IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.429/92
André L. Borges Netto Advogado constitucionalista em Campo Grande-MS Tem aumentado consideravelmente o ajuizamento de ações de improbidade administrativa pelo Ministério Público. Tese que vem sendo defendida em Juízo diz respeito à inconstitucionalidade formal e material da Lei Federal 8.429/92, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. Passemos a examinar o assunto. Parece mesmo que referida lei está a padecer do sério vício da inconstitucionalidade. É que [n]“[i]inexiste no texto constitucional, dentre as disposições que tratam da distribuição de competências dos entes federados, mormente no art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma autorização à União que lhe outorgue competência legislativa em termos de normas gerais sobre o assunto (improbidade administrativa). Aliás, nem poderia mesmo existir, pois, se se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência privativa de cada ente político. Em suma, se o funcionário é federal, somente lei federal pode impor-lhe sanções pelo seu comportamento irregular; se o funcionário é municipal, somente lei administrativa do Município ao qual está ligado por impor-lhe sanções[/i]”[/n] (TOSHIO MUKAI, “A inconstitucionalidade da lei de improbidade administrativa – Lei Federal nº 8.429/92”, in BDA novembro/99, p. 720). A matéria, como se vê, não é graciosa nem muito menos desprovida de sentido, especialmente porque vem sustentada por um dos mais renomados publicistas do País (mestre e doutor em Direito pela USP e com inúmeras publicações nesta seara). A questão é séria e merece ser acolhida, dado que “qualquer sanção administrativa prevista em lei federal, a ser imposta ao funcionário estadual ou municipal, se aplicada por agente, ainda que competente, ou mesmo pelo juiz, contamina esse ato de absoluta e irrefragável inconstitucionalidade” (TOSHIO MUKAI, ob. cit., p. 720). O que se alega, pois, tem a ver com o regime federativo instalado no Brasil, levando à convicção de que, a título de exemplo, somente mediante previsão de [s]lei estadual[/s] é que pode um [s]agente público estadual[/s] ser punido pela suposta prática de improbidade administrativa. Entendimento em sentido contrário ofenderia dogmas jurídicos altamente prestigiados pela doutrina e acolhidos pela Constituição pátria. Nem se queira alegar que o § 4º do art. 37 da Constituição estaria a autorizar esta séria violação do pacto federativo, pois não é isto que se colhe das previsões superiores da Carta Magna, tal como se vê da formosa lição daquele mestre: [n]“´[i]Não está autorizada, no texto, sob pena de ferir o princípio federativo, a interpretação segundo a qual a lei referida no § 4º do art. 37 seja uma lei federal, de âmbito nacional, como quer a Lei nº 8.429/92. Nesse sentido, pois, ela é absoluta e flagrantemente inconstitucional[/i]”[/n] (ob. cit., p. 721). Tudo, pois, está a demonstrar ser INCONSTITUCIONAL a Lei Federal 8.429/92, como tal devendo ser declarada, [n]sob pena de desatenção à vontade do legislador constituinte originário, vontade esta que sabidamente deve ser preservada, diante da eficácia do princípio constitucional da SUPREMACIA HIERÁRQUICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS[/n], que vem sendo unanimemente reconhecido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, tal como se vê do seguinte julgado: [n]“[i]A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita, em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma ‘fundamental law’, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado[/i]”[/n] (RTJ 140/954, RE 107.869, Rel. Min. Célio Borja). Como se vê, correto parece ser o acolhimento do que se defende, por uma questão prática e de bom senso, porque [/n]“se uma sentença judicial aplicar as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 a um agente público estadual ou municipal, será inconstitucional, pois não poderia aplicar sanção nenhuma a um agente público municipal…[/n]” (TOSHIO MUKAI, p. 722). Além disso, tenha-se presente que o § 4º do art. 37 da Constituição já indicou quais são as únicas espécies de sanções a serem aplicadas na hipótese de improbidade administrativa. Portanto, [n]”pelo princípio da legalidade constitucional, ao legislador competia tão-só disciplinar a forma e a gradação das penas previstas no texto constitucional; quando acresceu às referidas penas mais três, o fez inconstitucionalmente”[/n] (TOSHIO MUKAI, p. 722). Também não se deve olvidar de outro sério vício da Lei da Improbidade Administrativa, assim revelado por TOSHIO MUKAI: [n]”Ainda, para finalizar, [s]essa mesma lei padece de inconstitucionalidade formal, eis que na sua produção não foi observado o princípio bicameral previsto no art. 65 da Constituição[/s]. “No caso, o Projeto de Lei nº 1.446-B/91, encaminhado à Câmara dos Deputados, foi aprovado por esta casa em 8.10.91 e encaminhado ao Senado Federal na data de 23.10.91. No Senado, o relator, Senador Pedro Simon, deu seu parecer favorável nos termos do substitutivo que ofereceu. Em 3.12.91 o Plenário do Senado vota aprovando o substitutivo, ficando prejudicados o projeto e as emendas. Em 4.12.91 é encaminhando o projeto para revisão da Câmara, nos termos do art. 65 da CF. “Em 18.5.92 o Senado recebe ofício do 1o Secretário da Câmara comunicando a aprovação da emenda do Senado e o encaminhamento dos autógrafos para sanção. “Ocorre que, na Câmara dos Deputados, após esta receber o substitutivo do Senado (em 4.12.91), inicia-se a tramitação em segundo turno com a leitura e publicação do substitutivo do Senado Federal (em 9.12.91). “Em 5.5.92 o Plenário faz votação em turno único, tendo sido apresentados vários destaques no sentido de aproveitar alguns dispositivos do substitutivo do Senado (14, precisamente), tendo sido este rejeitado pela Câmara do Deputados em 5.5.92, ressalvados os destaques. Houve aprovação em globo dos destaques. “Em 5.5.92 o Plenário aprova a redação final oferecida pelo relator, Deputado Nilson Gibson. Em 15.5.92 a Mesa da Câmara oficia ao Senado Federal comunicando a aprovação das emendas daquela casa e a remessa para sanção. Em 27.5.92, a Mesa Diretoria oficia ao Senado Federal, em entendimento ao ofício de 15.5.92, comunicando que, na verdade, houve a rejeição do substitutivo daquela casa, com aprovação de 14 (quatorze) dispositivos destacados da proposição. “Em 14.5.92 a Mesa Diretoria houvera remetido para sanção o projeto aprovado através da Mensagem nº 5.92. “Em 10.6.92 a Mesa Diretora oficia ao Senado encaminhando autógrafo do projeto sancionado. “Ora, se a Lei n 8.429/92 contém 24 (vinte e quatro) artigos, pergunta-se: de onde surgiram os 10 (dez) artigos ? Evidente que se não vieram do substitutivo do Senado, só podem ter vindo do projeto original (nº 1.446-E), que já havia sido rejeitado pelo Senado. “E nessas condições, dessa última votação da Câmara dos Deputados resultou, na verdade, um projeto aprovado, que , por isso mesmo, em obediência ao disposto no art. 65 da CF, deveria ter sido submetido à apreciação do Senado. “Mas, como vimos, já mesmo antes da comunicação ao Senado da rejeição, pela Câmara, do seu substitutivo (o que se deu em 27.5.92), ou seja, em 14.5.92, o projeto final aprovado pela Câmara seguiu direto para sanção. “Eis a inconstitucionalidade da Lei nº 8.429/92, que, em sua formação, não observou o princípio da bicameralidade”[/n] (ob. cit., p. 192). Por tais razões, até via controle difuso de constitucionalidade das leis (= [i]modalidade de fiscalização da validade de atos normativos exercido por qualquer órgão judicial, no curso de processo de sua competência e cuja decisão tem o condão, apenas, de afastar a incidência da norma viciada[/i], cf. GILMAR FERREIRA MENDES, “Controle de Constitucionalidade”, Ed. Saraiva, 1990, p. 202), parece correto esperar que a tese ora defendida venha a ser acolhida, dado ser esta, pelo menos, uma das interpretações razoáveis a serem admitidas para o tema.