ARTIGO: Aplicação da multa do artigo 475-J do CPC na execução provisória

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A Lei 11.232/05 foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio inspirada nos ideais de eficiência, celeridade e efetividade, caracterizados por um evidente reforço da tarefa satisfativa do processo, visto que o jurisdicionado quando busca socorro no Judiciário quer o bem da vida e não uma sentença, conforme se depreende da Exposição de Motivos n.º00034, do Ministério da Justiça.

O artigo 475-J, introduzido pela Lei 11.232/05, primando por esses ideais, impõe multa de 10% caso o condenado não pague a quantia fixada no prazo de quinze dias, visando estimular o adimplemento espontâneo da obrigação. Não há nenhuma ressalva no 475-J à sua aplicação antes do trânsito em julgado, o que já evidencia sua plena vigência para a execução provisória. O sistema dá ao credor o direito de requerer a execução provisória diante de uma decisão judicial ainda não definitiva, em relação à qual ainda cabe recurso sem efeito suspensivo, nos termos do 475-I, parágrafo 1º.
Negar a aplicação da multa à execução provisória, que segue no que couber as mesmas regras da execução definitiva, conforme determina o artigo 475-O do CPC, seria tolhê-la de um importante efeito psicológico motivador do cumprimento da decisão judicial, fortalecedor do papel do juiz de primeiro grau.

O tema ainda não gerou manifestação dos tribunais superiores. Nos Tribunais de Justiça têm se admitido a aplicação da multa de 10% em havendo descumprimento da execução provisória. No final de 2008, o Superior Tribunal da Justiça (STJ) recebeu um Recurso Especial questionando a multa na execução provisória. Dada a relevância da matéria, o STJ decidiu submeter o  REsp 1.059.478-RS à futura apreciação da Corte Especial.
 
Na doutrina, as vozes que surgem contra a aplicabilidade do 475-J à execução provisória lastreiam-se em princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade e ampla defesa. Não seria razoável, para esses autores, que alguém que ainda está discutindo uma dívida, exercendo o contraditório, tenha de pagar uma multa, ainda mais com a possibilidade de a decisão provisória ser reformada por recurso. Sustentam ainda que a multa na execução provisória contrapõe-se à menor onerosidade ao devedor prevista no artigo 620 do CPC, ferindo-se aí também a proporcionalidade. Por fim, tal medida sufocaria a ampla defesa, pois que a ameaça de multa acabaria deixando o réu temeroso de defender-se. Dentre os que entendem que não se aplica o 475-J à execução provisória estão Pedro Dinamarco, José Miguel Garcia Medina e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.
José Miguel Garcia Medina avalia que “consistiria em algo paradoxal … admitir, de um lado, que o sistema impõe tal responsabilidade ao exeqüente, quando este requer a “execução provisória”, e, de outro, que o valor constante da sentença condenatória recorrida deveria ser pago de imediato pelo Réu, sob pena de multa” (1). Carlos Alberto Alvaro de Oliveira também considera que “seria absurdo exigir, nesta hipótese, que o devedor satisfizesse integralmente a condenação (como exigido no caput do art. 475-J), para se livrar do pagamento da multa.” (2) Para ele, é irrazoável exigir o cumprimento integral da sentença na pendência de recurso, que eventualmente pode tornar inócua a condenação.

Em outra corrente doutrinária, Cássio Scarpinella Bueno argumenta que “a circunstância de a execução ser “provisória” não significa que ela não seja uma verdadeira execução em todo o sentido da palavra… O que é provisório, na espécie, é o título que fundamenta a execução, sendo certo que o risco de ele vir a ser modificado ou alterado, ainda que parcialmente com o desfecho do segmento recursal, foi expressamente assumido pelo legislador. Não há, portanto, e neste sentido, um apequenamento da eficácia do título executivo nos casos de execução provisória quando comparado com os títulos já transitados em julgado”. (3)

Com a costumeira argúcia, Cássio rebate a posição dos que argumentam que “o pagamento do que o credor pretende na execução provisória significaria, em última análise, desistência tácita ou alguma forma de aquiescência do devedor quanto ao julgado o que redundaria, em última análise, na perda do objeto recursal” (Op. cit.). Nem vê sentido em se alegar preclusão lógica no comportamento do devedor para os fins do art. 475-J. “ É que o devedor, uma vez exortado ao pagamento da condenação, mesmo que “provisoriamente” (leia-se: imediatamente), cumprirá a sentença porque é obrigado para tanto e não porque o quer” (Op. cit.), explica o mestre.

Com base no inciso III e do § 2o do art. 475-O, do CPC, de caução “suficiente e idônea” a ser prestada pelo exeqüente, Cássio entende que o cumprimento da execução provisório seria uma espécie de “depósito” e não propriamente um “pagamento” (Op.cit.).

O ministro Athos Gusmão Carneiro, um dos principais arquitetos das recentes reformas do CPC, sustenta que “a multa de dez por cento, prevista no texto legal, incide de modo automático caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei. Visa, evidentemente, compeli-lo ao pronto adimplemento de suas obrigações no plano do direito material, desestimulando as usuais demoras ‘para ganhar tempo’. Assim, o tardio cumprimento da sentença, ou eventuais posteriores cauções, não livram o devedor da multa já incidente”. (4)

Paulo Henrique dos Santos Lucon, na mesma linha, adverte, no entanto, que “a
execução provisória corre por conta e risco do exeqüente e a responsabilidade pelos atos executivos praticados é objetiva”, razão pela qual considera que “a multa de 10% (dez por cento) é exigível em execução provisória ou definitiva”. (5)

FONTES

1-MEDINA, José Miguel Garcia. Processo Civil Moderno – Execução – Editora RT
2-OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A nova execução: comentários à Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 195).
3- BUENO, Cassio Scarpinella. Variações sobre a multa do “caput” do art. 475-J do CPC na redação da Lei nº 11.232/2005. In: Aspectos polêmicos da nova execução. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 128-166. Material da 3ª aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.
4-CARNEIRO, Athos Gusmão. Do “cumprimento da sentença”, conforme a Lei 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? Material da 11ª aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNISUL/IBDP/REDE LFG.
5-LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Nova execução de título judiciais e sua impugnação. Material da 10ª aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNISUL/IBDP/REDE LFG.

(*Josemil da Rocha Arruda é advogado militante em Campo Grande-MS e está concluindo o curso de especialização em processo civil na Unisul/LFG/IBDP/Esud)