INCIDE IMPOSTO DE RENDA SOBRE VERBAS DE NATUREZA INDENIZATÓRIA, TAL COMO SE DÁ
André L. Borges Netto Advogado constitucionalista em Campo Grande-MS Mestre e doutorando em Direito Constitucional (PUC/SP) A Receita Federal tem exigido o recolhimento de Imposto de Renda sobre os valores recebidos pelos parlamentares a título de Ajuda de Custo (que é paga pelo Parlamento, sendo que, tal como ocorre no Congresso Nacional, a mesma tem por finalidade compensar despesas com transporte e outras imprescindíveis para o comparecimento às sessões legislativas ordinárias ou às sessões legislativas extraordinárias). Parece-nos que nada é devido por aqueles parlamentares a título de imposto de renda supostamente incidente sobre a ajuda de custo quitada pelas Assembléias Legislativas Estaduais, razão pela qual se deve impugnar eventuais Autos de Infração, resistindo-se até mesmo na esfera judicial. Isto deve ser assim porque a ajuda de custo é caracterizada, pela melhor e mais autorizada doutrina do Direito Administrativo, como parcela de natureza indenizatória. É isto o que se vê (apenas para citar um só exemplo de muitos que poderiam ser revelados) da obra do respeitado HELY LOPES MEIRELLES, que inclui o valor da ajuda de custo, das diárias, gastos de transporte e presença em sessão extraordinária, dentre aquelas verbas que possuem nítida NATUREZA INDENIZATÓRIA (conf. “Direito Administrativo Brasileiro”, Ed. Malheiros, 2000, 25ª ed., p. 434). Tanto isto é correto que o próprio Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei Federal nº 8.112/90), estabelece que CONSTITUI INDENIZAÇÃO AO SERVIDOR PÚBLICO, ALÉM DAS DIÁRIAS E DAS DESPESAS COM TRANSPORTE, O VALOR PAGO A TÍTULO DE AJUDA DE CUSTO (art. 51, inciso I), como que a revelar aquilo que a doutrina já vem colocando em destaque há largo espaço de tempo. Ora, se a ajuda de custo possui caráter indenizatório, claro deve restar que o seu valor não pode servir de base de cálculo para o imposto de renda, porque referida aquisição de disponibilidade não representa, de forma alguma, acréscimo patrimonial ou renda. É de correntio conhecimento, especialmente dos agentes públicos lotados na Receita Federal, que não é qualquer acréscimo patrimonial que gera a renda, pois este acréscimo momentâneo (tal como no caso da ajuda de custo) pode ser anulado pelo decréscimo futuro das despesas ou gastos necessários para sua obtenção, inclusive não gerando qualquer aquisição de disponibilidade. “Mutatis mutandis”, eis a jurisprudência pertinente sobre o tema: “Tributário. Imposto de renda. Indeferimento de licença-prêmio não gozada por interesse público. Pagamento indenizatório correspondente. A indenização por licença-prêmio não gozada, indeferida por submissão ao interesse público, o correspondente pagamento indenizatório não significa acréscimos patrimoniais ou riqueza nova disponível, mas simples transformação, compensando dano sofrido. O patrimônio da pessoa não aumenta de valor, mas simplesmente é reposto no estado anterior ao advento do gravame a direito adquirido. A doutrina e a jurisprudência, nesse contexto, assentaram que as importâncias recebidas a título de indenização como ocorrente, não constituem renda tributável pelo Imposto de Renda” (Revista do STJ, abril/1196, 97-115). “O pagamento que se faz ao operário dispensado (pela via do incentivo) tem a natureza de ressarcimento e de compensação pela perda do emprego, além de lhe assegurar o capital necessário para a própria manutenção e de sua família, durante certo período, ou, pelo menos, até a consecução de outro trabalho. A indenização auferida, nestas condições, não se erige em renda, na definição legal, tendo dupla finalidade: ressarcir o dano causado e, ao menos em parte, previdenciariamente, propiciar meios para que o empregado despedido enfrente as dificuldades dos primeiros momentos, destinados à procura de emprego ou de outro meio de subsistência. O ‘quantum’ recebido tem feição previdenciária, além da ressarcitória, constituindo, desenganadamente, mera indenização, indene à incidência do tributo” (STJ, REsp 142.274/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 17.09.1998, DJU 08.02.19991, p. 251). ROQUE ANTONIO CARRAZZA, eminente e respeitado tributarista pátrio, tem sustentado, com razão, que: “Por igual modo, a legislação do IR não prevê isenções de indenizações. A razão disto é patente, já que as indenizações não são rendimentos e, nesta medida, refogem à tributação por via de imposto sobre a renda. Não há porque uma lei isentiva federal vir a ocupar-se com o assunto. (…) “Realmente, as indenizações não são rendimentos. Elas apenas recompõem o patrimônio das pessoas. Nelas não há geração de rendas ou acréscimos patrimoniais (proventos) de qualquer espécie. Não há riquezas novas disponíveis, mas reparações, em pecúnia, por perdas de direitos. “Nas indenizações, como é pacífico, há compensação, em pecúnia, por dano sofrido. Noutros termos, o direito ferido é transformado numa quantia de dinheiro. O patrimônio da pessoa lesada não aumenta de valor, mas simplesmente é reposto no estado em que se encontrava antes do advento do gravame. “Portanto, nas indenizações há simples reparações, em pecúnia, por perdas de direitos. Quem indeniza desfaz o dano que causou a terceiro. Recompõe a situação primitiva, anulando os efeitos da lesão jurídica que praticou. “Neste sentido a lição clássica de De Plácio e Silva: ‘Derivado do latim ‘indemnis’ (indene), de que formou no vernáculo o verbo ‘indenizar’ (reparar, recompensar, retribuir), em sentido genérico quer exprimir toda compensação ou retribuição monetária feita por uma pessoa a outrem, para a reembolsar de despesas feitas ou para ressarcir de perdas tidas’ (Vocabulário Jurídico, 3ª ed., 1991, p. 452). “O renomado autor assinala, ainda, que uma pessoa está indene quando ‘foi recompensada com alguma coisa em substituição de outra’ (idem, ibidem, p. 452) e, por isso mesmo, não sofreu nenhuma perda, isto é, saiu livre, sem qualquer prejuízo material ou moral. “Desta ponderação ressai que na indenização inexiste riqueza nova. E, sem riqueza nova, não pode haver incidência do IR ou de qualquer outro imposto de competência residual da União (neste último caso, por ausência de indício de capacidade contributiva, que é o princípio que informa a tributação por meio de impostos). “Logo, as indenizações não são – e nem poderiam ser – tributáveis por meio de IR” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 14ª ed., 2000, p. 568/569). Ainda no mesmo sentido: JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES (“Imposto de Renda – Pressupostos Constitucionais”, Ed. Malheiros, 1997, p. 182) e GISELE LEMKE (“Imposto de Renda – Os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica”, Ed. Dialética, 1998, p. 74). Como se vê, é importante e bem fundamentada a manifestação doutrinária no sentido de que as verbas de natureza indenizatória (tal como se dá com a ajuda de custo) visam simplesmente recompor o patrimônio, não podendo, portanto, serem tidas como um acréscimo a esse mesmo patrimônio, não havendo como fazer incidir o imposto de renda sobre aqueles valores. Terá sido certamente em razão do acerto da tese que se sustenta que houve a edição de duas conhecidas Súmulas a respeito do tema, a saber: “A indenização recebida pela adesão a programa de incentivo à demissão voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda” (STJ , Súmula 215). “Não está sujeita ao imposto de renda a indenização recebida por pessoa jurídica em decorrência de desapropriação amigável ou judicial” (TFR, Súmula 39). De ser observado, também, que sobre o tema o SENADO FEDERAL informou à Assembléia Legislativa Estadual que a sua Administração “entende tratar-se a ajuda de custo de parcela indenizatória. Como a legislação pertinente ao recolhimento do Imposto de Renda concede isenção a verba com este caráter, tal parcela não sofre tributação”. Muito importante é transcrever decisão do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, do seguinte teor: “IRPF – AJUDE DE CUSTO – Os valores recebidos a título de Ajuda de Custo quando condicionados à freqüência nas sessões legislativas não são tributáveis, eis que não se confundem com indenização de ganhos decorrentes de mudança definitiva de local de trabalho que estão acobertados pela isenção. (…) “IRPF – AJUDA DE GABINETE – Os valores recebidos a título de Ajuda de Gabinete, sujeitos à comprovação dos dispêndios e à devolução do montante não consumido, não se enquadras no conceito de renda e, portanto, não alcançados pela tributação” (Processo nº 104.10.000358/98-79, votação unânime da 4ª Câmara). Espera-se que a Receita Federal acolha tais precedentes, importantes para a solução da presente questão, independentemente de qualquer previsão da legislação comum, dado que se está a extrair as considerações retro-expostas diretamente do Texto Constitucional. Assim atuando, estará sendo concretamente aplicada orientação expedido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que “A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita, em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma ‘fundamental law’, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado” (RTJ 140/954, RE 107.869, Rel. Min. Célio Borja). Por que, então, não se dar ao tema uma interpretação mais eficiente quanto ao cumprimento da Constituição, que não admite a tributação da ajuda de custo (bem compreendido, como se está a sustentar, o conceito constitucional de RENDA) ? Em nossa opinião, portanto, a AJUDA DE CUSTO tem natureza indenizatória, não podendo incidir o Imposto de Renda sobre aquela realidade econômica. Convém aguardar o posicionamento da Receita Federal e mesmo do Judiciário, que poderiam muito bem, numa demonstração de independência jurídica e de proteção da Constituição, seguir a seguinte lição de KONRAD HESSE: “Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado” (“A Força Normativa da Constituição”, Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 23).