A importância de Theotonio Negrão para o Brasil e o Direito

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Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, Joel de Andrade Júnior* Morreu Theotonio Negrão. Foi com essa notícia que iniciamos o dia 20 de março de 2003. Certamente, um dia de grande tristeza. A perda será dolorosamente sentida a cada dia que passar. Porém, ficará o exemplo daquele homem cuja vida foi dedicada à causa do Direito. Quem teve a oportunidade de conviver com ele levará vantagem; quem não a teve, nem por isso deixará de aprender as suas memoráveis lições, pois Theotonio, aqui e ali, as eternizou ao deixá-las vivas entre nós. Exemplo de conduta e mestre para as gerações passadas e futuras, certamente. Theotonio nasceu no município paulista de Pirajú, em 1917. Tornou-se patrimônio nacional pelo exercício da profissão e literatura de grande valia aos operadores do Direito. Como advogado, teve uma trajetória de enorme sucesso. Presidiu a prestigiosa Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), que fundou. Além disto, integrou de forma honrosa o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), sendo o primeiro jurista a ser condecorado com a medalha Barão de Ramalho – a mais alta condecoração daquela diferenciada entidade cultural. Foi também membro do Tribunal Regional Eleitoral. A relação de Theotonio com o Direito está centrada no encaminhamento recebido por seu pai. Pode-se dizer que seja um caso de amor à primeira vista, de cuja paixão brotaram frutos da mais refinada espécie. Na advocacia, entre outras missões relevantes, teve causas herdadas do saudoso mestre-arcadas Noé Azevedo, com quem começou a trabalhar, quando estava no terceiro ano da faculdade de Direito, que cursava no Largo São Francisco. E a partir de então foram quase 60 anos de exercício profissional. Sempre com muita paixão. Atualmente, afirmava ter “esfriado um pouquinho”. Acreditava ser a idade, pois não tinha mais vontade de brigar. “Já não tenho garras e para ser advogado é preciso ter garras”, dizia. A festejada obra de Theotonio Negrão é presença certa na biblioteca de qualquer operador do Direito. Mesmo desfrutando de tamanho prestígio, ele insistia que qualquer um poderia ter escrito os seus livros. Modéstia, misturada a uma certa dose de timidez. Theotonio foi, por natureza e escolha, um homem discreto. Forneceu grande contribuição literária, principalmente na área do Direito Civil. Seu Código de Processo Civil já ultrapassou a marca de 30 edições, enquanto que seu Código Civil encontra-se além da 20ª edição. Isso sem falar no famoso Dicionário da Legislação Federal, que criou em 1960. Todos os operadores do direito, nos mais diversos pontos do território nacional, são seus leitores, consultam seus códigos, de inestimável utilidade, que, como se proclama indistintamente aqui e acolá, transformaram o seu autor em substantivo, na exata medida em que os consumidores, nas livrarias, ao adquiri-los, acostumaram-se a pedir “um Theotonio”. Quando um homem alcança este patamar de excelência torna-se parte integrante da História. A literatura de Theotonio, como por ele mesmo esclarecido, tinha o objetivo de ser útil a quem dela fizesse uso. John Wesley, fundador da Igreja Metodista, dizia que “a coisa mais importante que faz um homem é ser útil”. Amparado nisso, Theotonio sempre procurou ser útil escrevendo, a cada ano, seus Códigos. Escrevia os seus livros para ajudar as pessoas, repita-se. Tinha a vontade que seus Códigos fossem como um Guia, cuja consulta fosse feita a cada viagem. E assim se fez! Além de jurista de lucidez e correição irreparáveis Theotonio era um ser humano de muitas virtudes. Ético e idealista, foi inigualável naquilo a que corajosamente se propôs na seara jurídica e social, ou seja, ser útil. “Não obstante seu invejável perfil cultural”, nas abalizadas palavras do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, “o que mais se admirava em Theotônio Negrão era a sua biografia como ser humano. Despido de vaidades, culto e excepcionalmente simples, a todos encantava já ao primeiro contato, o que mais se acentuava à medida em que dele mais se aproximava. Era afável, educado, lhano de trato, de conversa agradável e espirituosa, elegante nos gestos e cordial no afeto”. Um jurista qualificado pela grandeza e um ser humano de dimensão ainda maior, não temos dúvidas. Outra coisa que o preocupava muito era o Direito em si. Queria um Direito justo, um Direito que desse a cada um o que é seu, pois Theotonio acreditava não ser o Direito uma ciência, mas uma arte de dar a cada um o que é seu. E é justamente aí que entra em cena não o jurista de incontestáveis virtudes, mas o idealista por uma sociedade mais justa e igualitária. Daí o seu significado não apenas para o universo jurídico, mas também para a sociedade brasileira em geral. É impossível haver, no país, algum aluno, estagiário, advogado, juiz, promotor, jurista – numa palavra, estudante do Direito – que não tenha se beneficiado dos ensinamentos de Theotonio Negrão. Ele fez das notas de rodapé, naturalmente destinadas a serem acessórios, o item principal de uma leitura. “Homem e jurista cuja trajetória constitui exemplo e inspira respeito”, disse bem o ministro Nilson Naves. Fica, portanto, essa singela homenagem ao ilustre brasileiro que durante muito tempo engrandeceu as letras jurídicas e o espírito social do País. O Brasil acordou triste na manhã de 20 de março de 2003. Sim. O Brasil está mais pobre com a perda daquele que era príncipe, mas já tinha a majestade como se têm dito por aí, em conversas ordinárias entre os operadores do Direito ou mesmo em notas de rodapé agregadas, definitivamente, em nossos diplomas e currículos. Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa é advogado, mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP e ex-coordenador da Comissão dos Novos Advogados do IASP. Joel de Andrade Júnior é bacharelando em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas e estagiário.