Artigo "Reflexão sobre competência nos crimes conexos em matéria penal entre Justiça Eleitoral e Justiça Comum" (*) Abrão Razuk

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Confira abaixo artigo publicado na Folha de Dourados:

 

Nos crimes conexos entre a justiça eleitoral e a justiça comum – estadual e federal prevalece a eleitoral.

Fundamentos legais.

Na base da pirâmide desse tema está a constituição federal.

Reza o seguinte:

Artigo 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – Os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da união ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvadas a competência da justiça militar e da justiça eleitoral.

A legislação infraconstitucional também rege a matéria de competência.

O artigo 78 do código de processo penal estatui o seguinte:

” na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: MIV- no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá está”.

A lei nº 4.737, de 15 de julho de1965 que instituiu o “código eleitoral” em seu artigo 35 reza ” compete aos juízes: II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvadas a competência originária do tribunal superior e dos tribunais regionais”.

Acompanhando os precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no inquérito 4435 – Pedro Paulo Carvalho Teixeira e Eduardo da Costa Paes x MPF com a relatoria Marco Aurélio de Mello por maioria acompanhando o relator a competência nos crimes conexos entre a Justiça Eleitoral e a Justiça Comum que abrange a estadual e a federal, a competente é da Justiça Eleitoral.

Quem cabe estabelecer inicialmente de quem é a competência é a Justiça Eleitoral

Essa foi a decisão da corte em 13 e 14 de março de 2019, sendo a representante do Ministério Público Federal, a Procuradora Geral da República doutora Rachel Dodge.

Na minha opinião o STF acertou condizente com a norma de regência.

Em regra, de interpretação da lei, quando a lei é clara cessa qualquer tipo de interpretação.

Do exame em conjunto das três normas do sistema jurídico brasileiro fica patente que em havendo crimes conexos entre a justiça especializada eleitoral e a justiça comum prevalece a justiça eleitoral.

Aqui é possível a aplicação da vis attractiva ou o foro atrativo.

Vejamos a precisa opinião do festejado jurista José Jairo Gomes, senão vejamos:

” crime eleitoral atrai para a competência da justiça eleitoral crime comum conexo (CPP, art. 78, IV) nesse sentido; STJ-CC n.16.316/sp-3aa.secão -rel. ministro Feliz Ficher – dj 26.5.1977,p.22469,note-se que a justiça comum é federal e estadual. A vis attractiva exercida pela Justiça Eleitoral ocorrerá em ambos os casos.  Mais adiante poderá, a unidade processual não é obrigatória, pois nos termos do artigo 80 do cpp, poderá haver separação dos processos: I- quando as infrações tiverem sido praticas em circunstancias de tempo ou de lugar diferentes: II – quando houver conveniência em razão do excessivo número de acusados, de modo a não lhes prolongar a prisão cautelar; III- quando, por motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação dos processos“.

(Fonte doutrinária. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. pgs. 326/327.  2ª edição revista, atualizada e ampliada edição 2016 atlas.

podera marcellus polastri lima :

” à justiça eleitoral processa e julga os crimes definidos por lei como eleitorais, mormente no Código Eleitoral e que dizem respeito à vulneração do processo eleitoral, e, ainda, os crimes conexos com os mesmos. Não basta amortização política (homicídio por motivo político), pois é necessário que seja crime definido como eleitoral”.

Fonte: curso de processo penal Gazeta Jurídica 8a. edição 2014 -p.328

J.J. Gomes Canotilho e outros juristas assim pontificam:

“ao comentarem o artigo 109, IV da constituição federal assim se manifestam:

Os crimes políticos são os previstos na legislação que trata da segurança do estado, atualmente prevista na lei 7.170/83, sobre a Segurança Nacional, artigos 8° e a 29. Não devem ser confundidos com os crimes eleitorais, estes previstos no Código Eleitoral da competência desta justiça especializada. O inciso, em continuidade, prevê a atração para a Justiça Federal quando as infrações atingirem bens, serviços ou interesses da união ou de suas entidades autarquias ou empresas públicas. A elas se agregam as fundações públicas, conforme pacífica jurisprudência. Para que a competência seja da justiça federal será preciso que fique demonstrado o efetivo interesse do ofendido e não   apenas um interesse genérico.

Fonte: “ comentários a Constituição do Brasil Saraiva jur p; 1575 2a, edição 2018.

Para o processualista Norberto Avena em seu livro ” processo penal” ed. método, 9a.edição 2017, assevera:

” assim, conexo crime eleitoral com crime comum,a mbos serão julgados pela justiça eleitoral”.p.682.

Nessa esteira, pensa da mesma forma o jurista Guilherme de Souza Nucci em seu livro “Código de Processo Penal comentado” forense  17a. edição :

” caso exista um crime eleitoral conexo com um crime comum, ambos serão julgados na justiça eleitoral”.

1) Eugênio Pacelli Douglas Fischer. “comentários ao código de processo penal e sua jurisprudência”. Editora atlas, ano 2017, fls. 182/183:

“concurso de jurisdição comum e especial: a rigor, o cuidado que se deve com essa regra de definição de foro prevalecente é o mesmo que se tem em relação com os critérios do juiz natural. Ou seja, como o juiz natural tem assento na constituição, não poderia o CPP e nenhuma legislação ordinária pretender modificar a competência ali fixada. de ver-se, mais, que a conexão vem a ser apenas uma regra de modificação da competência justificada apenas pelo favorecimento e facilitação da instrução criminal, característica, aliás, de todas e qualquer competência territorial (…) mas quando há concurso entre a justiça eleitoral e justiça estadual, por exemplo, não remanesce dúvida alguma quanto à prevalência da primeira, justiça eleitoral, como se competência da justiça estadual não fosse também contemplada na constituição (juiz natural, pois). O que dizer então de um eventual concurso entre crime federal e crime eleitoral? Qual a razão para se afastar uma competência constitucional expressa (art. 109, CF)?

Qualquer que seja a resposta, o fato é que a jurisprudência já parece ter se acostumado com a aplicação da norma do art. 78, IV, não se importando com a modificação de regras constitucionais pela via legislativa”.

2) Rogério Sanches Cunha. Código de Processo Penal e lei de execução penal comentados. Editora juspodivm, ano 2018, fls. 259.

“no concurso entre a jurisdição comum e a especial – prevalecerá esta última. Justiça especial, como o nome indica, é aquela criada para conhecer de questões específicas, como a justiça eleitoral, a militar, a trabalhista. Já a justiça comum, é residual, significa dizer, julga todo o resto que não é destinado às justiças especiais. No confronto entre uma e outra prevalece a justiça especial. Assim, se no dia da eleição o agente furta um ônibus (competência da justiça comum), para fornecer transporte gratuito a eleitores (crime eleitoral – art. 301 do código eleitoral), ambo os delitos deverão ser julgados em um único processo, que tramitará perante a justiça eleitoral, que é especial.”

3) Renato Brasileiro de Lima. Código de Processo Penal comentado. Editora Juspodivm, ano 2018, fls. 296.

“5. Concurso entre a jurisdição comum e a especial: no concurso entre a jurisdição comum e a especial – ressalvada a justiça militar (CPP, art. 79, inciso i), prevalece a especial (CPP, art. 78, inciso vi). Logo, caso um crime eleitoral seja conexo a um crime comum de competência da justiça estadual, prevalece a competência da justiça eleitoral para julgar ambos os delitos”.

5.1 conexão e/ou continência entre crime eleitoral e crime da competência da justiça federal: questiona-se se essa força atrativa da justiça eleitoral prevista no art. 78, inciso IV do CPP, também seria extensiva aos crimes federais e militares. apesar de haver julgado antigo da suprema corte afirmando a competência da justiça eleitoral para julgar os crimes eleitorais e também as infrações conexas, ainda que de competência da justiça federal (CC 7.033/ SP, rel. min Sydney Sanches, dj 29/11/1996), somos levados a acreditar que, na medida em que a competência da justiça federal vem estabelecida na própria constituição federal, não pode ser colocada em segundo plano por força da conexão e da continência, normas de alteração da competência previstas na lei processual penal. Afinal, é a lei processual que deve ser interpretada por meio da constituição, e não o contrário. Há precedentes do superior tribunal de justiça corroborando essa posição. mutatis mutandis, a justiça eleitoral também não exercerá força atrativa em relação a eventuais crimes militares que estejam ligados a um crime eleitoral por força da conexão ou da continência, na medida em que a competência da justiça militar  também foi ressalvada pela Constituição Federal. Por sua vez, como exposto anteriormente, se o crime eleitoral estiver conexo a um crime doloso contra a vida, deve ocorrer a separação de processos, pois ambas as competências derivam da constituição federal. Destarte, à justiça eleitoral caberá o processo e julgamento do crime eleitoral; ao tribunal do júri, o crime doloso contra a vida. “

Campo Grande-MS, 27.9.2021.

 

 

(*) Por Abrão Razuk –  advogado ex-juiz de direito e juiz eleitoral do TRE/MS

 

 

 

 

Foto: Gerson Walber