A nova maioridade civil e a legislação penal brasileira
Luiza Nagib Eluf* O novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, alterou a idade de referência para a maioridade, determinando que “a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (art. 5º, da Lei n. 10.406/2002). Essa inovação, talvez uma das mais significativas da nova Lei, trouxe uma série de conseqüências no campo do direito, inclusive na esfera penal. O Código Civil de 1916, anteriormente em vigor, estabelecia que a menoridade cessava aos 21 anos, portanto, três anos após a idade atualmente fixada. Entendia-se que o sujeito levava mais tempo para amadurecer e ter plena capacidade de responder civilmente por todos os atos que praticasse. Por sua vez, o Código Penal de 1940, com as modificações na parte geral trazidas em 1984, ainda em vigor, estabelece que a responsabilidade penal inicia-se aos 18 anos. O mesmo marco foi consagrado na Constituição Federal de 1988. Desta forma, até a vigência do novo Código Civil, havia uma diferenciação entre a maioridade para os atos da vida civil e a imputabilidade penal. No entanto, inspirada no parâmetro de 21 anos adotado pela Lei Civil, a legislação penal houve por bem estabelecer certos benefícios aos menores de 21 anos, determinando que: se o autor de um delito fosse menor de 21 anos à época do fato, sua pena deveria ser atenuada, isto é, diminuída (art. 65, inciso I, do Código Penal); no mesmo caso supra, o prazo prescricional seria reduzido de metade (art. 115 do Código Penal); ainda no caso de réu menor, no momento do interrogatório, o ato deveria ser praticado na presença de curador (art. 194 do Código de Processo Penal). Eliminadas as discrepâncias entre lei civil e lei penal, como acaba de ocorrer, é de se perguntar se os dispositivos mencionados continuam ou não em vigor. Embora a matéria esteja sendo objeto de discussão e a jurisprudência ainda não se tenha pronunciado a respeito, o entendimento mais lógico é aquele que reconhece as mesmas alterações na lei penal, na esteira das inovações do Código Civil. O menor de 21 anos não deve mais merecer normas penais especiais. Exceções podem existir, como por exemplo no campo das execuções penais, separando-se os condenados mais jovens dos mais velhos, mas apenas por questões de política criminal. Não resta dúvida de que o marco dos 21 anos foi assimilado pelo Código Penal em decorrência da maioridade então fixada para a vida civil. Tanto é assim que a jurisprudência referente aos artigos 65, I, e 115 do Código Penal usou os termos “réu menor” ou “menoridade” à época do crime, em evidente referência ao Código Civil, como se vê dos exemplos abaixo: A menoridade, para efeito de reconhecimento da prescrição, deve estar comprovada nos autos” (JUTACRIM 43/370). A ausência da prova de menoridade do réu impede a aplicação do art. 115 do Código Penal” (JUTACRIM 44/430). A menoridade do réu é circunstância atenuante que necessariamente se impõe, não sendo lícito ao Juiz ignorá-la ou desconsiderá-la” (RT 713/385). Não tendo sido considerada a circunstância atenuante – a menoridade do réu – e tendo a pena-base sido fixada acima do mínimo legal, anula-se, no ponto, a sentença para que, mantida a condenação, seja fixada a pena com observância da menoridade” (DJU, de 16.4.93, p. 6433). No espírito do Código Penal, determina a idade uma atenuação da pena pela dupla consideração de que, de um lado, é menor a imputação do agente em virtude de sua involução senil e porque, de outro lado, tanto o delinqüente menor quanto o delinqüente velho não estão em condições iguais ao delinqüente adulto, para suportar os rigores da condenação” (RT 427/379). Há, inclusive, a Súmula 74 do STJ que também usa o termo menoridade: “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”. Assim, está evidente que o marco dos 21 anos somente foi utilizado na lei penal porque a lei civil considerava a maioridade a partir dessa idade. A lei penal adjetiva, por sua vez, nem fala em “menor de 21 anos”, mas em “menor”, no art. 194 do Código de Processo Penal, que diz: “se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador”. Evidentemente, trata-se da menoridade estabelecida pelo anterior Código Civil. Atualmente, a exigência não mais se justifica. Não sendo menor o réu, desnecessário o curador. Como nenhum menor, em termos civis, será processado penalmente, pois a idade é de 18 anos para ambas as esferas do direito, não mais deverá existir a figura do curador prevista no art. 194 do Código de Processo Penal. O artigo foi derrogado, pois faz menção a dispositivo legal que não mais vigora. Dúvidas tampouco poderiam persistir quanto aos artigos 65, I e 115 do Código Penal, que não mencionam expressamente a menoridade, fazendo, apenas, referência ao fato de ser o agente menor de 21 anos à época da prática do delito, mas demonstram a mesma preocupação. É de se considerar que, no direito brasileiro, o critério para a fixação da idade em que o indivíduo atinge a maioridade, tornando-se capaz para todos os atos da vida civil, baseia-se na presunção de maturidade psicológica e física (biopsicológica) para gerir a si próprio e aos seus negócios. Tal critério pode e deve variar de parâmetro ao longo do tempo, pois a sociedade e a cultura não são estáticas, isto é, não permanecem sendo sempre as mesmas. Embora se possa discutir a conveniência e o acerto da modificação trazida pelo novo Código Civil, que entendeu ter sido necessária a alteração de parâmetro para a maioridade, o fato é que a lei consolidou novos conceitos que, corretos ou não, passaram a vigorar desde janeiro de 2003. Completados 18 anos, o indivíduo deixa de ser jovem para ser considerado adulto. A “maioridade” não significa outra coisa. E adultos devem ser tratados como tal. Ou todos os acusados da prática de delito deverão ser interrogados na presença de curador, por razões diversas da maioridade civil e que não cabe agora discutir, ou ninguém precisará desse cuidado. Da mesma forma, não subsiste motivo para que a prescrição seja contada em menos tempo, nem que o fato de ter menos de 21 anos seja interpretado como atenuante da pena do réu condenado. Em que pese o entendimento contrário, que os há e por parte de respeitáveis profissionais do direito, não mais se justificam os benefícios penais aos menores de 21 anos, tendo em vista que a maioridade civil foi inexoravelmente rebaixada. Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e autora dos livros Crimes contra os costumes e assédio sexual e A paixão no banco dos réus.