Artigo: “O Foro Especial por Prerrogativa de função” (*) Carlos Bobadilla
A Constituição da República Federativa do Brasil consagra o seguinte princípio:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Grifei.
TODOS e não ALGUNS, registre-se.
Sobre tal ótica constitucional abordarei o tema, sempre com o devido respeito a quem entenda de forma diversa.
O jornal O ESTADO DE SÃO PAULO digital publicou a seguinte notícia:
“Brasília, 03/05/2018. Por 7 a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (3) reduzir o alcance do foro privilegiado, no caso de deputados federais e senadores, para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, conforme o entendimento defendido pelo ministro Luís Roberto”.
Nos tempos hodiernos fala-se e muito no chamado FORO PRIVILEGIADO, tema que interessa, e muito, a toda sociedade brasileira.
Pois bem.
Privilégio.
Qual o significado de privilégio?
“É A VANTAGEM CONCEDIDA A ALGUÉM COM EXCLUSÃO DE OUTROS E CONTRA O DIREITO COMUM” (Dicionário Escolar do Professor, MEC, Brasília, 1963, pg. 997, Biblioteca da Professora Brasileira).
E também:
“O foro especial por prerrogativa de função – conhecido coloquialmente como foro privilegiado – é um dos modos de estabelecer-se a competência penal. Com este instituto jurídico, o órgão competente para julgar ações penais contra certas autoridades públicas – normalmente as mais graduadas nos sistemas jurídicos que a utilizam – é estabelecido levando-se em conta o cargo ou a função que elas ocupam, de modo a proteger a função e a coisa pública. Por ligar-se à função e não à pessoa, essa forma de determinar o órgão julgador competente não acompanha a pessoa após o fim do exercício do cargo. Criado como uma resposta à irresponsabilidade penal dos governantes, típica do absolutismo, buscava garantir a responsabilização daqueles que exerciam altos cargos governamentais. Por isso, é ainda hoje utilizado nos ordenamentos jurídicos de vários países de tradição romano-germânica, especialmente no Direito brasileiro. Neste sentido, remonta a uma separação entre privilégio (ou privilégio pessoal) e prerrogativa (ou privilégio real – de res, coisa). O primeiro abarcaria os privilégios de nascimento, aqueles concedidos às pessoas devido à família na qual nasceram, isto é, à origem. A segunda refere-se aos direitos transitórios que uma função confere àquele que a ocupa, isto é, direitos que se ligam ao cargo e existem para permitir o seu melhor exercício” (WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre).
No Brasil tal privilégio, julgamento de prática de crime comum por autoridades, vem previsto na Constituição Federal em vários dispositivos.
Ei-los:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I – processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça”.
A respeito do tema li no site do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil li a seguinte notícia:
“Quinta-feira, 3 de maio de 2018. Brasília – O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, manifestou na tarde desta quinta-feira (2) seu apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal em restringir o alcance do foro por prerrogativa de função, conhecido popularmente como foro privilegiado. Segundo ele, “a decisão do STF de restringir o alcance do foro por prerrogativa de função está em compasso com as aspirações democráticas e republicanas descritas na Constituição Federal de 1988. A decisão de hoje é um passo concreto contra a impunidade. O foro privilegiado como era até hoje obrigava o principal tribunal do país, que tem como missão se ocupar das grandes questões constitucionais, a se ocupar com causas corriqueiras do dia a dia de alguns privilegiados, congestionando o STF e contribuindo para a morosidade”, disse Lamachia. O julgamento de hoje marca uma evolução do direito nacional na busca pela eliminação dos privilégios que aumentam o fosso entre algumas autoridades públicas e a população em geral”, acrescentou ele. O presidente da OAB destacou, porém, que “muito ainda há de ser feito”, como o combate a outros privilégios. Outras regalias precisam ser extintas. É o caso da concessão indiscriminada de veículos oficiais, das viagens com fins privados em aviões públicos e dos penduricalhos salariais que, muitas vezes, ultrapassam o teto do funcionalismo público”, declarou Lamachia. A OAB tem defendido mudanças drásticas na forma como o foro por prerrogativa de função tem sido usado. Ele deveria existir para proteger as instituições da República e não os ocupantes temporários das funções públicas. A decisão de hoje do STF é muito importante. Ainda é preciso, no entanto, perseguir a eliminação dos outros privilégios que continuam em desacordo com os valores republicanos”, afirmou o presidente da Ordem”.
O tema é palpitante e merece algumas considerações.
Sabido que a competência para processar e julgar um cidadão que cometeu um determinado crime está prevista no CÓDIGO DE PROCESSO PENAL da seguinte forma:
“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração:
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função”.
Grifei.
E mais:
"Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”.
O privilégio de FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, em verdade, é uma violência ao princípio constitucional da igualdade de TODOS perante a lei.
No entanto esta benesse legal resiste o passar dos anos.
Sabe-se que tramitou no Senado Federal P.E.C.-PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL nº 10/2013, atual P.E.C. nº 333/2107, de autoria do Senador ALVARO DIAS, do Estado do Paraná do seguinte teor:
"As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
"Altera os arts. 5º, 37, 96, 102, 105, 108 e 125 da Constituição Federal para extinguir o foro especial por prerrogativa de função no caso dos crimes comuns, e revoga o inciso X do art. 29 e o § 1º do art. 53 da Constituição Federal.
Art. 1º Os arts. 5º, 37, 96, 102, 105, 108 e 125 da Constituição Federal passam avigorar com a seguinte redação:
“Art.5º ……………………………………
LIII-A – é vedada a instituição de foro especial por prerrogativa de função;
“Art.37. …………………………………….
§ 6º-A. A propositura de ação penal contra agentes públicos por crime comum prevenirá a jurisdição do juízo competente para todas as ações posteriormente intentadas que tenham idêntica causa de pedir e objeto.
“Art.96. ………………………………………………….
III – aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes de responsabilidade.
“Art.102. …………………………………
I- ……………………………………………………………….
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal;
c) nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no inciso I do art. 52, os membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;
d) o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
“Art.105.
I – ……………………………………………………………….
a) nos crimes de responsabilidade, os membros dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, bem como os membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
c) os habeas corpus nos casos em que o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
“Art.108. …..
I – ……………………………………………………
a) nos crimes de responsabilidade, os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, e os membros do Ministério Público da União;
“Art.125. …………………………………………
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, vedado o estabelecimento de foro especial por prerrogativa de função para crimes comuns, e a lei de organização judiciária será de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Art. 2º Revogam-se o inciso X do art. 29 e o § 1º do art. 53 da Constituição Federal.
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação”.
Sua Excelência ao subscrever tal PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL asseverou que:
“Vivemos num Estado Democrático de Direito, à luz do princípio republicano, em que todos são iguais perante a lei, ou pelo menos assim deveriam ser considerados. Certo é que a lei pode, e deve, tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Esse é, essencialmente, o princípio da isonomia. Todavia, não há lugar para privilégios odiosos, como, por exemplo, as regras que estabelecem foro privilegiado no caso de crime comum cometido por autoridade. Os que defendem esse privilégio alegam que se trata de foro especial por prerrogativa de função, cuja justificativa seria proteger não a pessoa, mas o próprio cargo que ocupa. Não podemos, todavia, concordar com esse argumento. Quando uma autoridade pratica um ato oficial que fere direito líquido e certo de outrem, não temos dúvida quanto à correção do estabelecimento de um foro especial para julgamento de mandado de segurança eventualmente impetrado. É que nesse caso, o objeto da controvérsia é justamente um ato oficial, que emana unicamente do feixe de poderes afetados à autoridade administrativa, eventualmente impetrada. Essas características, que justificam o estabelecimento de um foro especial para as ações mandamentais contra os atos oficiais das altas autoridades, não se fazem presentes no caso de um crime comum por ela praticado. Ou seja, diferentemente da edição de um ato administrativo, que decorre do poder legalmente constituído, um crime consubstancia-se em conduta típica e antijurídica que nada tem a ver com os poderes ou faculdades conferidos pela lei ao administrador. O foro especial, que se justifica no caso de um mandado de segurança Este projeto de EMENDA À Constituição foi aprovado pelo plenário do Senado Federal e encaminhado para a Câmara dos Deputados em…estando contra um ato nomeação de servidor, suspensão de direito, cassação de alvará, entre outros exemplos, torna-se privilégio odioso no caso de um crime comum, como peculato, corrupção passiva, homicídio, ameaça, etc. A Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, representou um grande avanço no sentido de garantir a honradez e correção sempre exigidos aos mandatários do País. Não obstante, muita coisa ainda pode ser feita. Nesse sentido, apresentamos esta Proposta de Emenda à Constituição, que extingue o foro privilegiado nos casos de crimes comuns cometidos por qualquer autoridade. Por estarmos persuadidos de que esta proposição reafirma e fortalece o princípio republicado, pedimos aos nobres Pares que votem pela sua aprovação”.
Este projeto de Emenda à Constituição aprovado pelo plenário do Senado Federal, encontra-se na Câmara dos Deputados aguardando a constituição de Comissão Temporária, segundo consta do seu site.
No entanto esta PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL está suspensa sua tramitação até o término da intervenção federal no Rio de Janeiro, ex vi do artigo 60 da Constituição Federal que dispõe:
“A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.
A P.E.C. nº 333/2017, em verdade, foi um extraordinário avanço.
No entanto entendo que foi pouco.
Por derradeiro ouso propor a seguinte PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL, onde couber, pois não tenho vivência de técnica legislativa, para exame dos mais doutos, do seguinte teor:
“EMENDA CONSTITUCIONAL Nº………………………………
Dispõe sobre a extinção do foro especial por prerrogativa de função.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Artigo 1º. É extinto o foro especial por prerrogativa de função nos poderes da República, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Artigo 2º. Em todos os casos observe-se o disposto nos artigos 69 e 70 do Código de Processo Penal; excluindo-se o contido no inciso VII, do citado artigo 69.
Artigo 3º. Revogam-se as disposições em contrário.
Artigo 4º. Esta Emenda Constitucional entrará em vigor na data de sua publicação”.
Com a palavra os nossos parlamentares federais.
Por derradeiro, como nos legou o imortal RUI BARBOSA:
”DENTRO DA LEI, SEMPRE DENTRO DA LEI, PORQUE FORA DA LEI, NÃO HÁ SALVAÇÃO”.