A transparência que se requer

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O texto abaixo é editorial do jornal O Estado de S. Paulo, edição de 16/02/2003 Sem dúvida, uma das causas do desgaste da imagem do Poder Judiciário perante a opinião pública tem sido a sensação de que muitas das suas decisões são adotadas intramuros, no recôndito dos gabinetes, principalmente quando envolvem seus integrantes, vale dizer, magistrados de diversas instâncias, juízos ou tribunais. A impressão disseminada na sociedade – e que nem sempre corresponde à verdade – é de que os magistrados apanhados em faltas graves, na pior das hipóteses, recebem leves “punições”, como algum tipo de transferência, de disponibilidade remunerada ou aposentadoria. Isso porque, pela falta de publicidade das investigações e sindicâncias internas levadas a efeito por esse Poder, à sociedade só chegam rumores, versões incompletas dos resultados. Ninguém contestará – muito menos os integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a mais importante Corte infraconstitucional do País – a gravidade do fato de terem surgido, em gravações de conversas telefônicas de narcotraficantes, realizadas pela Polícia Federal, com a devida autorização judicial, o nome do ministro do STJ, Vicente Leal (em algumas citações), e o da mulher do presidente do STJ, funcionária concursada do Tribunal (em uma citação), no escândalo da “venda de habeas-corpus” que tem como eixo o deputado federal cearense Pinheiro Landim. Para apurar a conduta do ministro Leal foi aberta uma sindicância, a cargo de três ministros do próprio Tribunal. Outra foi instaurada para investigar a conduta da funcionária Adélia Naves, mulher do presidente Nilson Naves. Foi com o objetivo de exigir maior transparência nas apurações, em favor da imagem do próprio Superior Tribunal, do qual é um dos membros, que o ministro Franciulli Netto, na sessão da Corte Especial do último dia 5, afirmou que “toda publicidade que puder envolver este problema é benéfica ao nosso Tribunal” (referindo-se, expressamente, ao artigo 37, caput, da Constituição) e endossou a sugestão, feita anteriormente pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Rubens Approbato Machado, no sentido de que os investigados fossem afastados de suas funções, até a apuração final. Se já era claramente positiva a regra de afastar-se investigados de suas funções, até a apuração final, para evitar qualquer tipo de constrangimento, de investigadores ou testemunhas, as palavras de componentes da comissão de sindicância encarregada de investigar a conduta do ministro Vicente Leal o demonstraram de maneira cabal. Disse um deles, o ministro Sálvio de Figueiredo, que sua função “não é nada agradável porque se trata de alguém que convive aqui dentro”. Realmente, dá para se imaginar o constrangimento de testemunhas e colegas encontrando-se, em recintos do Tribunal, com o ministro suspeito, no momento mesmo de participar de depoimentos e atos da sindicância. Agora, quanto à necessidade da transparência do processo de investigação interna, bastaria mencionar o que disse outro dos membros da comissão de sindicância, Peçanha Martins, que, ao mitigar a importância das falas gravadas pela PF, entre traficantes e o deputado Landim, acabou por fazer uma defesa antecipada do colega que está investigando. Não é uma situação no mínimo confusa, a exigir bem maiores esclarecimentos? O pior que pode acontecer para a imagem da Justiça, nessa grave suspeita que paira sobre a cúpula do Judiciário brasileiro, é vir a repetir-se a sensação, na opinião pública, de que, “como sempre, tudo acabará em pizza”.