Artigo "O Feminicídio deve ser reconhecido como crime autônomo?" (*) Carlos Alberto Garcete

Data:

Confira, na íntegra, Artigo do Juiz do 1º Tribunal do Júri de Campo Grande (MS) e Pós-doutorando em Ciências Criminais pela Universidade de Lisboa, Carlos Alberto Garcete:

 

 

O FEMINICÍDIO DEVE SER RECONHECIDO COMO CRIME AUTÔNOMO?


Área do Direito:
Penal; Processual

Resumo: A discriminação de gênero está culturalmente arraigada nas civilizações. No âmbito criminal, é imprescindível que a legislação evolua para reconhecer o feminicídio como crime autônomo, e não mais como uma qualificadora do crime de homicídio doloso, visto que o propósito da lei, neste caso, é proteger a mulher que possa ser vítima de um assassinato por sua condição de gênero feminino.

Palavras-chave: Feminicídio – Crime autônomo – Avanço da legislação criminal

Abstract: Gender discrimination is culturally ingrained in civilizations. In the criminal sphere, it is essential that the legislation evolves to recognize femicide as a specific criminal offense, and no longer as a cause of increased punishment in murder, since the purpose of the law, in this case, is to protect the woman who may be victim of a murder because of her female gender condition.
Keywords: Feminicide – Specific criminal offense – Advancement of criminal law

Sumário: 1.Aspectos históricos

 

1.Aspectos históricos

O debate acerca da desigualdade, da discriminação, não é novo. Tobias Barreto, em obra de 1883, redarguia e ironizava a injustificável disparidade da mulher nos tempos daquela sociedade:

“A mulher que na opinião de todos os cavalheiros de um baile, ou de todos os convivas de um banquete, inclusive legisladores e juristas, pois esta inclusão não vai de encontro ao princípio das incompatibilidades, a mulher, que na opinião de todos estes, quando os sons de uma linda valsa convidam a dançar, ou o sabor dos licôres desafia a musa do brinde, é a princeza dos salões e a estrella que mais brilha nas grandes solemnidades, volta a ser no dia seguinte, na opinião dos mesmos peritos, uma criança permanente, que não pode ter completa autonomia, que não deve ser abandonada a si mesma! […] Que quer dizer isto? Como se explica e justifica esta falta de coherencia e sisudez?1

Ferrajoli, ao discorrer sobre os direitos e garantias como “a lei do mais débil”, em 1999, explicitava a realidade nua e crua deste discrímen presente na sociedade contemporânea2:

“Pero donde la discriminación de las mujeres llega al más alto grado es em la satisfacción de los derechos-expectativa o <derechos a>, como el derecho al trabajo, los derechos políticos de sufrágio passivo, los de acceso y carrera en la función pública y, más en general, todos los de distribución de recursos. Es sobre todo aqui donde se revela el alcance discriminatório de la igualdad como homologación; la cual, precisamente porque pensada como <hecho> modelado sobre la normalidad masculina […].”

Sem dúvida que a discriminação do gênero feminino, culturalmente arraigada nas civilizações, não deixaria de atingir, também, práticas criminosas por todo o planeta e o faz até hoje de forma bastante evidente, como restaram marcados para o mundo, a partir de 1993, os assassinatos cruéis de mulheres, seguidos de exposição de seus corpos, pelas ruas da cidade de Juárez, no Estado de Chihuahua, no México, nos limítrofes do território americano.

No espectro criminal, o feminicídio é, principiologicamente, comportamento deflagrado a partir de sentimento nefasto de misoginia, do grego (miseo [ódio] + gyne [mulheres]), ou seja, aversão patológica ao gênero feminino, a refletir elementos culturais machistas e sexistas, a partir da figura principal, que há muito perdurou, do homem (pater-patriarca). O sexismo, aliás, considerado como conjunto de condutas discriminatórias que visam à objetificação sexual da mulher como gênero inferior.

Conforme alinhamos em obra de nossa autoria sobre a referida temática:

“O mais grave nos estudos realizados está em observar que o feminicídio é etapa terminal de fases anteriores em que a mulher foi vítima de violências de gênero (psicológica, patrimonial, física e sexual, e o sistema de proteção estatal afigurou-se inócuo).”3

No século XX, muitos estudos substanciais sobre políticas das mulheres, violência, sororidade etc. passaram a ser desenvolvidos nesta seara, a exemplo de pesquisadoras internacionais, como Simone Beauvoir4, Betty Friedan5, Diana Russel e Marcela Lagarde, entre outras.

O termo “femicídio” (femicide) foi utilizado, originalmente, por Diana Russel67, em 1976, no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, para delimitar o homicídio praticado contra mulher motivado pela condição de gênero.

Em evolução, no ano de 1998, a pesquisadora Marcela Lagarde89, depois dos elevados números de assassinatos brutais contra mulheres na cidade de Juárez, Estado de Chihuahua, no México, fronteira com os Estados Unidos, propôs a vários organismos internacionais de proteção à mulher a designação “feminicídio”, a fim de emprestar mais significação ao seu sentido axiológico contemporâneo, haja vista que, para as línguas latinas, o termo “femicídio” remeteria ao oposto de “androcídio” (morte de homem).

Sem embargo, em países latinos, há aqueles que utilizam o termo “femicídio”, como Costa Rica, Chile, Guatemala, bem como aqueles que empregam o termo “feminicídio”, como México e El Salvador.

Na América Latina, há 15 países que criminalizaram o feminicídio – o primeiro a fazê-lo foi a Costa Rica, em 200710.

No âmbito criminal brasileiro, a legislação sofreu evolução por decorrência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher. Os trabalhos ensejaram o Projeto de Lei 292/2013, iniciado no Senado Federal, sob relatoria da Senadora Gleise Hoffmann, e com proposta de emenda da Senadora Vanessa Grazziolin, aprovado no Plenário em 17.12.2014.

Este projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde tomou o nº 8.305/2014, sob relatoria da Deputada Maria do Rosário, com aprovação em plenário, em 04.03.2015.

O Projeto foi sancionado pela (então) Presidente da República Dilma Roussef, em 09.03.2015, transformando-se na Lei 13.104/2015 (LGL\2015\1496), que deu à luz à conduta criminosa do feminicídio.

O caminho para coibir e prevenir a violência de gênero, para além da esfera criminal, tem sido o enrobustecimento das redes de enfrentamento, de tal arte a dotar a mulher de condições materiais e concretas para seu “empoderamento”.

O direito internacional tem sido fundamental neste aperfeiçoamento para oferecer diretrizes ao direito interno. O Decreto Presidencial brasileiro 4.377, de 13 de setembro de 2002, corroborou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Forças de Discriminação contra a Mulher, de 1979, a arredar todas as reservas contidas no Decreto Legislativo 93, de 14 de novembro de 1983, exceto a arbitragem internacional.

O artigo 1º da Convenção prescreve:

“[…] a expressão discriminação contra a mulher significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”

Em adição, o artigo 5º, a, reafirma que os Estados Partes devem adotar medidas apropriadas para modificar padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, tendo em vista a eliminar preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer índole baseados na ideia de inferioridade ou de superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres.

Na seara do Poder Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em 2018, a Resolução 254, para implantar Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com o objetivo de firmar diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres e de garantir a adequada solução de conflitos sobre situações de violência física, psicológica, moral, patrimonial e institucional. Deve-se registrar também a Resolução 252/2018/CNJ (que estabeleceu princípios e diretrizes para acompanhamento de mães e gestantes privadas de liberdade), e a Resolução 255/2018/CNJ (que tratou da Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário). Por fim, a criação do Formulário Nacional de Risco, fruto de parceria entre Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público.

 

2.O que é uma qualificadora?

Sob o aspecto de melhor estruturação no Código Penal, no Capítulo que cuida dos “Crimes contra a vida”, deveria o feminicídio ter sido incorporado como “tipo penal independente (autônomo)”, e não como qualificadora do crime de homicídio doloso (artigo 121, § 2º, VI).

Por definição do Dicionário Eletrônico Houaiss, o verbete “circunstância” é explicitado como fato acessório ou outro pormenor que se prende a um acontecimento ou a uma situação; particularidade; condição de tempo, lugar ou modo que cerca ou acompanha um fato ou uma situação e que lhes é essencial à natureza. Etimologicamente, do latim circumstantia, no sentido de estar ao redor; circumstare, no sentido de conservar-se ou estar ao redor.

Para Damásio, o crime é qualificado quando o legislador, depois de descrever a figura típica fundamental, agrega “circunstâncias” que aumentam a pena. Di-lo:

“Circunstância deriva de circum stare, ‘estar em redor’. Tratando-se de crime, circunstância é todo fato ou dado que se encontra em redor do delito. É um dado eventual, que pode existir ou não, sem que o crime seja excluído.”11

Por isso, em Direito Penal, circunstâncias são fatores que, sob o caso concreto, se agregam à conduta principal para produzir-lhe algum efeito.

Para Enrico Ferri12, na estrutura dogmática do crime, além de seus elementos constitutivos, encontram-se, também, circunstâncias específicas a uma ou outra categoria de delitos. Desse modo, para o representante da Escola Penal Positiva, as circunstâncias do crime têm por consequência aumentar (agravantes) ou diminuir (atenuantes ou escusantes) a sanção-base, estabelecida para a figura típica ou média do crime.

São exemplos as circunstâncias agravantes e atenuantes gerais do Código Penal brasileiro, comumente denominadas de “circunstâncias legais genéricas” (arts. 61 e 65).

Assim, se o agente mata alguém, a pena pode ser agravada se for reincidente ou se comete o crime por motivo fútil ou torpe etc. Também a pena pode ser atenuada se o agente era, na data do fato, menor de 21 anos de idade.

Outrossim, na Parte Especial do Código Penal, há as chamadas majorantes e minorantes, designadas de “circunstâncias legais especiais” porque estão relacionadas a determinado tipo penal. Exemplo: o art. 121 (homicídio) traz circunstâncias que impõe ao juiz reduzir a pena (homicídio privilegiado – § 1º) ou exasperar a pena (homicídio qualificado – § 2º).

Por fim, há causas de aumento ou de diminuição de pena, como o art. 157 (roubo), § 2º, II, ao dispor que a pena será aumentada, de 1/3 até a metade, se há concurso de duas ou mais pessoas.

 

3.O Feminicídio como qualificadora do crime de homicídio doloso

A Lei 13.104/2015 (LGL\2015\1496) incluiu, assim, o feminicídio ao rol de qualificadoras do homicídio, da seguinte forma:

“Art. 121. […]

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: 

[…]

§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

[…]

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência13.

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima14.

Em obra de nossa autoria, consignamos: “O termo feminicídio designa o homicídio perpetrado contra a mulher, por razões da condição de sexo (gênero) feminino15”.

A inclusão da qualificadora de feminicídio no Código Penal de 1940, por força da Lei 13.104, de 9 de março de 2015 (LGL\2015\1496), representa a modificação legislativa mais significativa ao crime de homicídio desde a edição deste estatuto repressivo penal.

O § 2º-A do artigo 121 do Código Penal brasileiro considera que há razões de condição de “sexo” feminino para definir o crime de feminicídio, quando o melhor seria haver utilizado o termo “gênero”, para abranger não apenas o conceito biológico, mas culturalista do vocábulo, o que, de qualquer sorte, não prejudicou a interpretação jurisprudencial da mens legis.

O delito de feminicídio contempla tanto (a) aquele praticado em situação de violência doméstica, ou íntimo, quanto (b) aquele cuja motivação está relacionada com menosprezo ou discriminação à mulher.

Por isso, o § 2º-A do artigo 121 prevê que há razões de condição do sexo (gênero) feminino quando o crime envolve (I) violência doméstica e familiar e (II) menosprezo ou discriminação à condição de mulher. As duas condutas podem ser designadas, respectivamente, de feminicídio íntimo e não íntimo.

Portanto, se, antes, as qualificadoras do homicídio doloso eram classificadas por motivo (paga, promessa de recompensa, outro motivo torpe, fútil), meio (veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum), modo (traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) e finalidade (assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime), incluiu-se, com a Lei 13.104/2015 (LGL\2015\1496), a qualificadora por condição de gênero (feminicídio).

O fato de o feminicídio estar incluído no grupo das qualificadoras de homicídio doloso como condição de gênero levou a jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, a adotar entendimento de que a conduta tem natureza objetiva, visto que incide em crimes praticados contra a mulher por razão de seu gênero feminino e/ou sempre que estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita16.

Posteriormente, a Lei 13.771/2018 (LGL\2018\11955) atualizou as causas de aumento do feminicídio – que previam a majorante quando o feminicídio fosse praticado contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos e com deficiência – para incluir vítimas portadoras de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental:

“Art. 121. […]

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; […].”

A mesma Lei modernizou a causa de aumento do § 7º, III – que já a previa quando o feminicídio fosse praticado na presença de descendente ou ascendente da vítima – para constar o ambiente virtual: “III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima”.

Por fim, a Lei em comento incluiu às causas de aumento do feminicídio as hipóteses de descumprimento das medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha: “IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I II e III do caput do artigo 22 da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (LGL\2006\2313)”.

Vale lembrar que o feminicídio está incluído no rol dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990 (LGL\1990\38), artigo , I).

 

4.Matar a mulher por sua condição de gênero é mesmo qualificadora?

Como se verifica do tópico denominado “O que é uma qualificadora?”, o feminicídio não se põe, para o homicídio, como mera circunstância do “matar alguém”, porquanto não se cuida de conduta endereçada a matar outrem, preceito primário da norma incriminadora penal contida no art. 121 do Código Penal, a que, circunstancialmente, se agrega outro fator, que seria eliminar a vida da vítima por condição de gênero.

Não se trata de matar alguém (atividade finalista) e perquirir se, nessa jornada criminosa, o agente agiu, ad exemplum, por motivação fútil, torpe, ou se, no modo de execução, utilizou-se de recurso que dificultou a defesa da vítima.

Deve-se abrir um parêntese para destacar que, na Teoria Finalista de Welzel, difundida a partir de 1930, a conduta criminosa é valorizada enquanto ação, daí por que o dolo está inserto na estrutura do fato típico. Veja que este ponto de partida é diverso da vetusta Teoria Causalista de Franz von Liszt e Belling, surgida a partir de 1901, que considerava a conduta, mas excluído o elemento valorativo; assim, num processo eminentemente causal, a vontade estava situada na culpabilidade.

Nesta ordem de raciocínio, o Código Penal brasileiro, com a reforma de 1984, adotou expressamente a Teoria Finalista, conforme se apercebe da leitura do Item 13 da Exposição de Motivos, de sorte que a estrutura do crime passou a ser edificada pelo (i) fato típico, (ii) antijurídico e (iii) culpável.

Dessarte, a estrutura finalista de Welzel corrobora o razionamento de que, hodiernamente, a conduta de feminicídio deve integrar a tipicidade fundante, ou seja, a elementar do crime, porque se deve valorar, nesta ação, a conduta nuclear, e não o resultado.

Não se deve perder de mira, outrossim, que, na atualidade, se preconiza a dogmática do pós-finalismo, para o que se somam (plus) novas teorias, como a Teoria Funcionalista, surgida a partir da década de 1970, a prestigiar o influxo da Política Criminal e a função social da norma penal.

Nesta linha de pensamento estão o Funcionalismo Moderado (ou Teleológico) de Roxin, com o escopo de levar o direito penal a preocupar-se com bens jurídicos relevantes, e o Funcionalismo Radical, da Escola de Bonn, e tendo como um dos maiores representantes Jacobs, a preconizar o direito penal máximo para algumas condutas contrárias à humanidade.

Veja que, no ordenamento brasileiro, “circunstâncias” influenciam sob a dosimetria de pena, porque são elementos acidentais, ao passo que o feminicídio é conduta “típica e determinada”, desde a fase de cogitação (cogitatio), a funcionar como “força propulsora” que move o agente a matar por violência de gênero.

A conduta característica desse comportamento (feminicídio) está na estrutura e no conceito jurídico de crime (teoria jurídica do crime), e não em fatores (circunstâncias) que hão de ser sopesados pelo juiz para elevar o patamar da pena.

Portanto, feminicídio deve estar situado, no direito positivado, como elementar de crime, e não como circunstância.

Jiménez de Asúa17 acentua que, para a Escola Positivista, a ação punível é ato natural e social, a partir de três fatores: antropológicos, físicos e sociais. Por corolário, delito é fenômeno individual, mas, também, social. Isso é exatamente o que ocorre com a conduta do feminicida, porquanto seu agir não é valorado, pela sociedade, como simples qualificadora, a colmatar, eventualmente, o crime de homicídio, mas conduta criminosa que tem substrato autônomo.

Vale lembrar que nosso Código Penal adota a estrutura de fixação de pena preconizada por Nélson Hungria18, a qual se opunha a de Roberto Lyra19. Para aquele, na primeira etapa, deve-se fixar a pena-base, sobre a qual, na segunda etapa, se aplica circunstâncias genéricas (agravantes e atenuantes) e, na terceira etapa, circunstâncias especiais (causas de aumento e de diminuição de pena). É o chamado sistema trifásico previsto no caput do art. 6820 do Código Penal.

Há, no feminicídio, conduta voltada a eliminar a vida de alguém por condição de gênero feminino. Esta ação não é comportamento que se agrega, que se completa, que se associa, ao crime de homicídio, mas conduta específica tida pela sociedade como delito autônomo. Sua apenação deve ser aplicada na primeira etapa da aplicação de pena, o que, como dito, só é possível quando a conduta está descrita como elementar do tipo.

É conduta finalista voltada, desde a fase de cogitação, para matar a mulher por condição de gênero feminino.

Neste compasso, cabe destacar que as legislações mais avançadas, na atualidade, prescrevem a figura de feminicídio como tipo penal autônomo, porque a objetividade jurídica da norma, nestes casos, é a proteção da vida da mulher em perspectiva de sua condição de gênero feminino, diversamente do crime de homicídio simples, cuja tutela jurídica está voltada para o direito à vida21. Damásio Evangelista de Jesus sempre advertia que objeto jurídico do crime é o bem ou interesse tutelado pela norma penal22.

Aliás, Mezger, ao esposar o influxo neokantiano, assinalou que, ao lado do bem jurídico, sempre haverá a lesão ao objeto protegido, isto é, ofensa às normas objetivas de valoração, compreendidas assim, como o injusto. Deste viés objetivo, há o ponto de partida para as normas subjetivas de valoração. Para Juarez Tavares23:

“A doutrina penal contemporânea entende que o injusto se compõe de normas proibitivas ou mandamentais e ainda de normas de valoração. A infração às normas proibitivas ou mandamentais caracteriza o desvalor do ato, enquanto a lesão às normas de valoração sedimenta o desvalor do resultado. Com essa consideração, pretende-se indicar que a configuração do injusto não se baseia apenas na produção de efeitos negativos (desvalor do resultado), mas também com a forma e o modo de realização da ação (desvalor do ato). […].”

Jescheck24 descreve o desvalor da ação na forma (no modo) relevante de violação do bem jurídico protegido (valoração negativa), enquanto o desvalor do resultado está na violação do bem jurídico protegido. Cabe sublinhar que, em todos os delitos, haverá relação lógica entre o desvalor do ato e o desvalor do resultado.

Sem embargo, Jesús-María Silva Sánches25 alerta que, em ambas as correntes, a valoração do resultado é sopesada.

Neste particular, a teoria da norma jurídico-penal divide-se em duas correntes, quais sejam normas de valoração (seu núcleo estaria centrado no juízo de valor desejado pelo Estado) e normas de determinação (também chamada de imperativa, que considera as normas penais como mandatos e proibições, pois representam normas de conduta).

Nesta perspectiva progressiva das normas de valoração, de objetiva a subjetiva, a caracterização do injusto, na conduta do feminicídio, deve estar centrada no desvalor do ato, e não no desvalor do resultado. Entende-se, nesse sentido, a alocação do feminicídio como qualificadora (circunstância elementar) retrata, nessa conduta, uma visão lupada do desvalor do resultado, quando deveria estar focada no desvalor do ato (conduta do agente).

Em acréscimo, Juarez Tavarez ressalta que, à luz da teoria crítica do delito, o sujeito deve servir, também, como parâmetro delimitativo da imputação. Aduz que, ao conjugar os elementos empíricos do fato e os elementos relativos ao agente, será possível determinar, com maior rigor, os limites da incriminação26.

Segue-se que a qualificadora de feminicídio deveria estar tipificada no Código Penal brasileiro como “crime autônomo” – e não qualificadora do homicídio doloso –, tal como ocorre com os demais crimes dolosos contra a vida (induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, infanticídio e aborto), o que robusteceria o escopo de significação da tutela estatal acerca dos crimes de gênero.

Note-se que referidos crimes, conquanto sejam, na essência, delitos de homicídio (porque visam eliminar a vida humana) são tratados, no Código Penal, como tipos autônomos, dada a relevância de existência da tutela penal específica. Aliás, o feminicídio foi incluído, em diversos Códigos Penais, como crime autônomo, a citar: Costa Rica27, Peru28, México29, Guatemala30, El Salvador31, Espanha32 e Chile33, entre outros. A Argentina o coloca como qualificadora, punida com prisão perpétua, quando o crime é praticado contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa com que se mantenha ou tenha mantido relação de convivência e à mulher quando o fato tenha sido praticado por um homem mediante violência de gênero (artigo 80, 1º e 11).

De qualquer sorte, tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.196/2020, de autoria do Deputado Federal Fábio Trad, cuja proposição foi por nós lhe apresentada34, a buscar modificação da legislação em referência, a fim de que o feminicídio evolua, de qualificadora do homicídio doloso, para crime autônomo.

Sob outra perspectiva, na atualidade, emerge a necessidade imperiosa de reestruturação e de fortalecimento das redes de enfrentamento, com respostas multissetoriais rápidas, e, no Poder Judiciário, a capacitação de magistrados, de maneira que possam julgar com a “perspectiva de gênero”.

Da Organização da Declaração das Nações Unidas sobre Eliminação da Violência contra as Mulheres surgem recomendações sobre o avanço de estruturas normativas, por meio de processos intergovernamentais e de reformas legais alinhavadas com padrões internacionais. Parcerias da ONU Mulheres, organizações da sociedade civil e demais instituições têm sido fundamental neste processo evolutivo com vistas à mudança de comportamento cultural de homens e o atingimento da igualdade de gênero35.

 

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1 BARRETO, Tobias. Menores e loucos em direito criminal. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003; In: História do Direito brasileiro. 2. ed. Recife: Typographia Central, 1886. Como Introdução. v. VII. p. 12. Disponível em: [www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496216]. Acesso em: 16.08.2020. 2 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. La ley del más débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 1995. p. 88. Tradução livre: “Mas onde a discriminação das mulheres atinge o nível mais elevado é na satisfação da expectativa de direitos ou <direitos a>, como o direito ao trabalho, os direitos políticos de sufrágio passivo, os de acesso e carreira em função pública e, de forma mais geral, em toda distribuição de recursos. É, sobretudo aqui, que se revela o âmbito discriminatório da igualdade como homologação, porque, pensado, precisamente, como <fato> modelado na normalidade masculina […]”. 3 GARCETE, Carlos Alberto. Homicídio: aspectos penais, processuais penais, tribunal do júri e feminicídio. São Paulo: Ed. RT, 2020. p. 113. 4 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução de Le deuxième sexe. Por Sérgio Milliet. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. 5 FRIEDAN, Betty. A mística feminina. Tradução de The feminine mystique. Por Carla Bitelli e Flávia Yacubian. Rosa dos Tempos: Rio de Janeiro, 2020. 6 RADFORD, Jill; RUSSEL, Diana e. H. Feminicídio: la politica de matar mujeres. Nueva York: Twayne, 1992. p. 15. 7 ALBARRAN, Jenny. Referentes conceptuales sobre femicidio/feminicidio: Su incorporación en la normativa jurídica Venezolana. Comunidad y Salud [online], v. 13, n. 2, p. 75-80, 2015. “Es el asesinato de mujeres realizado por hombres motivado por el odio, el desprecio, el placer o por un sentido de propiedad sobre las mujeres”. 8 LAGARDE, Marcela y de los Ríos. Del femicidio al feminicidio. Desde el jardín de Freud, n. 6. Bogotá, p. 216-225, 2006. Disponível em: [www.researchgate.net/publication/28259597_Del_femicidio_al_feminicidio/link/57c03cef08ae2f5eb330db4b/download]. Acesso em: 25.08.2020. 9 LAGARDE, Marcela y de los Ríos. Op. cit.: “El feminicidio es una categoría; parte de la teoría sobre el feminicidio, de acuerdo con sus creadoras Diana Russell y Jill Radford, dos extraordinarias feministas estadounidenses que desde hace casi 20 años han venido trabajando el tema, y han propuesto esta mirada específica que tiene una particularidad: ubican los homicidios contra niñas y mujeres como parte de la violencia de género. Ése es su aporte, ésa es la pequeña y gran diferencia paradigmática, epistemológica, podríamos decir. […]”. Disponível em: [www.researchgate.net/publication/28259597_Del_femicidio_al_feminicidio/link/57c03cef08ae2f5eb330db4b/download]. Acesso em: 25.08.2020. 10 Ley de Penalización de la Violencia Contra las Mujeres 8.589/2007. Artículo 21. 11 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1. p. 181 e 478. 12 FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal. O criminoso e o crime. Tradução Luiz de Lemos D’Oliveira. 3. ed. Russell: Campinas, 2009. p. 348. 13 Redação original. 14 Idem. 15 GARCETE, Carlos Alberto. Op. cit., p. 116. 16 Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.741.418/SP, Rel. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJ 15.06.2018. 17 FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal. O criminoso e o crime. Trad. Luiz de Lemos D’Oliveira. 3. ed. Russell: Campinas, 2009. p. 66. 18 Apud JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal. Op. cit., p. 512: “O CP, no art. 68, caput, adotou o sistema de Nélson Hungria […]. Realizada a preferência em relação às sanções alternativamente impostas in abstracto (art. 59, I), o juiz passa à fixação da pena preferida (art. 59, II e IV), nos termos das três fases que apresentamos. De ver-se, entretanto, que o novo sistema apresenta uma quarta fase: a de eventual substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos ou multa (CP, art. 59, IV)”. 19 Roberto Lyra considerava que haveria duas etapas: na primeira, o juiz deveria fixar a pena-base, a partir da análise conjunta das circunstâncias judiciais e circunstâncias legais genéricas (agravantes e atenuantes); na segunda etapa, levar-se-iam em consideração as causas de aumento e de diminuição de pena. 20 “Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. […].” 21 GARCETE, Carlos Alberto. Homicídio: aspectos penais, processuais penais, tribunal do júri e feminicídio. São Paulo: Ed. RT, 2020. p. 54. 22 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1. p. 159. 23 TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 199. 24 JESCHECK, Hans-Heinrich. Lehrbuch des Strafrechts. Fünfte Auflage. Berlin: Duncker & Humblot, 2000. p. 240. No original: “In der Verletzung oder Gefährdung des geschützten Handlungsobjekts liegt der Erfolgsunwert der Tat, in der Art und Weise ihrer Begehung der Handlungsunwert”. 25 SÁNCHES, Jesús-María Silva. Aproximação ao direito penal contemporâneo. Trad. Roberto Barbosa Alves. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 512: “Em primeiro lugar, deve-se destacar a existência de um acordo doutrinário generalizado no sentido de que a norma jurídico-penal expressa uma valoração, isto é, que constitui, em tal medida, uma ‘norma de valoração’. Esta tendência é acolhida também pelos partidários da concepção imperativa, por entenderem – razoavelmente – que se algo proíbe ou ordena, isso se deve à prévia produção de uma valoração positiva do fato ordenado, ou negativa do fato proibido”. 26 TAVAREZ, Juarez. Op. cit., p. 200. 27 Primeiro país a criminar o feminicídio em 2007. Ley de Penalización de la Violencia Contra las Mujeres 8.589/2007: “Artículo 21. Femicidio. Se le impondrá pena de prisión de veintre a treinta y cinco años a quien dé muerte a una mujer con la que mantenga una relación de matrimonio, en unión de hecho declarada o no”. 28 “Artículo 108ª-B Feminicidio. Será reprimido con pena privativa de libertad no menor de quince años el que mata a una mujer por su condición de tal, en cualquiera de los siguientes contextos: Violencia familiar; Coacción, hostigamiento o acoso sexual; Abuso de poder, confianza o de cualquier outra posición o relación que le confiera autoridad al agente; Cualquier forma de discriminación contra la mujer, independentemente de que exista o haya existido una relación conyugal o de convivência con el agente.” 29 “Art. 325. Comete el delito de feminicidio quien prive de la vida a una mujer por razones de género. Se considera que existen razones de género cuando concurra alguna de las siguientes circunstancias: I. La víctima presente signos de violencia sexual de cualquier tipo; II. A la víctima se le hayan infligido lesiones o mutilaciones infamantes o degradantes, previas o posteriores a la privación de la vida o actos de necrofilia; III. Existan antecedentes o datos de cualquier tipo de violencia en el ámbito familiar, laboral o escolar, del sujeto activo en contra de la víctima; IV. Haya existido entre el activo y la víctima una relación sentimental, afectiva o de confianza; V. Existan datos que establezcan que hubo amenazas relacionadas con el hecho delictuoso, acoso o lesiones del sujeto activo en contra de la víctima; VI. La víctima haya sido incomunicada, cualquiera que sea el tiempo previo a la privación de la vida; VII. El cuerpo de la víctima sea expuesto o exhibido en un lugar público. A quien cometa el delito de feminicidio se le impondrán de cuarenta a sesenta años de prisión y de quinientos a mil días multa. Además de las sanciones descritas en el presente artículo, el sujeto activo perderá todos los derechos con relación a la víctima, incluidos los de carácter sucesorio. En caso de que no se acredite el feminicidio, se aplicarán las reglas del homicidio.” 30 Decreto 22/2008. Ley contra el Femicidio y otras formas de violencia contra la Mujer: “Art. 6º. Femicidio. Comete el delito de femicidio quien, en el marco de las relaciones desiguales de poder entre hombres y mujeres, diere muerte a una mujer, por su condición de mujer, valiéndose de cualquiera de las siguientes circunstancias: a. Haber pretendido infructuosamente establecer o restablecer una relación de pareja o de intimidad con la víctima. b. Mantener en la época en que se perpetre el hecho, o haber mantenido con la víctima relaciones familiares, conyugales, de convivencia, de intimidad o noviazgo, amistad, compañerismo o relación laboral. c. Como resultado de la reiterada manifestación de violencia en contra de la víctima. d. Como resultado de ritos grupales usando o no armas de cualquier tipo. e. En menosprecio del cuerpo de la víctima para satisfacción de instintos sexuales, o cometiendo actos de mutilación genital o cualquier otro tipo de mutilación. f. Por misoginia. g. Cuando el hecho se cometa en presencia de las hijas o hijos de la víctima. h. Concurriendo cualquiera de las circunstancias de calificación contempladas en el artículo 132 del Código Penal. La persona responsable de este delito será sancionada con pena de prisión de veinticinco a cincuenta años, y no podrá concedérsele la reducción de la pena por ningún motivo. Las personas procesadas por la comisión de este delito no podrán gozar de ninguna medida substitutiva”. 31 Ley Especial Integral para una Vida Libre de Violencia para las Mujeres: “Art. 9º. […] b) Violencia feminicida: Es la forma extrema de violencia de género contra las mujeres, producto de la violación de sus derechos humanos, en los ámbitos público y privado, conformada por el conjunto de conductas misóginas que conllevan a la impunidad social o del Estado, pudiendo culminar en feminicidio y en otras formas de muerte violenta de mujeres. […] Art. 45. Feminicidio Quien le causare la muerte a una mujer mediando motivos de odio 181 Ley Especial Integral para una Vida Libre de Violencia para las Mujeres o menosprecio por su condición de mujer, será sancionado con pena de prisión de veinte a treinta y cinco años. Se considera que existe odio o menosprecio a la condición de mujer cuando ocurra cualquiera de las siguientes circunstancias: a) Que a la muerte le haya precedido algún incidente de violencia cometido por el autor contra la mujer, independientemente que el hecho haya sido denunciado o no por la víctima. b) Que el autor se hubiere aprovechado de cualquier condición de riesgo o vulnerabilidad física o psíquica en que se encontraba la mujer víctima. c) Que el autor se hubiere aprovechado de la superioridad que le generaban las relaciones desiguales de poder basadas en el género. d) Que previo a la muerte de la mujer el autor hubiere cometido contra ella cualquier conducta calificada como delito contra la libertad sexual. e) Muerte precedida por causa de mutilación. Art. 46. Feminicidio Agravado El delito de feminicidio será sancionado con pena de treinta a cincuenta años de prisión, en los siguientes casos: a) Si fuere realizado por funcionario o empleado público o municipal, autoridad pública o agente de autoridad. b) Si fuere realizado por dos o más personas. c) Si fuere cometido frente a cualquier familiar de la víctima. d) Cuando la víctima sea menor de dieciocho años de edad, adulta mayor o sufriere discapacidad física o mental. e) Si el autor se prevaleciere de la superioridad originada por relaciones de confianza, amistad, doméstica, educativa o de trabajo”. 32 Ley Orgánica 1, de 28.12.2004 (Medidas de Protección Integral contra la Violencia de género). 33 Código Penal. Redação da Lei 21.212, de 04.03.2020: “Del femicidio. Art. 390 bis. – El hombre que matare a una mujer que es o ha sido su cónyuge o conviviente, o con quien tiene o ha tenido un hijo en común, será sancionado con la pena de presidio mayor en su grado máximo a presidio perpetuo calificado. La misma pena se impondrá al hombre que matare a una mujer en razón de tener o haber tenido con ella una relación de pareja de carácter sentimental o sexual sin convivencia. Artículo 390 ter.– El hombre que matare a una mujer en razón de su género será sancionado con la pena de presidio mayor en su grado máximo a presidio perpetuo. Se considerará que existe razón de género cuando la muerte se produzca en alguna de las siguientes circunstancias: 1. – Ser consecuencia de la negativa a establecer con el autor una relación de carácter sentimental o sexual. 2.– Ser consecuencia de que la víctima ejerza o haya ejercido la prostitución, u otra ocupación u oficio de carácter sexual. 3.– Haberse cometido el delito tras haber ejercido contra la víctima cualquier forma de violencia sexual, sin perjuicio de lo dispuesto en el artículo 372 bis. 4.– Haberse realizado con motivo de la orientación sexual, identidad de género o expresión de género de la víctima. 5.– Haberse cometido en cualquier tipo de situación en la que se den circunstancias de manifiesta subordinación por las relaciones desiguales de poder entre el agresor y la víctima, o motivada por una evidente intención de discriminación. Artículo 390 quáter. – Son circunstancias agravantes de responsabilidad penal para el delito de femicidio, las siguientes: 1. Encontrarse la víctima embarazada. 2. Ser la víctima una niña o una adolescente menor de dieciocho años de edad, una mujer adulta mayor o una mujer en situación de discapacidad en los términos de la ley n. 20.422. 3. Ejecutarlo en presencia de ascendientes o descendientes de la víctima. 4. Ejecutarlo en el contexto de violencia física o psicológica habitual del hechor contra la víctima. Artículo 390 quinquies. – Tratándose del delito de femicidio, el juez no podrá aplicar la circunstancia atenuante de responsabilidad penal prevista en el n. 5 del artículo 11”. 34 “Inicialmente, presto minha homenagem e agradeço ao amigo e ilustre professor e Juiz sul-mato-grossense Carlos Alberto Garcete, que nos brindou com o envio da presente proposta e que mais uma vez contribuiu para a discussão e aperfeiçoamento das normas penais, principalmente no que tange ao crime de feminicídio” (Parte da Justificativa do Projeto de Lei 4.196/2020, apresentada pelo Deputado Fábio Trad à Câmara dos Deputados). 35 UNWOMAN. Ending violence against women. Disponível em: [www.unwomen.org/en/what-we-do/ending-violence-against-women]. Acesso em: 20.07.2020.

 

(*) Carlos Alberto Garcete é Pós-doutorando em Ciências Criminais pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito (área de concentração em Direito Processual Penal) pela PUC-SP. Mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado (PUC-Rio). Juiz do 1º Tribunal do Júri de Campo Grande (MS). Professor de Direito Processual Penal. [email protected]

 

Artigo publicado originalmente na Revista dos Tribunais, vol. 1021/2020, p. 215-230, nov. 2020
DTR/2020/12901