Busato: “Verticalização deve ser mantida em 2006
Busato: “Verticalização deve ser mantida em 2006” publicado em: 14/03/2006 Aracaju, 14/03/2006 – Em uma entrevista exclusiva concedida a reportagem do Correio de Sergipe, na última sexta-feira, direto do interior do Ceará, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, falou sobre muitos assuntos que têm sido debatidos na atualidade, como o nepotismo nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, por exemplo. O presidente da Ordem também destacou os avanços da advocacia brasileira e, se ateve principalmente, a dois temas de total interesse dos sergipanos: o projeto do governo federal de transpor parte das águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional e a manutenção ou não da regra da verticalização para a eleição de outubro próximo. Desde já o leitor do CS está convidado a se deliciar com a entrevista na íntegra, a seguir concedida ao repórter Habacuque Villacorte:
P- Inicialmente eu gostaria de conhecer a sua posição, como presidente da OAB, sobre a polêmica regra da verticalização que não autoriza os conflitos entre as alianças feitas nos Estados e as coligações nacionais?
R- Meu posicionamento é para que a regra continue valendo para a eleição de outubro próximo. Eu fiz parte de uma discussão profunda realizada pelo Conselho Federal da Ordem sobre questões relacionadas ao sistema eleitoral. Desde já, o nosso raciocínio é que, faltando menos de um ano para a eleição, “as regras do jogo” não podem ser alteradas. No início desta semana, essa matéria estará na pauta do Conselho.
P- Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida pela vontade do Congresso Nacional e derrube a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), qual será o posicionamento da Ordem sobre o assunto?
R – Não há um recurso com relação a decisão do STF, mas outras medidas podem sim serem tentadas. Mas nós não nos aprofundamos muito sobre o assunto ainda, até porque não mantemos vivo qualquer sentimento que o STF dará provimento a essa solicitação do Congresso Nacional. Nós temos certeza que essa tentativa será reconhecida como inconstitucional. O artigo 2º da emenda de nº 52 poderia ser promulgado sem qualquer problema desde que ele não valesse para a eleição de outubro. Caso contrário, o artigo fere a Constituição Federal.
P- Desde o último mês de dezembro que o Congresso Nacional conquistou de uma vez por todas o foco das atenções no cotidiano político. Após a tão criticada Convocação Extraordinária, estão afloradas as polêmicas sobre a queda da verticalização já para 2006 e a não cassação de mandatos dos parlamentares que foram denunciados por participarem de supostos “esquemas de mensalão”. Com tudo isso acontecendo, será que ainda existe possibilidade de fazer renascer a moralidade da política brasileira?
R- No momento atual os indicativos são todos contrários. Essa absolvição no plenário da Câmara Federal de dois parlamentares que haviam sido denunciados pela própria Comissão de Ética daquela Casa são fatos que não nos dão muito alento no que se refere a se promover uma moralização ética e moral agora. Mas essa meta nós temos que perseguir e ser persistentes, redobrando a luta ao apresentar para a população que ela deve ter uma participação bastante ativa. É preciso analisar as circunstâncias que não estão servindo para que tenhamos, em um novo Congresso Nacional, uma situação propícia, onde existirá uma reforma política, respeitando os preceitos morais e éticos.
P- Como o senhor faria uma breve análise sobre o atual quadro da política brasileira?
R- O quadro é muito cinzento, principalmente depois dos últimos acontecimentos. Mas me parece que a população está um pouco mais amadurecida atualmente. Até pela grave crise política que nós vivemos. Eu tenho certeza que, se a população brasileira exercer o seu papel de cidadania ativa, examinando a credibilidade daqueles que se apresentam para o pleito eleitoral, e agindo com total responsabilidade, nós poderemos iniciar um processo de restauração da moralidade pública, colocando o Brasil em um rumo mais adequado. O nosso problema é ético e moral, é econômico e social.
P- Há uma proposta de punição, por parte da OAB, para os parlamentares que forem flagrados em denúncias de corrupção?
R – Nós vamos cobrar do Ministério Público, que o órgão competente para iniciar as ações penais e nós temos certeza que a Procuradoria da República possui elementos convincentes para a abertura de procedimentos criminais. Esses parlamentares estão acabando com o sonho de milhares de brasileiros de ver uma pátria mais justa e mais ética.
P- Outro tema que também é do maior interesse dos sergipanos é a transposição do rio São Francisco. Sabemos que a OAB é contrária ao projeto, mas o governo federal insiste em desenvolvê-la. O que fazer?
R- A Ordem colocou em votação esse projeto de transposição e entendeu pela rejeição do mesmo por vários critérios. A nossa decisão se baseia na proposta aprestada, a qual possui algumas distorções. Por isso somos contra o projeto do governo federal. Há um problema, por exemplo, de transposição sobre terras indígenas, ou seja, sem autorização do Congresso Nacional. Há também problemas relacionados ao impacto ambiental. Outro aspecto é a previsão orçamentária, além de outros 14 pontos que o relator apresentou para o Conselho Federal.
P – O senhor já citou o Poder Legislativo na entrevista, mas falando mais sobre o Judiciário, como o senhor avalia a decisão de se extinguir o nepotismo neste Poder?
R – Foi uma grande vitória essa decisão do STF porque acabou privilegiando dois pontos: o primeiro ao sepultar de vez o nepotismo do Poder Judiciário; o segundo foi a necessidade de se reafirmar a importância de um Controle Externo para o Judiciário, através de um Conselho Nacional de Justiça. A decisão atingiu um câncer que rodava este Poder e agora temos que comemorá-la.
P – Não seria interessante que o nepotismo também fosse extinto dos Poderes Executivo e Legislativo?
R – Não só interessante, como também é necessário. Hoje nós presenciamos um “transnepotismo”, ou seja, pessoas que saíram e que perderam seus cargos no Poder Judiciário e que estão sendo recolhidos por outros poderes. Nós temos que promulgar a Emenda Constitucional 334-B do Congresso Nacional. É preciso acabar com a prática do nepotismo em todos os poderes.
P – E quanto ao racismo? Que ações a OAB apresentaria para combater esse mal?
R – Nós temos que cortar os grilhões do atraso desse País. O Brasil não tem crises étnicas ou religiosas, mas crises sociais que vêm desde as suas origens, como o nepotismo, que vem desde as capitanias hereditárias. O problema do racismo vem de uma abolição de escravatura, de certo ponto, mal resolvida, não totalmente extinta. Eu estou no interior do Ceará e temos a denúncia que funcionários estão recebendo apenas 10% do valor do salário mínimo. Isso é uma verdadeira escravidão, algo com que não podemos ser coniventes. Racismo, trabalho escravo, trabalho infantil e nepotismo é farinha muito ruim para ficar em um mesmo saco e nós temos que sepultá-los definitivamente.
P – Entrando diretamente no Executivo, como o senhor avalia o fraco crescimento econômico apresentado pelo governo federal no ano de 2005?
R – O governo Lula está devendo muito daquilo que ele poderia ter feito. Nós estamos vivendo em um grande bolsão de desenvolvimento social. E o Brasil tem um dos piores índices de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Nós só estamos superando o PIB de países ditos de “quinta categoria” em termos econômicos. É mais uma chance que o País vai perdendo de aprimorar todo o seu potencial econômico, como a distribuição de renda mais justa, por exemplo. O Brasil é está no quadro dos países que mais concentram os seus recursos nas mãos de poucas pessoas.
P – Falando um pouco mais sobre a Ordem, como o senhor avalia o crescimento acentuado dessa constante participação da OAB em movimentos sociais brasileiros?
R – A Ordem cumpre o seu papel histórico. A OAB faz parte da história deste País através de campanhas cívicas e das denúncias das mazelas sociais. Esse comportamento tem sido natural desde o princípio da sua existência. Nós procuramos manter um papel de interlocução com a sociedade civil brasileira. Isso tudo sem interesses políticos partidários ou corporativos. Temos a missão de transformar essa República em uma “verdadeira” República, com o Estado menos privatizado, com mais inclusão social, fazendo um Brasil melhor para as próximas gerações.
P – A OAB em Sergipe inaugurou, na última sexta-feira, a CASA DO ADVOGADO. Há uma previsão de visita do presidente nacional da Ordem aos sergipanos?
R – Eu não tenho condições de ir por enquanto porque o Conselho Federal está reunido em caráter extraordinário nesse final de semana e, ordinariamente, nesta segunda e terça-feira. Estamos iniciando uma semana bastante importante e que exige a presença do presidente nacional em Brasília (DF). Haverá a votação da polêmica regra da verticalização, além da posse do novo ministro do Supremo Tribunal Federal. Neste momento, qualquer atividade proporcionada pela OAB/SE, nós temos o prazer de sermos bem representados pelo secretário geral da Ordem, César Britto, que é sergipano e transmitirá a nossa solidariedade.
P – Durante a sua gestão a frente da OAB, surgiu uma nova proposta para o Exame Nacional da Ordem. Quem proposta foi essa?
R – Recentemente, nós votamos um novo provimento em relação ao Exame Nacional da Ordem. Eliminando algumas dúvidas e, talvez, tornando-o um pouco mais justo para os candidatos. Não nos preocupa em tornar o Exame mais fácil, mas queremos uma proposta mais justa, clara e moderna. Dessa maneira estaremos atendendo aos anseios da população e do jovem brasileiro, que já é vitimado por péssimos cursos de Direito que são ofertados em toda a extensão do Brasil.
P – Por fim, qual a mensagem que o atual presidente nacional da Ordem deixa para os jovens advogados que se formaram recentemente e para aqueles estudantes que sonham em vencer com a Advocacia?
R – A mensagem de que a advocacia é uma profissão diferenciada e belíssima. Existem várias oportunidades para se absorver bons profissionais em todo o Brasil, mas é muito necessário que o jovem faça uma autocrítica do seu curso de Direito. Verifique que está se habilitando não apenas para exercer a advocacia, mas para as outras carreiras que habilitam o bacharelando em Direito. Estamos vivenciando um flagelo dos jovens brasileiros que cursam a faculdade de Direito. Muitos acham que estão se preparando adequadamente para uma profissão e quando conseguem se formar, recebem um papel sem o maior valor. É preciso procurar meios alternativos no ensino do Direito para se aprimorar com Ética, desempenhando com sabedoria a sua relevante função dentro da sociedade.
Conheça um pouco mais sobre Roberto Busato
O advogado parananese Roberto Antônio Busato foi eleito por unanimidade para o cargo de presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, durante o triênio 2004/2007, em substituição a Rubens Approbato Machado. Candidato único, ele recebeu o voto de todas as 27 Seccionais da OAB nos Estados.
Cada seccional tinha direito a um único voto. Exemplificativamente, no Rio Grande do Sul, o novo Conselho Seccional da OAB reuniu-se para uma sessão extraordinária. Foram colhidos 42 votos – 41 para Busatto e um em branco. A ata foi lavrada em seguida e enviada, via fax, para o Conselho Federal em Brasília. O sistema eleitoral da OAB nacional é semelhante ao usado nas eleições presidenciais dos EUA.
Natural de Caçador (SC), mas radicado em Ponta Grossa (PR) desde 1961, Roberto Busato, 51 anos, foi o mais jovem advogado a chegar à presidência da OAB Nacional. Ele é formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Foi, ainda, conselheiro estadual da OAB do Paraná e conselheiro federal por três vezes consecutivas, até chegar a tesoureiro e vice-presidente da entidade. Foi também eleito vice-presidente da Union Ibero-Americana de Colégios y Agrupaciones de Abogados (Uiba), com sede em Madri, para a gestão 2002/2006.