A OAB e o sigilo das comunicações
NOTA A Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, atenta aos recentes escândalos denunciados pela mídia sob o título “Operação Anaconda”, cumpre seu papel institucional e repete sua histórica luta contra a corrupção. A par disso, tece algumas considerações que entende importantíssimas à defesa dos princípios constitucionais: As hipóteses de infrações, noticiadas sob o título “Operação Anaconda”, são gravíssimas. Devem ser apuradas com extremo rigor, punindo-se aqueles que, após o devido processo legal, forem condenados por decisão condenatória transitada em julgado. Há advogados envolvidos. A OAB aguarda que as autoridades remetam, com urgência extrema, as peças indispensáveis à apuração de faltas éticas entrelaçadas nas condutas referidas. É preciso, para a análise de comportamentos delituosos eventualmente praticados por aquele ou aqueles profissionais, que o Poder Judiciário, o Ministério Público e as autoridades policiais, cada qual dentro das respectivas atribuições, remetam à OAB o que houver, sem encobrimentos ou restrição. Se e quando obtendo, nas indispensáveis representações, conhecimento das peculiaridades ligadas à apuração, os Tribunais de Ética e Disciplina da OAB terão meios seguros de afastar de seus quadros, punindo-os com absoluto rigor, aqueles advogados infratores do Estatuto, garantindo-se-lhes, entretanto, a ampla defesa que não pode, em país democrático, ser castrada sob argumento consistente na gravidade das possíveis faltas cometidas. Preocupa-se a OAB, no meio tempo, com a desarrazoada utilização, no País, de meios de interceptação da privacidade, tudo envolvendo investigados, sim, mas conspurcando-se, enquanto isso, centenas de pessoas inocentes, violando-se preceitos constitucionais atinentes ao sigilo da correspondência e das comunicações em geral, com predominância da menos responsável invasão dos sistemas de telefonia. A tarefa, desempenhada muitas vezes sob autorização judicial e outras vezes realizada subterraneamente, não tem demonstrado escrúpulo maior. Investe-se desabridamente contra o segredo profissional, aviltando-se a própria defesa. De outro lado, inverte-se toda a clássica dogmática penal, partindo-se, agora, do princípio de que todos são culpados, valendo a investigação e o processo criminal a simples fim homologatório. Pontificando o desacerto, há, além disso, o desafio aberto ao segredo de justiça decretado nas ações penais e inquéritos em curso, demonstrando-se, com a escancarada desobediência, desprezo absoluto ao Poder Judiciário, pois as notícias têm livre curso na imprensa, sem obediência às determinações legal e judicial da mantença do sigilo. Em síntese, uma terrível ofensa à Constituição, às leis ordinárias e à Jurisdição. Perdem os juízes, com o esmaecimento da autoridade, aquela mesma força que lhes permitirá, se e quando o quiserem, restabelecer a honestidade de uns poucos setores da vida pública nacional, nisto incluída, porque também tisnada, a própria Jurisdição. Receiam alguns magistrados, enquanto procuram equalizar o difícil momento sócio-político, permitir aos investigandos e a terceiros referidos a contra-prova inerente ao contraditório (ressalvando-se, quanto ao agir de alguns juízes, o imperativo respeito à administração da justiça). Impede-se o advogado de examinar autos de inquérito e se lhe dificulta, à margem, a obtenção de peças indispensáveis à atividade defensiva. Mais grave, entretanto, é a distorção consumada ante a revelação pública, levando-se o leitor, sutilmente, a extrair ilações errôneas de incidentes havidos no curso da apuração. Exemplo disso é a exposição que se faz ao combativo e honrado advogado, José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem e, por isso mesmo, seu Membro Honorário Vitalício. Na verdade, segundo se quis divulgar, o advogado em questão teria recebido, em setembro de 2002, enquanto deputado federal, chamada telefônica de um dos envolvidos na “Operação Anaconda”. Os dados divulgados mostram que o telefonema tinha caráter eminentemente político, sem qualquer relação com o exercício profissional da advocacia, sendo, pelo deputado, descartado tal telefonema. Admitindo-se esse tipo de responsabilidade (a chamada telefônica), ninguém mais poderá, sequer, retirar o auscultador do gancho. Acresça-se que José Roberto Batochio, contrariamente à insinuação, não teve seu telefone monitorado por decisão judicial, até porque, na ocasião, a competência para essa ordem seria do Supremo Tribunal Federal, que não a deu. Verifique-se, finalmente, que o chamamento de todos à reflexão tem pleníssima procedência. Consta que a invasão da privacidade não tem respeitado, também, o telefone de jornalistas, cuja profissão, tal qual a advocacia, só medra no regime de liberdade. Não se sabe como as empresas jornalísticas vão administrar o fenômeno, mas é certo que estão a sentir na própria carne, doloridamente, os efeitos da extravagância. Brasília, 17 de novembro de 2003 Rubens Approbato Machado Presidente Nacional da OAB