Britto defende choque de cidadania para comunicação no País

Data:

Brasília (DF) – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou hoje (21) que a entidade, em sua missão institucional de debater questões de interesse da cidadania, preocupa-se com os novos desafios da comunicação, principalmente em tempos de vertiginosa transformação de hábitos e tecnologias. “A saída, a nosso ver, é um choque de cidadania no setor”, afirmou Cezar Britto. “Na era da tecnologia e da sociedade do conhecimento, a comunicação é instrumento vital ao exercício da cidadania. É um direito humano fundamental, tanto quanto o de comer, habitar, trabalhar, ter acesso à saúde e à educação”.

As afirmações foram feitas hoje por Cezar Britto, que participou do “Encontro Nacional de Comunicação – Na luta por Democracia e Direitos Humanos”, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Britto integrou a mesa de abertura do evento juntamente com o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, o secretário Especial dos Direitos Humanos, ministro Paulo Vannuchi, o presidente da Comissão, deputado Luiz Couto (PT-PB) e o deputado Julio Semeghini (PSDB-SP), além de vários outros parlamentares, representantes de centrais de trabalhadores e de entidades ligadas a direitos humanos.

Britto ressaltou o papel da imprensa como espaço de circulação de informações e cultura, onde se estabelecem padrões de comportamento, se alteram e se impõem escala de valores e onde se forma a opinião pública da sociedade contemporânea. “Debate-se ali praticamente tudo o que há de relevante na vida em sociedade: direitos civis, justiça social, propostas de desenvolvimento e, claro, direitos humanos, em toda a extensão e complexidade que esse termo envolve”.

O presidente da OAB alertou, ainda, para o fato de a TV brasileira ser, hoje, uma das mais desenvolvidas do mundo, apesar de estar concentrada nas mãos de poucos. “Concentração de poder – a exemplo de concentração de renda – é incompatível com ética e transparência, ingredientes indissociáveis do Estado democrático de Direito”. Britto também chamou a atenção para a necessária democratização do acesso e papel dos meios de comunicação, uma vez que a maioria dos 180 milhões de habitantes do país não tem acesso a esses veículos por limitações de ordem econômica e social. “Desconhecem seus direitos mais elementares de cidadania e nem desconfiam de como flui e influi na sociedade o fluxo de informação”.

Como exemplo dessa realidade, Cezar Britto citou, para os presentes ao Encontro Nacional de Comunicação, o controle da radiodifusão no País, ainda centrado nas mãos do poder político nas regiões mais distantes e atrasadas.

A seguir, a íntegra do discurso proferido pelo presidente nacional da OAB no Encontro Nacional de Comunicação, realizado na Câmara:

“Senhoras e senhores

Na era da tecnologia e da sociedade do conhecimento, a comunicação é instrumento vital ao exercício da cidadania. É um direito humano fundamental, tanto quanto o de comer, habitar, trabalhar, ter acesso à saúde e à educação.

Vivemos numa sociedade arbitrada e mediada pelos veículos de comunicação.

Eles constituem o principal espaço de circulação de informação e cultura. Estabelecem padrões de comportamento, alteram e impõem escala de valores e são, de longe, o principal formador de opinião pública da sociedade contemporânea.

Um poder que freqüentemente inibe e atemoriza os demais Poderes constituídos.

É no âmbito dos veículos de comunicação, mais que nos próprios parlamentos, palácios governamentais e academias, que se desenvolve o debate político – suas disputas, grandezas e fragilidades.

Debate-se ali praticamente tudo o que há de relevante na vida em sociedade: direitos civis, justiça social, propostas de desenvolvimento – e, claro, direitos humanos, em toda a extensão e complexidade que esse termo envolve.

Com tamanho poder, a comunicação torna-se objeto de cobiça por parte dos governantes, quer em regimes autoritários, quer em regimes democráticos.

Todos querem tê-la como um instrumento particular de poder e governabilidade, esquecendo-se de que é um bem social – e não estatal. Um bem coletivo – e não pessoal.

Nos regimes autoritários, lamentamos a ação permanente para restringi-los, intimidá-los ou para submetê-los aos interesses do governante ou da facção de plantão.

Nos regimes democráticos, o temor é outro, mas não menos assustador: a manipulação da informação, a serviço de interesses nem sempre identificáveis, nem sempre confessáveis – e, em regra, pouco ou nada republicanos.

No Brasil, país com tantas disparidades, a comunicação dispõe de infra-estrutura de país de Primeiro Mundo. A TV brasileira é elogiada como tecnicamente das mais desenvolvidas. Mas, a exemplo do que ocorre com a economia em geral, há aí também excessiva concentração de poder, nas mãos de bem poucos.

Concentração de poder – a exemplo de concentração de renda – é incompatível com ética e transparência, ingredientes indissociáveis do Estado democrático de Direito.

Leva sempre à exorbitância, ao engodo. Atenta contra a cidadania – e, por extensão, contra os direitos humanos.

Vejamos concretamente como se dá no Brasil a concentração de poder no campo das comunicações. Falemos das comunicações de um modo geral, mas com ênfase nas telecomunicações, espaço público cuja exploração depende de concessão do Estado – e que exerce influência bem superior às demais mídias.

Neste país-continente, nove famílias controlam nada menos que 85% da informação que circula por todos os meios de comunicação. São as donas das redes de televisão, principais emissoras de rádio e agências de notícias.

Já a imensa maioria dos 180 milhões de habitantes do país, por limitações de ordem econômica e social, não têm acesso a esses veículos, desconhecem seus direitos mais elementares de cidadania e nem desconfiam de como flui e influi na sociedade o fluxo de informação.

Exatamente por seus poderes e imensurável influência, é preciso que os veículos de comunicação estejam acima do jogo político, dos clientelismos e compadrios que costumam lastrear entre nós as relações de poder. Não há dúvida de que, no passado, esse quadro foi bem mais problemático.

A expansão das telecomunicações no Brasil deu-se, afinal, em plena vigência do regime militar. Tal paradoxo estabeleceu condicionamentos ainda não inteiramente removidos.

Basta ver o que acontece no âmbito regional, sobretudo nas regiões mais distantes e atrasadas, onde o controle da radiodifusão ainda está em mãos do poder político mais reacionário, a serviço de interesses nem sempre (quase nunca) coincidentes com os da comunidade que domina.

Para que comunicação e liberdade formem mais que um mero dístico e expressem uma realidade palpável, é preciso submetê-las cada vez mais à supervisão da sociedade.

Não se está, como é óbvio, defendendo o retorno da censura, até porque esta se mostrou igualmente nociva aos interesses da comunidade. O que é preciso, em se tratando de concessões do Estado, é estabelecer formas de participação e controle da sociedade nos veículos de radiodifusão, para que cumpram sua missão constitucional.

O artigo 221 da Constituição estabelece que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

Não é preciso ser especialista no assunto para constatar que tais requisitos não estão nem de longe sendo atendidos. Quem controla tais deficiências? Quem pressiona os titulares das concessões a que se enquadrem nas exigências constitucionais? Como fazer com que a sociedade deixe de ter papel apenas passivo nas relações com a mídia?

São questões que hoje preocupam a cidadania no Brasil.

Em seu programa de ação para as décadas de 1984-2005 relativo à educação em direitos humanos, a ONU recomendou que sua implementação seja ação conjunta de entidades no âmbito internacional, regional, nacional e local, com o objetivo de fortalecer a informação pública que promova a compreensão, tolerância e igualdade entre os sexos.

Entre os cinco objetivos básicos do programa está o fortalecimento da mídia popular, uma das medidas essenciais para a mudança do paradigma da comunicação em vigor hoje no Brasil e na América Latina.

Outras medidas seriam, por exemplo, a criação de mecanismos de exigibilidade voltados à proteção e combate a violações veiculadas na mídia, que lamentavelmente têm sido constantes.

No Brasil, programas humorísticos são os que mais explicitamente promovem o preconceito contra mulheres, negros e homossexuais. Também os canais controlados por grupos religiosos praticam proselitismo freqüentemente agressivo a outras crenças, sem possibilitar nenhum espaço de diálogo ou de defesa com aqueles credos depreciados.

A Ordem dos Advogados do Brasil, dentro de sua missão institucional de debater questões de interesse da cidadania – e de seu compromisso estatutário de defender os direitos humanos -, preocupa-se com os novos desafios da comunicação em nosso país, nestes tempos de vertiginosa transformação de hábitos e tecnologias.

A saída, a nosso ver, é uma só: um choque de cidadania no setor. E eventos como este, que põem o tema em debate, prestam enorme serviço a esta causa, essencial para que o Estado democrático de Direito, entre nós, deixe de ser mera figura de retórica e adquira conteúdo ético e social efetivo.”