Ensino mercantilizado frustra sonho de ascensão social, afirma Cezar Britto
Goiânia (GO) – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, abriu a reunião do Colégio de Presidentes de Conselhos Seccionais da OAB com um discurso convocando a platéia de cerca de 300 advogados, que lotou o auditório da OAB-GO, a refletir sobre o papel da entidade na sociedade. Ele destacou que uma das missões que a sociedade brasileira gostaria de ver cumprida pelos advogados, certamente, seria a oferta de um ensino jurídico de melhor qualidade. “O ensino jurídico precisa deixar de ser uma grande fábrica de mercantilização de sonhos, frustrando os sonhos de ascensão social”, sustentou Britto, observando que nos últimos anos houve aumento de 2.533% no número de inscritos no Exame de Ordem – a prova que habilita o bacharel para o exercício da advocacia e que reprova cerca de 80% dos candidatos, índice atribuído à má qualidade do ensino.
Da abertura do encontro que está sendo realizado na Seccional da OAB-GO, além Cezar Britto e presidentes dos 27 Conselhos Seccionais da OAB, participaram também os demais diretores do Conselho Federal da OAB e os membros honorários vitalícios da entidade, Marcelo Lavenènere Machado, Reginaldo Oscar de Castro e Roberto Busato, além de cerca de 300 advogados convidados.
A seguir, a íntegra do discurso, de improviso, feito pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, na abertura do Colégio de Presidentes de Conselhos Seccionais da entidade:
“Presidente Miguel Cançado (OAB-GO), quero dizer a Vossa Excelência e aos Advogados de Goiás que a força da Ordem está na exata compreensão de que nos somos um todo, somos 600 mil, somos 27 Seccionais, somos 81 Conselheiros Federais, todos, exatamente todos, unidos pelo mesmo objetivo. Não poderia, portanto, o Conselho Federal deixar de aqui estar demonstrando essa unidade, demonstrado essa irmandade, demonstrando que nos somos o que somos porque somos advogados. Em nome de Vossa Excelência saúdo os colegas da mesa, meu Presidente Antônio Oneildo Ferreira que volta à casa do Colégio dos Presidentes depois de anos de ausência, em seu nome saúdo os nobres colegas do Colégio de Presidentes, meus Presidentes Honorários Vitalícios Marcello Lavenère, Reginaldo Oscar de Castro, Roberto Busato, em nome de Vossa Excelência eu saúdo o Conselho Federal. E peço vênia aos meus diretores e aos Conselheiros Federais para registrar que esse é um momento em que a história precisa falar e Vossas Excelências fizeram a história desta Casa. Meus colegas advogados, advogadas, senhoras e senhores, há uma frase que corre solta no Conselho Federal e que foi registrada durante a campanha, que diz mais ou menos assim: “Não basta você querer ser Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil é que deve escolher como deve e quem deve presidi-la”. É esse querer da Ordem que é fundamental, e essa é a reflexão que eu trago para os Presidentes nesse Colégio: o que quer de nós a Ordem dos Advogados do Brasil? Qual o papel que nos vamos desenvolver nesses três anos? Nós temos aqui a história, por isso ressaltei os nossos três Presidentes. A Ordem no passado quis que nos saíssemos a luta para que a corrupção fosse afastada e com ela fosse o seu representante, um Presidente da República. Quis a história da Ordem no passado que nós nos organizássemos e fizéssemos campanha pela ética, que nós resistíssemos, como fez Vossa Excelência Presidente Busato, todas aquelas tentativas de subordinar a Ordem ao controle do Estado. Mas o que quer a Ordem de nós agora, dirigentes e colegas advogados? Esse é o grande dilema e esse é o debate que nos vamos começar a partir de hoje. Será que a Ordem quer de nós que nós mudemos a face do Brasil através de sua reforma principal, que é a reforma política, como já apresentamos ao Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, junto com várias unidades, mostrando a todos os brasileiros que não se pode confundir política com politicagem. Que política é fundamental para a vida. Que nós não podemos abandonar a esperança de um Brasil melhor através do fortalecimento da política. Será que é isso que a Ordem quer de nós? Que nós vamos a rua exigir essa reforma política. Que devolva ao cidadão a possibilidade decidir os destinos da nação, com o referendo, com permissito, lei de iniciativa popular, para que possamos cassar o mandato daqueles que se mostraram infiéis no curso da sua ação. É possível que seja isso que queira a Ordem de nós. Será que também quer a Ordem de nós, advogados e dirigentes, que possamos fazer a nossa parte, exigindo a profissionalização melhor, uma qualidade melhor do nosso serviço, exigindo ética, praticando ética, e aí o Presidente Ercilio bem colocou que nós estamos o tempo todo cortando na nossa carne, aliás nesta gestão, Toron muito bem sabe que é presidente da Câmara, nós executamos a decisão de criarmos três Turmas para julgarmos rápida e eficazmente os advogados que cometeram deslizes, aliás respeitando sempre, como deveria ser, o direito de defesa. Será que é isso que quer de nós? Aliás, tema do debate de amanha, a necessidade da profissionalização da Casa, o exemplo que devemos dar para os advogados e para a sociedade. Será que é isso? Será que se quer de nós que nós melhoremos o ensino jurídico, deixando de ser uma grande fábrica de mercantilização de sonhos, nós temos hoje mais de mil instituições de direito, mais especificamente, mil e quarenta e seis instituições de direito, que fez resultar em oito anos um aumento de 2.533% de inscritos no exame de ordem. Que mercantilizam o sonho de ascensão social, prometendo através do saber que se tenham um lugar, um espaço ao sol, e não se consegue porque se percebe depois que foi frustrado por um ensino mercantilizado. Será que é isso que quer de nós a Ordem dos Advogados do Brasil? Essa intervenção clara nesse momento de formação, de esperança ainda, e demos um basta, por isso que aqui estava convidado o Ministro Fernando Haddad, da Educação, já atendendo parte das nossas reivindicações, já em fevereiro alterou todo o curso da história da criação dos cursos de Direito. Hoje o parecer da Ordem tem um poder maior, mas é preciso que nós também façamos a nossa parte, e Adilson Gurgel, como Presidente da Comissão de Ensino Jurídico, sabe bem disso. Nós temos também que trabalharmos mais com a fiscalização mais eficiente, numa coragem mais pública e rejeitarmos as pressões que caem sobre nós. Será que é isso? Essa é a nossa tarefa e essa é a pauta que nós vamos discutir. Será que querem de nós um exame de ordem, não com a função de exclusão, mas com a função de orientação, e por isso que ele tem que ser, na nossa visão, unificado, para que tenhamos um diagnóstico de ensino jurídico nacional, para se sirva para todas as instituições de ensino numa tarefa comparativa, saber o que está melhor, onde está melhor, para que possa melhorar. Para que nossos estudantes, nossos acadêmicos saibam as faculdades que são caça-níqueis e aquelas que são efetivamente boas. É por isso que nós estamos aperfeiçoando e trazendo esse debate o tempo todo. Talvez seja isso que queiram de nós nesse mandato. Mas pode ser mais, porque a Ordem tem uma capilaridade, uma diversidade que combina com a cara da sociedade, porque nós somos a sociedade e a sociedade é plural. Talvez queiram de nós tudo isso e mais que isso, e essa é a diferença de nós todos, nós nos dedicamos voluntariamente, sem remuneração, ao serviço da cidadania. E talvez seja isso que querem de nós. Mas eu tenho certeza, não tenho dúvida nenhuma, que uma tarefa querem de nós, e aí Srs. Presidentes, nós não podemos ceder. O mundo todo, inclusive o Brasil, está a debater uma posição clara do seu cidadão, que nós devemos fazer para combater o crime. Qual a melhor forma de acabarmos com essa violência que cometem diariamente contra a cidadania. Será que devemos adotar, como está se adotando nos países tidos como democráticos, um estado policial em que tudo pode para se combater o terror? Em que se pode, para combater o terror, autorizar os policiais, como está se fazendo nos Estados Unidos, a prender qualquer cidadão do mundo, em qualquer lugar do mundo, mesmo fora do território americano, prendê-lo e levá-lo para uma base escondida do mundo e lá se diga que esse cidadão não tem direito a advogado, que esse cidadão não tem direito a falar com sua família, e que ele pode ser torturado, porque vale qualquer tipo de método investigativo, de obtenção de confissão a título de combater o crime e de combater o terror. Será que essa opção que o mundo está fazendo é correta? Será que a opção de matar sem perguntar porque, como fizeram com um brasileiro na Inglaterra, é a solução correta? E lá aplaudiram, lá não pediram desculpa, lá reconheceram que se podia fazer qualquer coisa para combater o crime. É essa opção que nós vamos fazer? É isso que quer de nós a sociedade? É isso que quer de nós a história? É isso que quer de nós a OAB? Aplaudirmos esse tipo de ação, e isso eu não tenho dúvida, nós fomos obrigados, por força de uma Constituição Federal, que se chama Cidadã, a dizer qual o lado que nós estamos. A Constituição Federal ali estabeleceu expressamente que a atividade do advogado não é uma atividade corporativa, que a atividade da Ordem dos Advogados do Brasil não é de proteger tão somente o seu umbigo, mas de defender a sociedade e defender aquilo que a Constituição diz expressamente, que nós somos um estado democrático de direito. E Direito é a palavra que nós usamos, é o nosso respirar, é o nosso pensar e agir diário. E é isso que a Constituição, eu não tenho dúvida, e a Ordem quer de nós. Que nós dissemos a todos, que mesmo com o receio de desagradar momentaneamente uma multidão, mesmo com o risco de desagradar, como parece às vezes acontecer, e meu Vice-Presidente disse que recebeu um e-mail, como nós estamos recebendo o tempo todo, achar que nós somos coniventes com a corrupção. Mesmo com esse risco, mesmo de parecermos que nós não queremos combater a corrupção, mesmo com esse risco, e é isso que diz o nosso estatuto, nada pode impedir o advogado de fazer cumprir o que quer a Constituição, fazer do Brasil um estado democrático de direito. E é o estado democrático de direito aquele que prende um cidadão, faz uma condenação pública, transfere para uma unidade policial e diz a esse cidadão: você não direito a falar com advogado, você não tem direito de saber porque está sendo acusado, somente a conta-gotas, na medida em que se quer. Esse é um estado democrático de direito? Nós devemos concordar com isso? Mesmo com receio de sermos chamados de coniventes com o crime, não tenho dúvida que a Ordem quer de nós uma ação mais positiva. Quer de nós essa definição clara, nós somos um Brasil democrático e democrático de direito. E é por isso que, nesta gestão, estamos buscando honrar a história construída por Vossas Excelências que nos antecederam. Tão logo o estado foi atacado nós reagimos, ingressamos com pedido no Supremo Tribunal Federal para que fosse garantida a liberdade de atuação daquele profissional que por força da Constituição Federal é encarregado de defender o direito da cidadania. Mais que isso, registramos denúncia formal no Ministério da Justiça condenando esse ataque às prerrogativas da cidadania de serem bem defendidas. Avançamos ainda, ontem mesmo, entramos com habeas corpus contra o Ministro do Supremo Tribunal Federal que ousou dizer que nós advogados, quando defendemos nossos clientes, vazamos informações para a imprensa, e manda instaurar um processo contra a advocacia, deslembrando ou esquecendo quem tem feito esses vazamentos ilícitos para condenações morais irrevogáveis. Nós não tivemos dúvida quando ingressamos com habeas corpus, porque é isso que a Ordem quer de nós. Esse Colégio de Presidentes dará todas essas respostas que a sociedade está a cobrar, todas as respostas que a advocacia está a exigir de nós, dirigentes. E eu não tenho dúvida, Miguel Cançado, assim como iniciei que a nossa força está na unidade, a nossa força está na compreensão de que nós não somos partidos políticos, a nossa força está na compreensão de que nós não somos de direita ou de esquerda, a nossa força está na compreensão de que nos somos os defensores da liberdade, os defensores da igualdade, os defensores da fraternidade, os defensores do estado democrático de direito. Mais uma vez eu não tenho dúvida que a história nascerá e renascerá ativa, altiva desse Colégio de Goiânia. Aliás, Miguel Cançado, já começamos vencedores quando escolhemos Goiânia, mostrando que nós não nos acovardamos, a palavra covardia não combina e não combinará jamais com o nome da advocacia. É com muita honra, e disse assim no inicio, que eu abri esse Colégio de Presidentes e tenho certeza que com muita honra eu encerrarei. Muito Obrigado”.