Impedimento do art. 30, inc. I, do Estatuto da OAB
Inaplicabilidade, aos Empregados das Empresas Públicas e das Sociedades de Economia Mista, do impedimento quanto ao exercício da advocacia contra Entes de Direito Público. Dênerson Dias Rosa Os Conselhos Seccionais da OAB em todo o Brasil, bem como o Conselho Federal, ao tratarem da questão de Inscrição, na Ordem dos Advogados do Brasil, de empregados de empresa pública ou de sociedade de economia mista, vem manifestando entendimento de ser a estes aplicável o impedimento existente no art. 30, inc. I do Estatuto da OAB, Lei n.º 8.906/94, quanto ao exercício da advocacia contra a Fazenda Pública que os remunere, ou à qual esteja vinculada sua entidade empregadora. Nesse sentido, transcreve-se Ementa do Conselho Federal da OAB. EMPREGADO DE SOCIEDADE MISTA. CHEFIA DO DEPARTAMENTO JURÍDICO. IMPEDIMENTO. “Pedido de cancelamento da anotação de impedimento estatuído no artigo 30, I, da lei n.º 8.906/94. Advogado empregado da TELESC exercendo a chefia do departamento jurídico daquela empresa criada por lei estadual como sociedade de economia mista, com participação acionária da TELEBRÁS, vinculada ao governo federal e governo estadual. Imperiosa a anotação do impedimento previsto no art. 30, inciso I da Lei n.º 8.906/94. Negado provimento ao recurso.” (Processo n.º 005.134/97/PCA-SC, Rel. Heitor Regina, j. 20.10.97, DJ 05.00.97, p.56922) Esse impedimento, quanto ao exercício da advocacia, por parte dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, em desfavor de entes de direito público, tem sua origem na Lei n.º 4.215/63, Estatuto da OAB, hoje revogada, que dispunha, em seu art. 85, inc. VI, que “são impedidos de exercer a advocacia, mesmo em causa própria, os servidores públicos, inclusive do magistério, de autarquias e entidades paraestatais, e empregados de sociedade de economia mista, contra as pessoas de direito público em geral”. A priori, quando comparados o anterior e o atual Estatutos, a questão apresenta-se clara no sentido de não ser este impedimento extensivo aos empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista, os denominados “empregados públicos”, posto que o Estatuto da OAB ora em vigor, Lei n.º 8.906/94, ao tratar-se dessa matéria, em seu art. 30, inc. I, absteve-se de fazer qualquer menção, direta ou indireta, a empregados públicos, prescrevendo tão somente que “são impedidos de exercer a advocacia os servidores da administração direta, indireta ou fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere, ou à qual seja vinculada a entidade empregadora”. Todavia, há os que defendem que mesmo inexistindo qualquer menção expressa a “empregados públicos”, o impedimento contido no art. 30, inc. I, da Lei n.º 8.906/94, estende-se a estes, visto que neste diploma legal teria sido utilizado o termo “servidor público” em seu sentido lato, abrangendo também, por conseguinte, os “empregados públicos”. O termo “servidor público”, em seu sentido lato, abrange todos aqueles que prestam serviços públicos, sejam funcionários da Administração, tanto direta como indireta, sejam funcionários de empresas, públicas e privadas, concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. A manter-se o entendimento de que a terminologia “servidor público”, tal como adotada no Estatuto da OAB, deva ser interpretada em seu sentido lato, encontrariam-se impedidos de advogar contra a União não somente os empregados públicos, mas também os empregados de todas as empresas privadas que, sob a forma de concessão ou permissão, explorem serviços públicos, tais como as empresas de telecomunicações, de transporte, dentre outras mais. Contudo, quando analisado sob a ótica sistemática, também apresenta-se carecedor de consistência o entendimento de que, no Estatuto da OAB o termo “servidor público” deva ser interpretado em seu sentido lato. Em toda a legislação brasileira, o termo servidor público é utilizado em seu sentido strito. Verifica-se que quando determinada norma legal refere-se a “servidor público”, este abrange tão-somente a categoria de “agentes administrativos”. A própria Constituição Federal de 1988, segundo ensina José Afonso da Silva, ao tratar de “servidores públicos”, determinou a abrangência do termo, caracterizando como tais tão-somente os “agentes administrativos”. Fazendo de “agente administrativo” e “servidor público” expressões sinônimas perante o teor do Texto Constitucional. Sobre o conceito constitucional de “servidor público”, Sérgio de Andréa Ferreira nos posiciona que “A CF emprega a designação de servidores públicos civis para rotular pessoas físicas, titulares de cargos, empregos e funções na administração direta, autárquica e fundacional (Cf. art. 39); e servidores públicos militares os integrantes das instituições de defesa nacional, que são as forças armadas, e das organizações militares estaduais de segurança pública e de defesa civil (art. 42). Os empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista, ocupantes de empregos nessas entidades, e seus dirigentes (administradores e conselheiros) constituem conjunto à parte; os primeiros, com regime obrigacional e trabalhista idêntico ao das empresas privadas, consoante o disposto no art. 173, 1º, da CF, embora com incidência do direito público, como se lê nos incisos XVI e XVII do art. 37”. Segundo Parecer JCF n.º 18/93, da Consultoria-Geral da República, “… Temos, em síntese, que a expressão servidor público substituiu a antiga denominação de funcionário público e, a partir da Constituição de 1988, passou a ser sua equivalente. Não é adequada para designar empregados de empresas públicas ou de sociedades de economia mista, regidos pela legislação do trabalho, nem deve a eles aplicar-se”. Prolatando mesmo entendimento, José Cretella Jr. trata da definição de servidor público como “…todo aquele vinculado à Administração direta ou autárquica, desempenhando serviço não eventual, de natureza profissional. O art. 37 da Constituição de 5 de outubro de 1988 alude a servidor”, enquanto Hely Lopes Meirelles, no sentido de que não se confundem as figuras de “servidor público” e “empregado público”, manifestou-se que “O pessoal da empresa pública – dirigentes e empregados – embora não seja servidor público, incorre sempre na vedação constitucional de acumulação remunerada de cargos, funções e empregos (art. 37, XVII)”. Quanto à distinção entre “servidor público” e “empregado público”, transcreve-se algumas decisões de Tribunais Pátrios. “Sociedade de Economia Mista. Qualificação jurídica dos prestadores de serviços. As sociedades de economia mista, embora integrando a Administração Pública indireta, são pessoas jurídicas de direito privado. Os respectivos prestadores de serviços não são servidores públicos, nem, com maior razão, funcionários públicos. São empregados e a relação jurídica que os aproxima da tomadora dos serviços, tornando-os titulares de direitos e detentores de obrigações, é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho”. (TST, Pleno, Proc E-RR 5564/82, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 22.08.86) “O empregado de sociedade de economia mista não é servidor público e, via de conseqüência, não faz jus à estabilidade prevista no art. 15 da Lei n.º 7.773/89. Recurso de Revista provido para julgar improcedente o pedido inicial”. (TST, 1º T. RR 11248/90, Rel Min. Fernando Vilar, DJ 99/91) Havendo situações nas quais determinado comando legal direcionado para servidores públicos deva ter aplicabilidade também aos empregados públicos, o mesmo se faz por meio de expressa previsão de que, para os efeitos daquela norma, adota-se o significado abrangente do termo servidor. Utilizam-se para tanto expressões tais como: equipara-se a servidor público o empregado público, estende-se…, define-se…, considera-se…. etc, ou então se direciona o comando legal, tal como ocorreu na Lei n.º 4.215/63, tanto para “servidores públicos” como para “empregados públicos”. Discorrendo sobre a extensão do alcance de termos jurídicos, leciona João de Lima Teixeira Filho que “as disposições excepcionais são estabelecidas, por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem alem dos casos e tempos que designam expressamente… Eros Rogério Grau denomina tais extensões ou ficções jurídicas de “conceito estipulado”. Quando o legislador deseja a aplicação, de norma editada, tanto a servidor público propriamente dito, como aos empregados de empresa pública e sociedade de economia mista, ele esclarece, explicitamente, que, para os efeitos da lei, a expressão “servidor público” compreende os aludidos empregados. Esclarece, porque, se não o fizer, a norma não se aplicará a tais empregados. Isso corresponde – diz o precitado autor – a um “conceito estipulado”, diverso e mais amplo do que o conceito doutrinário de servidor público, de modo a abranger em si os empregados das sociedades de economia mista e das empresas públicas”. No Parecer JCF n.º 18/93, da Consultoria-Geral da República, lê-se que “Excepcionalmente, os empregados das referidas empresas do setor público podem ser equiparadas e são equiparadas aos servidores públicos, mas só quando a lei o diz expressamente e apenas para os efeitos ali previstos, como, por exemplo, nas hipóteses de acumulação de cargos e responsabilidade penal”. Por conseguinte, para direcionar aos “empregados públicos” a terminologia “servidor público”, é necessário que a própria norma de forma expressa determine que seja dada, ao termo “servidor público”, maior abrangência do que conceitualmente ele possui, o que confirma que, quando da utilização desse termo de forma isolada, encontram-se alcançados tão-somente os “agentes administrativos”, nunca os “empregados públicos”. Não se verifica no atual estatuto da OAB nem uma nem outra situação, posto que o comando normativo não é direcionado expressamente aos empregados públicos e nem sequer se fez qualquer menção de que, para os efeitos de impedimento do art. 30, inc. I, equipara-se a “servidor público” o empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista. Concluindo, analisa-se agora a parte final do inc. I do art. 30, da Lei n.º 8.906/94, que dispõe sobre o impedimento de que o servidor público exerça a advocacia contra a Fazenda Pública que o remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora”. Como regra, os “servidores públicos” que exercem cargos públicos em autarquias e fundações públicas não recebem remuneração da Fazenda Pública (da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme o caso), mas da autarquia ou fundação pública na qual desempenhe suas atribuições. Mas o impedimento destes servidores de autarquias e fundações públicas não ocorre em virtude de receberem sua remuneração da Fazenda Pública, mas sim em função de serem “servidores públicos”, de exercerem suas atividades vinculados a um ente de direito público e, independentemente de sua remuneração ser provinda diretamente da Fazenda Pública, ou da autarquia ou fundação na qual exercem cargo público, encontram-se estes impedidos de exercer a advocacia contra a Fazenda Pública que, direta ou indiretamente, os remunera. Por conseguinte, não se apresenta em perfeita consonância com a sistemática legal vigente no Brasil a interpretação dada, pelos Conselhos Seccionais da OAB em todo o Brasil, bem como o Conselho Federal, ao inc. I do art. 30, inc. I, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n.º 8.906/94, no sentido de nele se incluir os empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista. Dênerson Dias Rosa é Consultor Tributário da Tibúrcio, Peña & Associados S/C e ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás. BIBLIOGRAFIA: SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 15ª edição, 1998, São Paulo. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 21ª edição, 1996, São Paulo. CRETELLA JR., José, Comentários à Constituição de 1988, vol. IV, Editora Forense, 1991, São Paulo. FERREIRA, Sérgio de Andréa Ferreira, Comentários à Constituição, vol. 3, Ed. F. Bastos, 1991. TEIXEIRA FILHO, João de Lima, Instituições de Direito do Trabalho, Ed. LTr, 17ª ed.,1997, São Paulo.