Judiciário da era das comunicações
Artigo reproduzido do jornal Folha de S. Paulo, edição de 15/02/2003, seção Letras Jurídicas, por Walter Ceneviva, colunista. “O Poder Judiciário, na era da comunicação geral e instantânea,… passa pela avaliação nova (posto que não a havia) da grande massa da população brasileira, na qual está sua clientela.” Escrevi as palavras entre aspas há mais de dez anos, em um ensaio para o livro “O Judiciário e a Constituição”, coordenado pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Saraiva, 326 páginas). Dois comentários divulgados nesta Folha, um de Rubens Approbato Machado, presidente do Conselho Federal da OAB, no dia 31 de dezembro, e outro, meu, há duas semanas, sugerem a reapreciação do assunto. Approbato, considerando a suposta participação de magistrados em eventos da chamada Operação Diamante, acentuou a importância de preservar a respeitabilidade do Judiciário e reclamou severa apuração dos fatos noticiados, resguardado o direito à ampla defesa e ao contraditório. Sugeriu que os acusados se afastassem de seus cargos para permitir maior clareza nas apurações. Na sessão da Corte Especial do STJ do dia 5 de fevereiro, o ministro Franciulli Netto requereu que se consignasse em ata sua integral concordância com Approbato, conforme nota à imprensa, pedindo apuração rigorosa e justa. Em outros tempos, o assunto morreria na discrição dos tribunais. Não mais. O STJ também distribuiu nota informando a transcrição em ata do pedido de Franciulli e a criação de comissão, a pedido do ministro Vicente Leal, para apurar as denúncias. Espera-se verificação interna seguida de relatório preciso e pormenorizado, atento aos elementos colhidos, fora do Judiciário, pela polícia, pelo Legislativo e pelo Ministério Público. É evidente que as manifestações de Approbato e Franciulli merecem apoio, pois querem o prestígio e não o desprestígio do Judiciário, o que só será alcançável com o rigor das apurações interna e externa, preservado o direito constitucional dos acusados. O segundo caso nada tem a ver com o primeiro, a não ser pela divulgação de carta enviada à Folha pelo desembargador Sergio Augusto Nigro Conceição, contestando avaliação minha, quando tratei do Judiciário paulista. A carta despertou até mais atenção que minha análise, o que é natural, porque o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo deu um passo à frente: comunicou-se com seus jurisdicionados. A comunidade jurídica, com a correspondência publicada, conheceu a posição do TJ, fato importante por si mesmo, independentemente de saber quem tem razão. Assim é porque a autoridade com assento em tribunal ou o ocupante de cargo em associação de classe tem o dever de manifestar sua opinião ou avaliar a opinião alheia sobre as questões institucionais da Justiça oficial, concordando ou discordando. O mutismo antigo não se justifica mais, não apenas nos momentos de crise, mas sempre. A condição de magistrado em seu tribunal ou em suas associações de classe na era da comunicação eletrônica é incompatível com o silêncio, mas, ao reverso, tanto recomenda o rigor da apuração de supostas falhas, apontadas na mídia, quanto o esclarecimento da cidadania, quando a informação pareça incorreta ou insuficiente. A carta de Sergio Nigro mostra a magistratura atenta ao dever de prestar contas, de esclarecer críticas. As anotações de Approbato e Franciulli evidenciam o imperativo da nova transparência para o povo. Os meios de comunicação, por seu lado, são indispensáveis para a garantia da democracia e das liberdades públicas, mas não podem julgar e condenar pessoas acusadas, antes que termine, como disse Franciulli, a apuração rigorosa e justa. Os direitos e obrigações são para todos.