INCIDÊNCIA DE PIS e COFINS - OBRIGATORIEDADE DA EMISSÃO DE NOTA FISCAL?

Data:

Milena Inês Sivieri Pistori Advogada Especialista em Direito Tributário. Campo Grande/MS. Duas empresas – “A” e “B” – celebraram contrato de forma que seus serviços são pagos sem a obrigatoriedade da emissão de Nota Fiscal, questionando-se se há incidência ou não de PIS e COFINS sobre esses serviços. Primeiramente, urge conceituar os tributos PIS e COFINS para maiores esclarecimentos. PIS (Programa de Integração Social), em síntese, é uma contribuição social, de natureza, pois, evidentemente tributária, incidente sobre a receita bruta da empresa, com fins voltados à seguridade social. COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), igualmente, é uma contribuição social incidente sobre o faturamento da empresa, para o atingimento da seguridade social. A Constituição Federal de 1988, em seu dispositivo 145, elencou expressamente as espécies do gênero tributo, quais sejam: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Certo é também que não devemos nos ater a dispositivo único do Texto Maior, para construirmos, através da interpretação, conceitos jurídicos e deles abstrairmos outras definições, como parece crer que assim o faz ao tratar de contribuições sociais, empréstimos compulsórios e impostos extraordinários em outros dispositivos diversos daquele. Inobstante a Carta Suprema tenha previsto a instituição de contribuições sociais, empréstimos compulsórios e impostos extraordinários sem conferir-lhes, expressamente, natureza jurídica tributária, implicitamente fê-los entender-se desta forma. Assim o é porque os referidos institutos jurídicos enquadram-se perfeitamente no conceito de tributo prescrito no artigo 3º, do Código Tributário Nacional. Ou seja: “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Denota-se, então, que as contribuições sociais, os empréstimos compulsórios e os impostos extraordinários são tributos. Todavia, tributo é o gênero do qual subtraem-se espécies e estas, sim, foram expressamente determinadas pelo legislador constituinte originário ao dispor sobre tal matéria, como supramencionado. Vê-se que, através de um trabalho de interpretação sistemática do texto constitucional, os institutos jurídicos acima têm natureza tributária. Postas as premissas, iniciais, podemos, destarte, concluir que as contribuições sociais, os empréstimos compulsórios e os impostos extraordinários não são espécies do gênero tributo, mas sim subespécies daquele outras já elencadas pela Lei Fundamental. Isto é, esses tributos se subsumem nas espécies impostos, taxas ou contribuições de melhoria, quando, ao serem instituídos, apresentarem vinculação ou não à uma atividade estatal prévia. Desta feita, serão taxas ou contribuições de melhoria, quando o aspecto material da hipótese de incidência da norma jurídica tributária constituir numa atividade do Poder Público, ou seja, para que surja a obrigação tributária é mister que haja, previamente, uma atuação estatal. Serão, a contrario sensu, impostos, quando aquele aspecto material não estiver vinculado a nenhuma atuação estatal prévia. Geraldo Ataliba bem dissecou tal teoria, expondo: “Quanto à natureza, os tributos podem ser classificados em duas grandes espécies, que se distinguem pela radical diversidade de regimes jurídicos a que se submetem. O critério jurídico para esta classificação está na consistência da hipótese de incidência, ou seja, no seu aspecto material.”[1] “(…) o texto constitucional consagra uma determinada classificação e atribui regimes jurídicos diferentes a serem aplicados às espécies tributárias. No próprio texto constitucional estão princípios e regras diferentes, e peculiares, aplicáveis com exclusividade – e relevantes efeitos – às diversas espécies e subespécies de tributos.”[2] (grifamos). Percebe-se que o ilustre jurista consigna espécies e subespécies tributárias prescritas no texto supremo, ressalvando, ainda, as peculiaridades de cada instituto. Porém, isto não implica afirmar que, por possuírem suas características particulares, são, de idêntico jaez, espécies tributárias. No entanto, a corrente doutrinária do aludido jurista não prevalece majoritária no sistema vigente, porquanto a natureza jurídica do tributo será determinada, como aposto no texto fundamental – princípio da tipologia tributária -, pela conjugação do critério material da hipótese de incidência com a respectiva base de cálculo do tributo em questão. De qualquer forma, o critério diferencial será, sempre, a base de cálculo, uma vez que a mesma prevalecer-se-á sobre aquele, em caso de total incompatibilidade de um com o outro. De qualquer forma, as contribuições sociais são verdadeiramente tributos. Há três enfoques para a questão da incidência do PIS e da COFINS, senão vejamos: 1 – Contratos particulares No que pertine à celebração de contrato entre as empresas “A” e “B”, pactuando a não-obrigatoriedade da emissão de Nota Fiscal, quando da prestação de serviços, temos que esse acordo não tem relevância jurídica, no que tange à modificação da responsabilidade tributária, porquanto em desconformidade com o artigo 123, do Código Tributário Nacional, a saber: “Art. 123 Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.” 2 – Formalização da obrigação tributária À luz da Lei Complementar nº 70/91, a base de cálculo da COFINS é o faturamento da empresa, relativo à venda de serviços e mercadorias e venda de serviços, à alíquota de 2%. Ou seja, base de cálculo constitucionalmente prevista, alicerçada nas faturas emitidas pela respectiva empresa. “Faturar significa extrair faturas. E fatura é a relação de mercadorias ou artigos vendidos, como os respectivos preços de venda quantidade e demonstrações acerca de sua qualidade e espécie.”[3] Daí extrai-se que era através da emissão das Notas Fiscais pelas empresas, quando prestavam serviços, que ocorria a incidência da norma jurídica tributária. Contudo, sabemos que a incidência da norma jurídica tributária se dá num mundo de abstração que fazemos ao identificar tal ocorrência, então, entende-se que, embora não haja emissão de Nota Fiscal, ocorre o fenômeno da incidência da norma jurídica sobre o fato, que em seguida prescreverá uma relação jurídica tributária. Entretanto, no mundo jurídico, para que a obrigação tributária se formalize, é mister que a mesma assim o seja através de documentação hábil, para que exista de fato no mundo jurídico. E é justamente desta questão de que nos referimos acima. A contribuição ao PIS era exigida, de igual forma, sobre o faturamento, à alíquota de 0,65%, nos termos da Medida Provisória nº 1.212/95, que foi convertida na Lei nº 9.715/98. Ambas as contribuições supramencionadas tinham como fundamento legal o inciso I do artigo 195 da Carta Maior. Ocorre que, em 27 de novembro de 1998, foi publicada a Lei nº 9.718, que foi, supostamente, resultado da conversão da Medida Provisória nº 1.724/98, que fixou alíquota de 3% sobre a receita bruta da empresa, que passou a atingir os fatos ocorridos a partir do dia 1º de fevereiro de 1999. Com isso, as contribuições PIS e COFINS, com a publicação da Lei nº 9.718/98, deixaram de ter seu fundamento constitucional no inciso I, do seu artigo 195, e passaram a tê-lo no §4º, do mesmo dispositivo legal, que prevê a instituição de outras contribuições, pela União, para custear a Seguridade Social, desde que observado o inciso I, do artigo 154, bem como, em conseqüência, o regime jurídico tributário constitucional. Porém, tal não se deu, haja vista que, como alterou a base de cálculo, prevista no referido dispositivo, instituiu contribuições que não são previstas pela Carta Magna, e que, conseqüentemente, deveriam ser inseridas no mundo jurídico através de lei complementar, bem como respeitar a base de cálculo e/ou fato gerador de impostos já existentes e não serem cumulativas. Na verdade, parece ser inconstitucional referida Lei, porquanto, quando deveria ser Complementar, é Ordinária, quando apresenta base de cálculo própria do Imposto sobre a Renda, e quando apresenta fato gerador (hipótese de incidência) de outros impostos, o ICMS e o ISS. Vê-se, destarte, que o conceito de faturamento não se confunde com receita bruta da empresa. Sucede-se que, com a introdução da Emenda Constitucional nº 20/98 no sistema jurídico vigente, até poderiam ser admitidas constitucionais aludidas contribuições, todavia, uma vez que aquela acrescentou várias outras hipóteses de incidência de contribuições sociais, bem como alargou as previsões de base de cálculo tributárias, a mesma também declina de vício inconstitucional, haja vista ter afetado cláusula pétrea prevista no inciso IV, §4º, do artigo 60 do referido Diploma Legal. Isto porque “a regra-matriz constitucional dos tributos está situada, a nosso ver, no campo das limitações materiais à atuação do poder constituinte derivado. É ela que dá ao contribuinte o direito subjetivo de não ser tributado além da marca.”[4] Em verdade, as contribuições sociais para a Seguridade Social só podem ser cobradas do trabalhador ou empregado de empresas, bem como de empresas, e/ou entidades a estas equiparadas na forma da lei, que sejam empregadoras, haja vista que os demais segurados da Previdência Social não se configuram como verdadeiros sujeitos passivos desta obrigação tributária. Embora o §4º, do artigo 195, da Carta Magna, tenha possibilitado à União instituir outras contribuições sociais, para o custeio da Seguridade Social, expressamente proibiu a instituição de tributos que desrespeitem a disposição constitucional do inciso I, do artigo 154. 3 – Incidência de PIS e COFINS A outra análise, e última, é a de que se incidir PIS sobre o fato jurídico tributário, não poderá, de igual forma, incidir COFINS, uma vez que as bases de cálculo e os critérios materiais de hipótese de incidência de uma e de outra são idênticos, assim não há que se falar em incidência de ambas as contribuições acima num mesmo fato jurídico tributário. Em verdade, entendendo-se que as contribuições sociais são espécies tributárias, poderia-se até admitir, então, que ambas podem incidir sobre um mesmo fato, porque têm finalidades diversas, porém, tal não ocorre, pois que, ao revés, a destinação do produto arrecadado não interessa ao sistema tributário, mas sim ao financeiro segundo os termos do artigo 4º, do Código Tributário Nacional. Afinal, “as contribuições sociais são verdadeiros tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcançar). Podem, pois, revestir a natureza jurídica de imposto ou taxa, conforme as hipóteses de incidência e bases de cálculo que tiverem.”[5] A classificação jurídica dos tributos está atrelada ao próprio ramo do Direito Tributário, o qual refere-se à instituição de normas pertinentes ao nascimento, vida e morte dos tributos. Ou seja, instituição, arrecadação e fiscalização dos mesmos. Tudo o mais que discerne destas atividades, não se refere ao campo do Direito Tributário, assim considerado autonomamente, para fins didáticos, que como já dito na questão de número 1, o direito é uno e incindível. A referida destinação é irrelevante para classificar juridicamente os tributos e definir-lhes as espécies, anotado que solvida a obrigação pelo pagamento (modo de extinção previsto no art. 156, do CTN) desata-se o vínculo entre os sujeitos ativo e passivo, extingüindo-se também, conseqüentemente, a relação jurídica tributária. Daí em diante, o destino do dinheiro arrecadado deve ser cuidado por outros ordenamentos, que não o tributário. Para tanto dispõe a regra do art. 4º, II, do CTN: “(…) sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a destinação legal do produto da sua arrecadação”; valendo posicionar que a vedação de vincular receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, referida no art. 167, IV, da CF, tem natureza orçamentário-financeira, sem qualquer implicação tributária, sobremodo porque, repetindo o argumento, o “campo de especulação do Direito Tributário não se ocupa de momentos ulteriores à extinção do liame fiscal”[6] . Sacha Calmon[7] assevera veementemente: “(…) dos gastos estatais” ocupam-se outros direitos. O que o Soberano, o Príncipe, o Estado enfim, faz ou deixa de fazer com dinheiro arrecadado dos particulares é, para o Direito Tributário, res inter allios e, realmente, não interessa. O destino do tributo, sua aplicação, é mera providência de Tesouraria, como diria o inesquecível Amílcar de Araújo Falcão. ….”. Portanto, essas disposições normativas acima enumeradas correspondem à seara do Direito Financeiro e não do Direito Tributário, assim considerados autonomamente. Assim, como subespécies de tributo, devem obediência ao regramento jurídico constitucional tributário. [1] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1990. ed.5. p. 109. [2] Ibidem, p. 110. [3] BALERA, Wagner. PLÁCIDO E SILVA. Revista Justiça Tributária. p. 812. [4] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 1999. ed.13. p. 398. [5] Ibidem. p. 389. [6] Ob. cit. p. 17. [7] In ob. cit. p. 305.