Discurso proferido pelo Presidente da OAB/MS, Dr. Vladimir Rossi Lourenço, na s
… Senhoras e Senhores Esta é a segunda oportunidade que tenho de me manifestar em nome dos advogados de Mato Grosso do Sul em solenidade de abertura do ano judiciário. Recordo-me de ter demonstrado inquietação quando usei da palavra por ocasião da posse de Sua Excelência Desembargador José Augusto de Souza. Preocupava-me, no início do ano de 2001, o descaso para a regra inserta no artigo 133 da Constituição Federal que estabelece ser o advogado indispensável à administração da justiça. O que presenciei nesse primeiro ano à frente da classe dos advogados afastou de mim aquela inquietação. Não tenho mais nenhuma inquietação. Vejo hoje que a regra da indispensabilidade do advogado para a administração da justiça foi lançada, lamentavelmente, como tantas outras, para as calendas gregas. E os instrumentos utilizados para esse desiderato, para mitigar princípio tão fundamental, não foram apenas leis, decretos e portarias, mas, infelizmente, também ações administrativas. É importante ficar registrado e que se dê ciência à sociedade de que cada lei, cada decisão administrativa tomada no sentido de ampliar a aplicação da justiça sem a presença de advogado trará como resultado lamentável não só a frustração de um novo profissional, dentre tantos que são lançados anualmente no mercado por uma das inúmeras faculdades que vicejaram nos últimos anos neste Estado (com parecer contrário da OAB), mas do próprio jurisdicionado, que não se sente protegido sem a presença de alguém exclusivo para defender seu direito. Não se trata, portanto, de mero discurso corporativista. É sabido por todos que, sem a presença de um advogado, o cidadão não consegue demandar pela integralidade do seu direito. Urge que se dê aplicação à norma constitucional. Senhor Presidente, senhoras e senhores, o advogado é essencial para a distribuição da justiça. Sem ele, não se faz justiça! Pude observar, também, no decorrer do ano, que o referido preceito constitucional, direta ou indiretamente, foi atropelado por ações e omissões que, somadas, aviltaram e aviltam o exercício profissional. São muitos os casos de desrespeito às prerrogativas dos advogados em cartórios, delegacias, salas de audiência… Na medida do possível a Ordem tem buscado a correção dessas irregularidades, mas nem todos reclamam… Senhor Presidente, o excelente relacionamento institucional que firmamos com a atual administração do Tribunal precisa ser estendida para as Comarcas. Não é possível que ainda possa haver servidores da justiça que enxerguem no advogado um estorvo e não lhe dispensem o tratamento garantido por leis, pela Constituição ou, simplesmente, pela amada e boa educação. A sobrecarga de trabalho, reconhecida, não pode servir de pretexto para a afronta. O artigo 6º da lei 8.906/94 (o Estatuto do Advogado e da Cidadania) que determina não existir hierarquia, muito menos subordinação entre advogados, magistrados e membros do ministério público não é um preceito meramente retórico; é imperativo, especialmente quando em sua parte final estabelece “… devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Isso é o que cultivamos; isso nos é garantido; isso é o que exigimos e exigiremos sempre, sem receio de desagradar a quem quer que seja. O advogado respeita e precisa ser respeitado. Senhor Presidente, que no ano vindouro possa eu estar louvando as iniciativas que, estou certo, serão encampadas pelo Tribunal para estancar essa ferida. Torço para que a instalação do novo fórum sirva de ânimo a todos nós, porque precisamos retomar a cordialidade tão necessária para favorecer a prestação eficiente e rápida da justiça. Não me restringirei a cobrar providências para restabelecer o “status quo” do advogado e alertar a sociedade para a crescente privação do nosso campo de atuação profissional. Sabemos que os índices de desemprego não regridem, ao contrário, estão aumentando de maneira preocupante. As atividades informais já não são suficientes para mitigar a fome de milhares de famílias que estão entregues à própria sorte. E porque o problema de falta de emprego não é localizado, seus reflexos se espraiam por toda a sociedade, que assiste de forma impotente ao aumento incontrolável da criminalidade, sofre com a falta de segurança e convive hoje com a vulgarização da violência. Infelizmente temos de admitir que essa realidade não nos deveria causar nenhuma surpresa, vez que é a resposta que nos é dada pela massa de brasileiros que estão marginalizados, vítimas da política de exclusão que não contempla o capital produtivo. Claro que as causas devem ser analisadas e os problemas solucionados. Óbvio que isto não será feito do dia para a noite. Não há, sabemos, soluções mágicas. Entretanto seus efeitos – que se resumem no aumento da violência – devem ser combatidos já, para que a sociedade não se transforme, sem esperança de resgate, em refém da criminalidade. Senhor Governador, sabemos da vossa origem e da preocupação que demonstrais com os desvalidos. É preciso, contudo, que os investimentos do Estado sejam direcionados prioritariamente para programas sociais que objetivem a geração de empregos. Não se pode, porém, deixar de reforçar o aparato da segurança pública. Urgem providências para coibir os constantes assaltos à luz do dia e os seqüestros relâmpagos, que deixaram de ser privilégio das megalópoles para invadir nossa capital. É certo que, tanto mais deixará de existir a violência (em todos os seus níveis), se os administradores públicos acertarem na escolha das prioridades para os gastos públicos. Essa ação de eleger prioridades é fundamental. Diante da escassez de recursos financeiros, e mesmo da necessidade, incensurável, de controlar os gastos, o Estado não consegue mais atender à imensa gama de demandas coletivas. Quando se atua eficazmente no pleno acesso à educação, por exemplo, mais que cumprir com o que pretende a Constituição (que é a igualdade para todos), estar-se-á trabalhando para a diminuição da violência. E assim se passa com relação a todas as políticas sociais. A segurança pública eficaz, é certo, se obtém pela soma de várias ações. A Constituição estabelece, especificamente, que a segurança pública, mais que um direito, é responsabilidade de todos. Responsabilidade entendida, frise-se, como a obrigação de respondermos pelas nossas próprias ações e pelas ações dos outros, tanto assim pelas omissões, às vezes imperceptíveis. A reversão da escalada do crime passa necessariamente pela tomada de consciência da população, que pode e deve transformar a indignação em instrumento que cobre e auxilie o Estado a debelar a violência. Isso só será possível, todavia, se o cidadão observar na postura de quem comanda o Estado uma sinalização positiva de que ações concretas estão e estarão sendo tomadas para a efetiva aplicação das leis, que são muitas. É necessário, para despertar no cidadão esse sentimento cívico de colaboração com as autoridades, a convicção de que há vontade política para reprimir a violência. E o Poder Judiciário tem o papel, importante e fundamental de, a um só tempo, dirimir rapidamente os conflitos e mostrar à sociedade que a certeza da impunidade não tem mais lugar. Todos já percebemos que segurança pública é tema coletivo. A violência, que atinge a todos, só poderá ser aplacada coletivamente. A chamada “segurança privada” está falida e nunca foi mais que um paliativo. Essa deve ser também a nossa retomada de consciência. Não podemos mais assistir prostrados à banalização da vida. Cumpramos a Constituição. A responsabilidade é de todos nós. Que tenhamos um ano de Justiça, com a ajuda de Deus! Muito obrigado.