A PRESCRIÇÃO NO ÂMBITO DO TRABALHO RURAL EM FACE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.
Dr. Oton José Nasser de Mello Advogado em Campo Grande-MS No dia 25 de maio de 2000, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram a Emenda Constitucional n. 28, cujo texto foi publicado no Diário Oficial da União, com base nos seguintes termos: “EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 28, DE 2000 Dá nova redação ao inciso XXIX do art. 7º e revoga o art. 233 da Constituição Federal As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;” “a) (Revogada).” “b) (Revogada).” Art. 2º Revoga-se o art. 233 da Constituição Federal. Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.” Observa-se, assim, que foram revogadas as alíneas a e b do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal, passando o mencionado inciso XXIX, vigorar com a seguinte redação: “XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes da relação de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos, para os trabalhadores rurais e urbanos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.” Foi revogado também o artigo 233 da Constituição Federal. Após o dia 26 de maio de 2.000, os empregadores rurais não precisam mais comprovar em juízo, de cinco em cinco anos as obrigações trabalhistas com o empregado rural, para efeitos do artigo 7º, XXIX, em face do novo prazo prescricional. Anteriormente, o trabalhador rural poderia postular os direitos trabalhistas, quanto a todo período contratado, desde que observado o prazo de 02 (dois) anos a contar do término da relação de emprego. Assim, por exemplo, o empregado com 20, 30 anos de serviço, poderia reivindicar direitos trabalhistas destes anos, observando-se o prazo prescricional anterior de 02 a contar do término da relação empregatícia. Quanto ao artigo 233 da Constituição Federal, o empregador deveria comprovar de 05 em 05 anos as obrigações trabalhistas, visando evitar a o direito eterno às verbas trabalhistas, sem os óbices da prescrição. Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 28, após o dia 26 de maio de 2.000, os trabalhadores rurais terão apenas o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. Segundo os legisladores, tal mudança ocorreu em face da necessidade de harmonizar, uniformizar os prazos prescricionais, mormente quanto aos trabalhadores rurais e urbanos. Anteriormente, em face das diferenças sociais e culturais entre os urbanos e rurais, havia necessidade de uma legislação trabalhista diferenciada. Atualmente, a igualdade entre os trabalhadores rurais e urbanos é real, tanto que existem tópicos que revelam com segurança a isonomia: – Em âmbito legislativo, a Constituição Federal, através do artigo 7º , equiparou os direitos dos rurais e dos urbanos, permitindo a alteração da legislação infra-constitucional; – no campo previdenciário, como consequência da equiparação, os trabalhadores rurais e urbanos, são tratados igualmente pelos dispositivos das Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 1991; – quanto ao FGTS, a Lei 8.036/90 também estendeu os benefícios dos trabalhadores urbanos aos rurais; – no que pertine à legislação acidentária, os rurícolas não são diferenciados dos urbanos, com exceção de algumas normas de segurança do trabalho, entre elas a Portaria n. 3.067/88; – no aspecto sindical, os trabalhadores rurais são plenamente representados, tanto que a sindicalização rural atinge três graus, como a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), representações estaduais e municipais. É certo que existem muitas dificuldades de emprego no País, mas no campo, o empregador rural, com débitos trabalhistas astronômicos, motivados pela ausência de prescrição, deixa de recolher encargos previdenciários e fundiários, além de negar trabalho àqueles que vivem ou se dirigem para o campo. Questionamentos acerca da Aplicação da Prescrição e algumas dúvidas de ordem processual. É ponto pacífico de que as ações trabalhistas movidas por trabalhadores rurais a partir do início da vigência da Emenda Constitucional n. 28 são alcançadas pelas novas regras de prescrição. Surgem dúvidas, nas aspecto processual, quando se observam os seguintes questionamentos: a) a prescrição pode ser invocada a qualquer tempo na instância ordinária – Súmula n.153 do C.TST, baseada no artigo 162 do Código Civil e parágrafo único do artigo 8º da CLT ? b) sendo direito novo – superveniente – de natureza processual, de caráter constitucional, não poderia ser invocado ?– (art. 5o, II, da CF) c) a alegação de prescrição é direito facultativo da parte no processo. Aplica-se de ofício a nova prescrição? d) mesmo que já tenha sido ajuizada a reclamação trabalhista, e desde que a mencionada ação não tenha sido contestada, a parte interessada poderá suscitar a prescrição no momento da defesa, fixando-se os limites da lide? O jurista ARION SAYON ROMITA, em sua obra “Os Direitos Sociais na Constituição e outros Estudos”, tem o seguinte entendimento: “O certo é que a prescrição se rege pela lei em vigor no momento em que ela se consuma, como ensinam Paul Roubir e Câmara Leal. O dia em que a ação foi posta em juízo não influi na determinação da lei aplicável, como solução do conflito de leis no tempo. A lei aplicável é a vigente no instantte em que se consumou a prescrição. A data do ajuizamento da reclamatória gera outro efeito, mas não o de indicar a lei aplicável.” (ob. cit. pág. 178) Wilson Campos Batalha entende que: “Constituem princípios gerais de Direito intertemporal que a lei nova que alonga os prazos de prescrição atinge as prescrições não consumadas, computando-se o tempo decorrido na vigência da lei antiga; ao contrário, a lei nova que reduz o prazo de prescrição aplica-se às situações em curso, computando-se o prazo mais exíguo a partir de seu início de vigência, salvo se terminar antes o prazo mais longo fixado pela lei antiga, computando o tempo decorrido da vigência desta.”(‘Prescrição e Decadência no Direito do Trabalho – pág. 55) Délio Maranhão sustenta: “A teoria preferível – ensina Coviello – é a seguinte: a norma legal não pode obrigar antes de existir; por isso, é lógico e justo que não se estenda sua eficácia aos fatos ocorridos antes de sua vigência. Tais são o fundamento e o conteúdo da máxima da não-retroatividade. Mas retroatividade existe não apenas quando a lei nova desconhece as consequências já realizadas do fato ocorrido, isto é, quando destrói as vantagens já nascidas, como, também, quando impede uma consequência futura de um fato consumado, por uma razão relativa unicamente a este fato. Se, no primeiro caso, há retroatividade, porque a lei age diretamente sobre o fato passado, também existe no segundo, em que a lei, se bem de modo mediato, age, igualmente, sobre o fato passado, inutilizando suas consequências. Quando, pelo contrário, a lei nova regula as consequências de um fato passado, verificadas sob seu império, mas consideradas em si mesmas, e não por um motivo relativo àquele fato, que fica assim, intocado, não há retroatividade mas aplicação imediata da lei. A Lei de Introdução, em seu art. 6º, dizia que a ‘lei em vigor terá efeito imediato e geral’, não atingindo, entretanto, ‘as situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito’. Não se falava mais, aí, em ‘direito adquirido’, mas em ‘situação jurídica’, conceito mais amplo, compreendendo inclusive o direito condicional, que não poderia, sem manifesta contradição, entrar na categoria dos ‘direitos adquiridos’. A redação do artigo foi modificada, porém, pela Lei n. 3.238, de 1957.” Existem outros doutrinadores e juristas que entendem que a prescrição é de matéria de ordem material, enquanto outros, é ordem adjetiva, processual. Pelas regras do direito material, em consonância com a Constituição Federal – artigo 5º, inciso XXXVI – e Lei de Introdução ao Código Civil, foi adotado o PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS como regra, e o da RETROATIVIDADE como exceção. Acolheu-se a teoria de GABBA, de irrestrito respeito ao ATO JURÍDICO PERFEITO, AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA. Assim, baseado no direito material, aplica-se a lei nova aos casos pendentes e aos futuros a prescrição, só podendo ser retroativa(atingir fatos pretéritos) quando: – não ofender o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada; – quando o legislador, expressamente, mandar aplicá-la a casos pretéritos, mesmo que a palavra ‘retroatividade’ não seja usada. Baseado no direito processual, os estudiosos entendem que a lei nova aplica-se de forma imediata, a partir do momento de sua entrada em vigor (observado o prazo de eventual vacatio legis), inclusive aos processos em curso. Por outro lado é ela irretroativa, não atingindo atos processuais já praticados e findos, segundo o preceito latim tempus regit actum. É de notório saber que a PRESCRIÇÃO, pode ser alegada em qualquer fase processual, e no processo do trabalho, antes do recurso ordinário, conforme dispõe o artigo 162 do Código Civil, ratificado pela Súmula n. 153 do Colendo TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Assim, em consonância com o direito material e o direito processual, tenho o singelo entendimento quanto A NOVA PRESCRIÇÃO TRABALHISTA NO ÂMBITO DO TRABALHO RURAL: – Ajuizada a reclamação trabalhista, tendo por objeto o trabalho rural e suas verbas, antes do advento da EMENDA CONSTITUCIONAL N. 28, e o empregador tendo já contestado a ação, RECONHECIDO O VÍNCULO EMPREGATÍCIO, discutindo no processo, tão somente diferenças de valores pertinentes aos títulos trabalhistas que já integraram o patrimônio do empregado, não poderá a mencionada prescrição ser alegada antes da ter sido proferida a sentença, justamente para não prejudicar o direito adquirido da parte. – Ajuizada a reclamação trabalhista, nas mesmas condições citadas no item acima, diferenciando-se apenas, quanto à alegação na defesa DE NEGATIVA DE CONTRATO DE TRABALHO, a nova prescrição poderá ser alegada antes da sentença, pois a expectativa de direito não obsta a aplicação da prescrição de direitos. Existindo controvérsia judicial acerca da existência ou não do contrato de trabalho, o empregado não tem direito adquirido quanto às verbas postuladas na reclamação trabalhista, mas apenas expectativa de direito, o que não é alcançado pela proteção da prescrição baseada na lei velha; – Quanto às reclamações trabalhistas ajuizadas após o dia 26 de maio de 2000 (data de aplicação da Emenda n. 28), a NOVA PRESCRIÇÃO aplica-se integralmente. A questão apresentada é interessante e com as novas contribuições e ensinamentos dos colegas advogados, juízes e juristas acerca da matéria, deverá, no futuro, tornar-se pacífica, afastando as dúvidas porventura existentes.