Momento Saudade: Sérgio Franzoloso - O Lamento de um Preso
O LAMENTO DE UM PRESO
Na solidão escura de meu cárcere, senti uma vontade louca de escrever. Fechei os olhos, marejados de tristeza e no ádito de minha consciência vislumbrei quantas ansiedades e flagelações povoavam o meu desatino. Ontem, um homem brilhante, inteligente e preparado e hoje, um farrapo andrajoso arremessado na sombria laje da cela, motivado pela peçonha do crime que martiriza minhas horas.
O sofrimento acaricia o meu deserto de desespero e deprime minhas sensações de esperança, embora eu reconheça que o veneno do entorpecente, somado a ignomínia da usura se constituíram na poça de fel que provocou a minha ruína, no entretanto, se me tornei uma criatura desprevenida que o ópio da crueldade enlouqueceu, creio que Cristo, futigado na cruz, saberá entender que sou apenas uma criança de curto entendimento e de sensibilidade enfermiça, que vive percalços da sombra da noite, mas, que na madrugada do novo dia poderá contemplar o Céu como uma renovada chama de esperança para aplacar a falta indesculpável que perpetrei.
Mas, a dor maior que avassala o meu coração é a falta de generosidade do homem, enquanto sobrevivente no meio social, que prefere oprimir o fraco, a estender-lhe a mão, que humilha o companheiro que o vicio ensandece, a dar-lhe a benção como adequada medicação, que censura o irmão desajustado, a auxilia-lo com o verbo do amor, que recrimina os que jazem nos espinheiros do desequilíbrio, a apontar-lhes os caminhos do aprimoramento, na vitória da luz.
E como são falsos os que me julgaram. Verdugos invisíveis, outra coisa não fizeram, se não preparar a perturbação e a discórdia como motivação de minha defesa. Municiados de pérfidas sugestões, à maneira de fera oculta a atirar-se sobre a presa enfraquecida, pisaram nos meus sonhos, com a dureza do bronze e evocaram direitos imaginários, condenando, sem análise todo o passado que construí com minguados valores. Não consegui formular ponderações capazes de provar-lhes que minha mente havia resvalado em aflitiva cegueira e senti na aspereza de seus desmandos, o fantasma da incompreensão e intransigência, através da expressão de uma pena longa, que me fez arrojar no despenhadeiro da delinqüência, associando-me a todos aqueles que se afinam com as vibrações deprimentes, em largas simbioses de desumanidade e loucura, formando o pavoroso inferno do crime.
Os julgadores desconhecem que todos nós viemos da estação infantil para o desempenho de nobre destino, mas, nem todos conseguem se firmar no porto seguro do dever cumprir. No traçado da vida, muitos são submetidos ao mapa de exemplos lamentáveis partidos daqueles de quem esperavam obter diretrizes de aprimoramento interior, enquantos outros, são atirados à tragédia da orfandade, quando mais necessitavam de apoio amigo, juntando-se a muitos que transitam nas ruas, à feição das aves de ninhos desfeitos, largados, sem rumo, à tempestade das paixões subalternas.
Eu represento quase nada no concerto universal da vida, no entretanto, no prurido rouco de minha voz, eu preciso dizer aos julgadores que a justiça precisa ser lógica inspirando o entendimento como necessário socorro aos que tombam vencidos, precisa ser o conforto para aqueles que desanimaram em plena luta, recolhendo-se ao frio da retaguarda, precisa ser o farol que ilumina para aqueles que perderam a fé por falta de vigilância ou que desceram os degraus da criminalidade tomados pelo superlativo do desespero.
No mundo cruel em que vivemos já não é mais possível praticar justiça sem amor. Não adianta mais erguer penitenciarias, reformatórios, manicômios como remédios para isolar o vírus da deliquencia, nem aplacar longas penas para afugentar a criminalidade, sem que haja no santuário do coração dos julgadores, a flama viva da compreensão e do bom senso. O que vejo nestes meus dias de agruras e de enganos, junto a esta massificação carcerária esmagada de aflição é que a justiça aplicada sem amor, é como a terra sem água, convertendo-se em garra de violência.
O que o homem, sobrevivente na sociedade, precisa reconhecer, é que detrás dessas grades, existem histórias desconhecidas que são causas invisíveis de dores e de desagrados e saber que amanhã poderá raiar seu instante de abatimento e de angustia, tornando-o um padecente da estrada da vida reclusa, a quem está reservado, tão somente, uma fonte de lágrimas.