CRÔNICA: O Juri, a Grande Festa
Passagens de vida que jamais se esquece.
No meu MUNUS PUBLICO, e no exercício de minhas atividades funcionais, desempenhadas com destemor, afinco, sobriedade, humildade e probidade (sem falsa modéstia), na casa de MANOEL FERRAZ DE CAMPOS SALLES, ocorreram fatos inolvidáveis.
Nos idos de maio de 1.969, em Miranda, recebo telefonema (já havia uma central telefônica instalada) do emitente e de saudosa memória, mato-grossense ATAIDE MONTEIRO DA SILVA, Chefe do parquet das terras do emérito GERVÁSIO LEITE, tambem de saudosa e respeitosa lembrança, com que aprendi o verdadeiro exercício da advocacia, ainda acadêmico da Faculdade de Direito de Cuiabá, em 1.959, como seu secretário-datilógrafo.
Determinava-me aquele insígne colega de Ministério Público, que fosse a Porto Murtinho participar de um julgamento pelo Tribunal do Júri de um cidadão que necessitava de um pronunciamento do Poder Judiciário, cujo julgamento seria realizado no dia 12 de maio de 1.969.
Assim foi.
Este escriba, o Dr. ALMIR DE OLIVEIRA MOURA, então ilustre Defensor Público de Aquidauana e do eminente Dr. ONÉSIMO NUNES ROCHA, então Juiz de Direito de Aquidauana, hoje Desembargador aposentado de Mato Grosso, e residente em Cuiabá, e que presidiria o julgamento, e aquele respeitado advogado hoje militante em Campo Grande, estaria na defesa.
Em avião de pequeno porte embarcamos de Aquidauana a Porto Murtinho, onde fomos recebidos com toda pompa e circunstância.
Lembro-me, como se fosse hoje, o fato de que o saudoso Prefeito Municipal da linda cidade pantaneira, Luiz Augusto Miranda Codorniz, carinhosamente chamado por LULUCA, houve por bem decretar ponto facultativo nas repartições públicas municipais (primeira surpresa).
A sessão do Tribunal do Juri foi realizada nos salões do prédio onde funcionava a Prefeitura Municipal, hoje imóvel tombado como patrimônio histórico da cidade.
E para nossa surpresa (a segunda), minha, do Dr. ALMIR e do Dr. ONÉSIMO, na praça fronteiriça à Prefeitura Municipal, n’um grande cartaz, hoje chamado de outdoor, havia um enorme anúncio, mais ou menos com estes dizeres :
“HOJE, ÁS 13 HORAS, SENSACIONAL JURI NA PREFEITURA MUNICIPAL.NÃO PERCAM. ENTRADA FRANCA”.
O anúncio já era, para nós, um prenúncio de que a casa estaria lotada.
Dito e feito.
O salão nobre da Prefeitura era pequeno para a multidão que se acotovelava para assistir ao Júri, algo inédito na cidade (terceira surpresa).
Mas outras surpresas estavam ainda por acontecer.
A quarta delas, na verdade, me foi dita, pelo assistente de acusação, o saudoso e querido amigo, DR. CESAR FRÓES, que hoje empresta seu respeitado nome ao edifício do Fórum de Porto Murtinho.
Disse-me com todas as letras que o cidadão em julgamento seria absolvido por 4 a 3.
Mas como, Dr. César, o julgamento ainda nem começou, respondi-lhe.
Eu sei mas, lamentavelmente, este Juri já perdemos.
Não me disse as razões e eu tambem, por respeito a este extraordinário causídico que sempre honrou e dignificou a CASA DE RUI BARBOSA, não lhe perguntei.
Aí o meu entusiasmo ficou seriamente comprometido.
Mas com a jovialidade que Deus me deu e por força de meu ofício, não me arrefeci, pois sustentei com galhardia o libelo acusatório.
De nada adiantou, pois o cidadão foi absolvido por 4 a 3 (quinta surpresa), depois de uma belíssima oratória do Dr CESAR e um excelente trabalho de defesa do Dr. ALMIR que, no decurso de meu entusiasmado discurso acusatório, propositadamente (que me confessou após o julgamento), deu um empurrão com seu lápis no copo cheio d’água a sua frente na bancada da defesa, que indo ao chão fez um barulho enorme, interrompendo momentâneamente a minha fala (sexta surpresa).
Agradecido ficou seu cliente, conhecido cidadão residente na bela Porto Murtinho, que saiu livre na hora e pela porta da frente.
Não me recordo se houve recurso, e nem adiantaria.
Deste júri jamais me esquecerei, mas valeu a pena, pois foi uma experiência profissional extraordinária.
Por derradeiro, peço permissão aos meus dignos leitores para, nesta oportunidade impar homenagear, sob minha ótica, os grandes tribunos do Tribunal do Juri de nosso Estado, dentre eles, o eminente colega, Dr. NELSON TRAD, atualmente honrando e dignificando o parlamento nacional; o saudoso colega e extraordinário orador, Dr. JOSÉ ARCY CARDOSO GONÇALVES; os honrados e respeitados oradores, DR. RICARDO TRAD, DR. RENE SIUFI e o DR. EDIMIR MOREIRA RODRIGUES (meu querido compadre), vibrante e inimitável tribuno pantaneiro, bem assim os então Defensores Públicos, DR. FADEL TAJHER IUNES, meu querido cunhado e irmão, Procurador de Justiça jubilado e o DR. ALMIR DE OLIVEIRA MOURA, extraordinários oradores que fizeram história no parquet mato-grossense e sul-mato-grossense.
Com estes notáveis oradores vivenciei lindos, memoráveis e inesquecíveis embates no Tribunal do Juri.
(*Carlos Bobadilla Garcia é advogado militante em Corumbá)