. “Por isso, estamos fazendo esse chamamento, para que todo cidadão que tomar conhecimento de alguma prática ilícita, ilegal ou criminosa durante essas eleições, que procure os Comitês de Combate à Corrupção Eleitoral que estarão disponíveis e trabalhando para fazer essa denúncia chegar ao Ministério Público”. A parceria entre OAB e CNBB existe desde o ano 2000, quando foi aprovada a Lei 9840, de combate à compra de votos e do uso da máquina administrativa nas campanhas eleitorais. A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo secretário executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, Daniel Seidel: P – Como é que o senhor vê essa campanha que será deflagrada em alguns dias pela OAB e CNBB? O que se espera dessa parceria, que já é tradicional em período de campanha eleitoral? R – Essa parceria vem desde o ano 2000, quando a OAB, a CNBB e outras entidades da sociedade civil conseguiram a aprovação da Lei 9840, de combate à compra de votos e do uso da máquina administrativa nas campanhas eleitorais. Desde então, essa é a quarta vez que lançaremos a campanha a partir dessa lei. Nesse ano de 2006, a campanha deverá estar voltada principalmente para os acontecimentos que acometeram a política brasileira no ano passado, que demandam uma necessidade ainda maior de uma fiscalização efetiva. Isso porque, infelizmente, o Congresso Nacional não promoveu as alterações necessárias para controlar a legalidade das campanhas eleitorais e inibir o uso de caixa dois pelos partidos políticos. Tudo o que foi denunciado durante o ano de 2005 pode acabar se repetindo porque, infelizmente não temos mecanismos efetivos para coibir tais irregularidades. Portanto, a OAB e a CNBB estarão patrocinando novamente a Campanha de Combate à Corrupção Eleitoral, por meio da criação dos já tradicionais comitês em todos os Estados brasileiros. Esses comitês vão acompanhar efetivamente as eleições e inibir a ocorrência de práticas perniciosas ao funcionamento e ao fortalecimento da democracia. Para ajudar na campanha, já estamos lançando mão de instrumentos como folders e cartazes. Quando o povo se organiza, consegue fazer com que a nossa democracia avance e que se afastem da política aqueles que utilizam práticas criminosas, que deturpam a vontade do povo. P – A campanha para as eleições presidenciais deste ano tem tudo, infelizmente, para ser uma das mais sujas que já vimos nos últimos anos. O que vai ser possível fazer para deter as ilegalidades? R – Em primeiro lugar, é muito importante que a sociedade civil participe, estabelecendo, efetivamente, uma parceria com o Ministério Público, com as Procuradorias Regionais Eleitorais e com os comitês da OAB e CNBB que estarão disponíveis para receber e oficiar eventuais denúncias. Faremos também o lançamento, no dia 3, de um seminário nacional de juízes, procuradores, promotores e advogados eleitorais justamente com o fim de contar com juízes que atuem efetivamente nesse combate. Só assim aqueles que lançarem mão de práticas irregulares poderão ter as candidaturas ou os registros de candidatura cancelados ou mesmo, depois de eleitos, terem o diploma cassado. A sociedade espera realmente que as próximas eleições possam se dar dentro do marco legal. A gente acredita muito nisso. Não será possível termos uma democracia forte no Brasil sem organização da sociedade civil, sem organização popular. Só o povo pode acompanhar o desempenho e o cumprimento dos compromissos de campanha feitos pelos candidatos. Durante a campanha, a maioria dos candidatos tem boas idéias, que parecem, realmente, passíveis de solucionar os problemas sociais, mas depois que ganham o pleito, esquecem-se do que prometeram. P – Que tipo de práticas são consideradas ilegais? O quê, especificamente, os cidadãos vão poder reportar aos comitês da OAB e à CNBB? R – Todo e qualquer tipo de compra de voto. Prometer voto, comprar voto com promessa de emprego, de dentadura, de dinheiro, de algum bem que tenha valor significativo para aquela pessoa, em troca de cesta básica, por telha, por cimento, por caixa d’água. Todas essas práticas já estão catalogadas e têm jurisprudência própria no Tribunal Superior Eleitoral. Pode denunciar quem ver, por exemplo, um mandatário ou um candidato que esteja já no uso do seu cargo utilizando máquinas da Prefeitura para fazer benfeitorias em propriedades privadas, por exemplo. Isso não pode, é ilegal e vemos acontecer muito no interior do país. Utilizar-se dos mecanismos públicos, de funcionários em sua jornada de trabalho para fazer campanha eleitoral caracteriza também o uso da máquina administrativa. Então, são duas as tipificações: uma da compra de voto, que é uma relação que se dá e não apenas diretamente do próprio candidato com o eleitor, mas, também, dos seus cabos eleitorais, de seus representantes. P – Já há antecedentes catalogados no TSE de formas de delitos que mais ocorrem? R – Sim. Já temos jurisprudência firmada no Tribunal Superior Eleitoral, que imputa ao candidato a responsabilidade dos atos daquele que ele contrata para fazer a sua campanha. Então, qualquer tipo de irregularidade, seja cometida pelo próprio candidato ou por pessoas ligadas a ele, pode e deve ser denunciada. É claro que a declaração de quem viu o ato sendo cometido, ou seja, a prova testemunhal, é importante, mas, de preferência, precisamos que as denúncias sejam acompanhadas de gravações de conversas ou até de filmagens. Se alguém souber que vai haver uma distribuição de cestas básicas em troca de voto, por exemplo, pode avisar o comitê, que este se organizará para estar lá e registrar o flagrante. P – O senhor acha que o povo está desesperançoso com as próximas eleições? Acredita que é possível mudar a sua vida se lançar mão de um voto mais consciente? R – Muita gente acredita que a democracia é um processo lento. Muita gente acha que não adianta nada votar certo e que a política não tem mesmo jeito, que nada vai mudar a partir da eleição. Mas eu entendo que democracia é um processo que se constrói a partir da tomada de consciência do povo. Por isso, estamos fazendo esse chamamento, para que todo cidadão que tomar conhecimento de alguma prática ilícita, ilegal ou criminosa durante essas eleições, que procure os Comitês de Combate à Corrupção Eleitoral que estarão disponíveis e trabalhando para fazer essa denúncia chegar ao Ministério Público. A partir daí, todo o processo tem de correr de forma bastante ligeira dentro do Judiciário, para que candidatos que se utilizam de práticas ilegais fiquem de fora da campanha eleitoral e dos poderes organizados da República. P – Qual é o resultado prático da apresentação de denúncias nos comitês de candidatos que buscam ganhar a eleição com base em práticas imorais? R – Não temos como mensurar, mas há um impacto forte na renovação nos legislativos estaduais e municipais. Com a melhor fiscalização das campanhas eleitorais, pessoas que se utilizavam de práticas criminosas foram se afastando da política porque não puderam dela se utilizar para poder conseguir a reeleição. Tínhamos situações, em alguns municípios, de vereadores que se reelegiam anos a fio justamente porque tinham tradição na prática da compra do voto e abusavam das necessidades populares em troca do seu benefício eleitoral. Nossa atuação possibilitou, então, uma renovação do legislativo. Estamos fazendo um chamamento às universidades, para que possamos promover linhas de pesquisa e ter estatísticas reais que possam comprovar como a participação popular pode realmente promover mudanças importantes no cenário político brasileiro. Isso é um sinal de esperança. Não queremos que as denúncias que ocorreram no ano passado desanimem o povo brasileiro a continuar teimando e trilhando esse caminho. O povo brasileiro é pacífico e que busca resolver seus conflitos por meio do diálogo e da democracia. Acreditamos que esse é o caminho. A CNBB está empenhada, juntamente com a OAB, para promover essa campanha. P – Como o senhor avalia a participação da OAB como parceira tradicional da CNBB nessa Campanha de Combate à Corrupção Eleitoral? São 27 Seccionais da OAB e 10.480 paróquias em todo o país, o que resulta em uma enorme capilaridade. Como é que o senhor vê a participação da OAB? R – Como fundamental. Essa será a quarta campanha que fazemos e, nas campanhas anteriores, onde houve a articulação entre as paróquias, dioceses, as Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil e a presença de juízes e promotores, esse trabalho de combate à corrupção foi muito eficaz. Por isso vamos promover um seminário que possibilitará essa integração. Teremos a participação das representações estaduais da OAB, das Comissões de Justiça e Paz e da Cáritas brasileira. Juntamente com as entidades nacionais que participam do movimento, somamos, ao todo, 19 entidades interessadas em contribuir para eleições legais e limpas. Temos todas as entidades bem intencionadas da sociedade brasileira em função desse objetivo. E não tenho dúvida que, em que pese a Copa do Mundo cair neste ano, o principal evento de 2006, que determinará os rumos do país, é realmente as eleições. Então, nessa perspectiva, teremos essa ação integrada e coordenada e queremos contar, efetivamente, com a participação dos advogados e das Seccionais da Ordem, porque essa participação dá credibilidade ao movimento. Só o que buscamos é que o processo eleitoral brasileiro não seja prejudicado. Queremos que os bem intencionados possam participar de uma campanha da forma mais livre possível. Por isso todo esse esforço e esse empenho. Fonte: [i]OAB[i]