Judiciário expande poder legislativo do Poder Executivo

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Embora as medidas provisórias sejam relevantes e urgentes, o governo que as edita pode desistir delas. Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (4/9), ao negar liminar na ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo PSDB e PFL, contra a Medida Provisória 128/03. A MP 128 revogou a MP 124/03, que trata do quadro de pessoal da Agência Nacional das Águas (Ana). Os dez ministros presentes na sessão decidiram, por nove votos a um, que é constitucional uma medida provisória revogar uma outra em tramitação no Congresso Nacional. O objetivo dos partidos era impedir a votação da proposta de reforma tributária do governo na Câmara dos Deputados. O ministro Marco Aurélio, única voz discordante, entendeu que a atitude, para atender uma conveniência política ou administrativa, desrespeita a Constituição e o Congresso. “Antes o governo legislava por reedições, agora o fará com revogações”, observou o ministro. Marco Aurélio lembrou que, em vez passada, o STF já negara até mesmo a retirada de uma MP, o que faria da revogação, um ato mais grave, ainda mais reprovável. Como sistemas paralelos, há os casos de ADIs que, uma vez apresentadas no STF, não podem ter desistência, assim como os recursos, depois de iniciado o julgamento. “Depois que uma carta é postada ela passa a pertencer ao destinatário”, observou um advogado que acompanhou o julgamento e discordou do resultado. Na defesa oral feita pelo advogado-geral da União, Álvaro Augusto Costa, ele argumentou que a MP foi revogada para desobstruir a pauta da Câmara dos Deputados e assim permitir a votação da reforma tributária, matéria relevante para o interesse público. Após o julgamento, Costa, disse que a decisão do STF foi “importante do ponto de vista político-constitucional ao fixar parâmetros criteriosos na interpretação das normas constitucionais relativas ao princípio da separação dos Poderes e para o equilíbrio entre eles”. Detalhes A decisão do Supremo acompanhou o voto da relatora, ministra Ellen Gracie. Ao indeferir a liminar pleiteada, ela observou que a contestação de medidas provisórias revogatórias de medidas provisórias anteriormente editadas não é nova no STF. Disse que em 29 de março de 1990, ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade 221, o Supremo apreciou medida provisória que pretendia declarar nulas duas MPs anteriores que haviam sido encaminhadas à apreciação do Congresso. Assim como no entendimento da ministra, os votos dos ministros Moreira Alves e Celso de Mello conduziram à fixação de um entendimento da Corte adotado sobre o assunto, ao julgar que o Executivo não pode retirar medida provisória já apresentada ao Congresso, o que é possível em relação aos projetos de lei. Segundo Ellen Gracie, “a primeira conclusão assentada naquela ocasião foi a de que medida provisória, já porque possui força de lei e eficácia imediata desde a sua publicação não poderia ser “retirada” pelo presidente da República, visto que tal ato importaria num ilegítimo impedimento ao exercício da prerrogativa conferida ao Poder Legislativo de examinar plena e integralmente a medida provisória editada.” A ministra também afirmou não vislumbrar, nesse caso, “pelo menos nesse juízo cautelar, particularidade qualquer que autorize entendimento divergente do firmado pela jurisprudência da Corte. Tal qual nos casos examinados nos precedentes acima mencionados, foi a Medida Provisória anterior, a 124, alcançada pelo ato normativo impugnado, quando ainda em curso o prazo dado ao Congresso para convertê-la ou não em lei, o qual sendo hoje de 60 dias, conforme a modificação introduzida pela Emenda Constitucional 32, somente atingiria o seu termo final no dia 11 de setembro próximo.” O ministro Sepúlveda Pertence destacou que o voto da ministra coincidiu com posição adotada por ele ao negar liminar pleiteada em mandado de segurança (MS 24.643) ajuizado na véspera, para impedir a tramitação da reforma tributária na Câmara. Pertence afirmou não ter dúvidas de que “seria inválida a reedição da medida provisória revogada, na mesma sessão legislativa, tanto quanto o seria a reedição da medida provisória reeditada ou caduca. No sistema vigente, o presidente da República há de optar: Se a pendência da medida provisória anterior obsta a votação de alguma proposição subseqüente. Ou mantém a pauta bloqueada e, assim, inviabiliza a aprovação rápida da proposta subseqüente. Ou revoga a medida provisória, desobstrui.” Para o ministro Carlos Britto, “entender que medida provisória é passível de revogação ou ab-rogação é chamar o feito legislativo à ordem, é restaurar ao Poder Legislativo a sua competência de legislar.” Segundo Nelson Jobim, “o que na verdade está se procurando com essa ADI é prosseguir no processo de obstrução do Congresso Nacional, através de uma decisão que venha a ser tomada pela Câmara.” Em seu voto, Gilmar Mendes destacou que, “neste caso especifico, todavia, nós temos ainda uma situação que é assaz delicada. Além da discussão que envolve políticas públicas em matéria tributária, nós temos a discussão da desvinculação de receitas da União e a prorrogação da CPMF. Nós estamos a falar, portanto, de medidas vitais para o sistema tributário-econômico-financeiro.” Já o ministro Celso de Mello considera lícito, do ponto de vista constitucional, o presidente da República se valer da medida provisória para, mediante este instituto excepcional, revogar outra medida provisória ainda pendente de apreciação pelo Congresso Nacional, mesmo estando a MP sobrestando a pauta de votação de uma das Casas legislativas federais (artigo 62, § 6º, da Constituição Federal). Voto vencido, o ministro Marco Aurélio disse que a Constituição Federal “quer a obstrução”. “Não se pode ter ato do Poder Executivo que obstaculize o crivo pelo Congresso Nacional. Não posso, diante de um preceito que encerra a exceção, que é a revogação, partir para interpretação ampliativa. A única interpretação cabível é a estrita, é o que se contém no mandamento constitucional e no artigo 2º, da Emenda nº 32, relativamente apenas às medidas provisórias pendentes de apreciação para as quais previu-se a revogação”, afirmou. Com informações da AGU e do STF.