Editorial: Operação Daslu
O editorial “Operação Daslu” foi publicado na edição de hoje (15) do jornal O Estado de S.Paulo: “Independentemente da comprovação ou não do envolvimento dos proprietários da Daslu na prática de crimes de contrabando, sonegação fiscal e falsidade ideológica, o modo truculento como foram presos pela Polícia Federal (PF) só confirma o que a direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já vinha afirmando desde o início da escalada de invasões de escritórios de advocacia, há quatro meses. Mesmo que as buscas e apreensões sejam feitas com base em mandados devidamente autorizados pela Justiça, o estardalhaço planejado e a truculência despropositada das ações policiais ferem o espírito do Estado de Direito. Por mais graves que sejam as irregularidades suspeitadas nos negócios da Daslu, não havia a menor necessidade de a PF designar para a operação 250 agentes, muitos dos quais entraram fortemente armados numa loja de luxo como se estivessem à procura de terroristas ou narcotraficantes, enquanto outros prendiam, de modo não menos truculento, a proprietária do empreendimento, em sua residência. Diante desse espetáculo, é natural que muita gente esteja convencida de que a Operação Narciso foi motivada por razões basicamente políticas, com o objetivo de desviar os holofotes dos escândalos nos quais o PT está envolvido. Como afirmou ironicamente um parlamentar da oposição, se a PF tivesse usado todo esse aparato e demonstrado a mesma eficiência nas investigações do caso Valdomiro Diniz, em fevereiro de 2004, certamente não teria havido a CPI do “Bingo”. A verdade é que a desproporção entre o aparato de força utilizado pela PF e os delitos de que são acusados os proprietários da Daslu dá a impressão de que essas ações policiais espalhafatosas foram concebidas como marketing eleitoral, permitindo ao presidente Lula apresentar-se como um campeão do combate à corrupção. E, por mais que seu governo esteja vivendo grave crise política, por causa das sucessivas denúncias de desmandos e abusos de vários de seus auxiliares, essa estratégia parece estar dando certo. Como acaba de ser revelado pela última pesquisa do Sensus, a grande maioria da população vê Lula como repressor da corrupção, e não como dirigente omisso ou conivente com irregularidades cometidas por auxiliares. O fato é que a operação da Daslu é mais um episódio de uma preocupante escalada de prepotência da PF que, nos últimos meses, levou à prisão de todos os acionistas controladores da fábrica de cervejas Schincariol e da diretoria do Ibama, em Mato Grosso do Sul. No primeiro caso, qual o sentido de se expor uma empresa e seus proprietários de forma excessiva à mídia? No segundo caso, comprovou-se, mais tarde, que um dos detidos era inocente, o que foi mais uma evidência dos métodos arbitrários da PF. Se ele era apenas suspeito, vivia em local certo e sabido e contra ele havia apenas “indícios”, por que foi preso como criminoso de alta periculosidade, numa operação desnecessariamente espetaculosa? Já nas invasões dos escritórios de advocacia, as operações têm sido realizadas com base em mandados de busca redigidos de forma excessivamente genérica, o que permite à PF apreender todo e qualquer tipo de documento, violando assim o sigilo profissional dos advogados. Antigo presidente do conselho federal da OAB, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao qual a PF está subordinada, baixou há uma semana a Portaria 1.287, disciplinando as buscas e apreensões e determinando que sejam realizadas “de modo discreto, apenas com o emprego dos meios proporcionais, adequados e necessários”. Mas, como os abusos continuaram, com juízes de uma comarca estranhamente autorizando a PF a fazer diligências em outras comarcas, a seccional paulista da OAB impetrou mandado de segurança junto ao STF. O que a OAB reivindica é que os juízes das instâncias inferiores se abstenham de expedir mandados para diligências fora de sua jurisdição, de acolher pedidos de autoridades policiais sem clara indicação dos indiciados ou dos réus e de autorizar operações sem explicitar o tipo de delito a ser investigado. Em outras palavras, o prevalecimento das mais elementares garantias constitucionais, espetacularmente desrespeitadas na operação Daslu”.