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Busato condena eventual negociação entre governo e marginais

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Brasília, 17/05/2006 – “Não se sinto confortável em ver as autoridades do meu país negociarem com marginais dessa espécie”. A afirmação foi feita hoje (17) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, ao comentar, em entrevista, as denúncias que têm sido publicadas de que o governo de São Paulo pode ter negociado com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) o fim das manifestações do último fim de semana na capital paulista, quando dezenas de policiais foram brutalmente assassinados e agências bancárias e ônibus foram queimados por marginais. “Sou contra esse tipo de negociação. Não se deve negociar com pessoas que não respeitam a legalidade, o Estado Democrático de Direito”. Busato acrescentou que não se pode negociar trégua com marginais que assassinaram covardemente policiais “por terem simplesmente agido dentro da sua função pública”.

Segue a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato, à Rádio Nacional de Brasília:

P – Presidente, gostaríamos de uma avaliação do senhor do clima de horror que viveu São Paulo nos últimos dias.
R – É uma situação absolutamente preocupante. Penso que toda a sociedade civil brasileira deve se organizar em prol de mudarmos esse estado de coisas. O Estado brasileiro não está conseguindo conter esse tipo de movimento. Há um sentimento de impunidade muito grande, grassando em todos os setores da vida pública nacional, isso é muito grave, e temos que enfrentar esse problema de frente, não podemos deixar que ele se torne endêmico. Definitivamente, perdemos a compostura, como país, perante à própria criminalidade.

P – Na avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil, existe um culpado por essa crise?
R – Estamos detectando há muito tempo que há um sentimento, uma apatia, em função da própria impunidade que ocorreu neste país. A corrupção política, a falta de uma punição àqueles que delinqüiram, seja no Poder Executivo, quanto no Poder Legislativo, isso acabou, talvez, propiciando uma ousadia sem limites da marginalidade, que explodiu em São Paulo, principalmente em São Paulo nesse final de semana. Temos que, definitivamente, erradicar esse estado de coisas para que possamos ter um país mais justo, um país mais voltado a um cidadão correto e não ao cidadão que comete desvios de conduta, desvios éticos.

P – A busca de uma solução para essa questão seria a médio, curto ou a longo prazo?
R – Temos que pensar nos três planos de tempo. A curto prazo, temos que, definitivamente, extirparmos esta articulação criminosa que se mostrou bastante perigosa, nesse final de semana. A médio prazo, devemos aparelhar o nosso sistema policial com uma inteligência nas suas operações e no seu dia-a-dia. E, a longo prazo, devemos atacar as causas que acabam derivando nesta marginalidade. Não podemos mais admitir, no sistema prisional, que meramente é um depósito de pessoas que delinqüiram e que acabam chegando à penitenciária sem qualquer expectativa de recuperação. Não podemos mais admitir estabelecimentos para os menores, como no caso das Febens, que apenas diploma aquele menino para o crime, para o assassinato e para uma vida muito curta, uma vida muito prematura, porque ele não vê nenhuma perspectiva de uma vida digna para frente. Temos que começar a analisar, com profundidade, esses aspectos, para que possamos mudar a cara deste país.

P – Um dos princípios da Ordem dos Advogados do Brasil, dentre vários outros, está relacionado com a questão dos direitos humanos. E, é claro, nessa situação em que dezenas de policiais foram mortos, nessa onda de violência sem precedentes, em São Paulo, vários deles morreram, e muitos deles têm aquele sentimento de que para os policiais não tem essa questão dos direitos humanos. Eu gostaria, justamente, de saber do senhor um posicionamento com relação a essa questão.
R – Estou absolutamente convicto que temos um dever com a sociedade e precisamos nos debruçar no apoio a essas famílias que viram os seus entes derrubados por força de uma manifestação absolutamente ilegítima, absolutamente anárquica, absolutamente canalha, que foi essa, da marginalidade contra os policiais aqui, no estado de São Paulo.

P – Na avaliação do senhor, Presidente Roberto Busato, a Lei brasileira é suficiente, em termos de garantir, aí, acabar com a impunidade ?
R – A lei brasileira é adequada. O problema é como ela vai ser aplicada. Quando se fala, por exemplo, em prisão perpétua, garanto para você, não sou advogado criminalista e não tenho conhecimento de quem são, efetivamente, os comandos dessas organizações criminosas que estão presas e que comandaram esta afronta à sociedade civil brasileira, que todos eles têm mais de cem anos de cadeia a serem cumpridas ainda. Então, a lei não é o problema. Ela dá a penalidade. O que temos que aprimorar é o cumprimento dessas penas, no estilo do sistema prisional brasileiro, que é absolutamente falido. Quando vivemos um acontecimento desses, se procura jogar a culpa em cima do advogado, que seria o advogado que levaria o celular dentro da penitenciária, seria o advogado que seria aquele que auxilia o presidiário a tomar um contato com o mundo externo e aprofundar-se na criminalidade. Entendemos que o Estado tem a obrigação de dar segurança a todos aqueles que vão ao presídio, e tem que ter uma condição de fiscalizar, exatamente, o presidiário, que está sob o seu cuidado. E denunciar à Ordem dos Advogados do Brasil, à própria Justiça brasileira, se algum advogado exercer qualquer atividade ilícita e criminosa. E, daí, temos que agir com todo rigor.

P – Por falar no advogado, no papel, no trabalho profissional do advogado, na avaliação do senhor, a sociedade, ela compreende bem, enfim, esse trabalho na fronteira entre o bem e o mal do advogado, Doutor Busato?
R – Não, às vezes não. E principalmente se procura descarregar em cima da figura do advogado as mazelas do sistema, e isso que nós não podemos aceitar. Quando se diz que deve ser gravado o contato entre o advogado e o presidiário, que deve ser examinado o advogado quando ele vai conversar com o presidiário, entendemos que isto é uma afronta, um desvio do Estado Democrático de Direito. Aqueles que têm contato com o presidiário e que não são marginais, não podem ser tratados como tal. Portanto, o padre que atende o presidiário, no seu ofício, a família do presidiário, que vai visitá-lo, a mulher, os seus filhos, o advogado que está dando assistência jurídica, o médico que dá assistência no aspecto de saúde não podem ser tratados como um marginal. Quem tem que ser tratado, controlado, fiscalizado com todo rigor é o próprio presidiário que está guardado em presídio público, por conta do Estado. O Estado tem que dar o controle total sobre o mesmo, para que possa, assim, dar uma capacidade de segurança à sociedade civil brasileira, mas não o inverso. Não podemos cair na fobia que caiu os Estados Unidos, quebrando direitos individuais, direitos humanos em função da fobia da luta contra o terrorismo.

P – A princípio, o foco dessa questão de insegurança está voltado para São Paulo, por conta dessa onda de violência. Para o senhor, os demais estados brasileiros, eles têm feito o dever de casa de forma correta, para evitar que seja surpreendido, da forma como ocorreu em São Paulo ?
R – Não, absolutamente não. O problema é geral, em todo o Brasil. Tínhamos uma situação muito aparente nesse campo, no Rio de Janeiro. Tivemos, ao longo da minha gestão, diversos problemas, por exemplo, em Rondônia. Mesmo agora, vemos alguns focos no Paraná, no Espírito Santo, na Bahia. Portanto, é uma situação absolutamente vexatória de segurança pública e no sistema prisional, em todo o Brasil, sem exceção.

P – O investimento feito na segurança pública brasileira, para o senhor, é suficiente para corrigir ou, pelo menos, dar um rumo correto a essa situação?
R – Não, o investimento que está sendo feito, ele nunca vai chegar ao ponto de solucionar o problema. Temos que nos voltar mais a fundo ao que está acontecendo. Não podemos ficar com políticas públicas apenas para tentar acomodar a miséria do povo brasileiro, através de Bolsa Família, Vale-Gás, essas coisas todas, alimentação a 1 real. Temos que dar, realmente, ao dinheiro público, uma eficácia maior, em termos de modificar a perspectiva de vida do brasileiro. Enquanto não fizermos isso, não há dinheiro que possa suprir a deficiência do sistema prisional, a deficiência do sistema da segurança pública. E, se formos alargar muito mais, todas as mazelas do Brasil de hoje: saúde, educação. Em todos os lados que se olha, o investimento sempre é aquém da necessidade. E falamos de um país que arrecada, é quase que um confisco, 40% aí, da renda do brasileiro é destinado aos tributos que movimentam a máquina. E a máquina estatal devolve com péssimos serviços, sem a mínima condição de resolver nem mesmo os efeitos mais cruéis, nessa exclusão social que nós vivemos.

P – Está sendo noticiado que em São Paulo houve uma negociação entre o governo com a liderança criminosa o Primeiro Comando da Capital, para que houvesse uma trégua nas rebeliões e ataques a policiais. Na avaliação do senhor, é normal o Estado negociar com a facção criminosa para que a situação volte à normalidade?
R – Tenho uma posição pessoal muito clara. Eu sou contra esse tipo de negociação. Não se deve negociar com pessoas que não respeitam a legalidade, o Estado Democrático de Direito. Como é que vai negociar, nesse estado de coisas? Esse é o estilo que o Governo Lula teve na política, e olha o desastre que houve: vai negociar preço de gás com militares com baioneta dentro das fábricas. Não podemos, agora, negociar trégua com marginais que assassinaram covardemente policiais, por terem simplesmente agido dentro da sua função pública, e tem procurado aterrorizar, atemorizar a população brasileira. Não podemos voltar atrás um milímetro sequer, dentro da legalidade, dentro do Estado de Direito, mas com todo o rigor. Não há condições, eu não me sinto confortável de ver as autoridades do meu país negociarem com marginais dessa espécie.