NEPOTISMO MOSTRA A SUA CARA
Carlos Magno Couto é advogado e Conselheiro da OAB/MS No livro de frases, “a bíblia do caos” que reúne impressionante resumo do pensamento de Millôr Fernandes, em contraste a sofisticação e requintada sonoridade da palavra Nepotismo que nem todos conhecem o real significado, consta em linguagem verdadeiramente popular a sua mais fiel tradução:“Nepotismo e coçar/ é questão de começar/assim que um parente mana/ surgem mil para mamar/ Se se contenta Gregório/ Pacheco pede ajutório/ todo preto tem seus brancos/ todo João tem suas Marias/ toda tia seus sobrinhos/ todo sobrinho suas tias/ E somos todos parentes/ no Brasil das mordomias”.A par desta irreverente mas profunda reflexão do pensador acima citado, sinto-me no dever como cidadão, por convicção, e institucionalmente pelo cargo que ocupo na OAB/MS., de defender a proposta de Emenda à Constituição Estadual de combate ao nepotismo, sem a introdução das duas emendas apresentadas. Relativamente a primeira, que prega a redução ao segundo grau de parentesco, ao meu sentir, não guarda meios de prosperar. É que, historicamente, nepotismo significa “autoridade que os sobrinhos e outros parentes do papa exerciam na administração eclesiástica, cf. dicionário Buarque de Holanda Ferreira, Editora Nova Fronteira.Ora, como então, admitir-se discutir uma proposta de Emenda Constitucional que engloba discussão sobre Nepotismo, se esta não alcançará aqueles parentes (leia-se sobrinhos) que deram causa ao surgimento deste favoritismo entre parentes até 3º grau. A título de prevenção, alerto para que ninguém imagine que nepotismo seja criação de papas eruditos e humanistas, mas de papas déspotas e tiranos da Idade Média, que houveram por bem fazer valer sua autoridade como cabeça da igreja, cujos exércitos eram à época as ordens religiosas e sua arma a excomunhão. No que pertine ao teor da outra emenda, que sugere seja o nepotismo vadado a partir de agora, sem que com isso atinja os parentes empregados nepóticamente, é a meu juízo impensável, por uma única razão, que reclama um questionamento, qual seja – tem sentido deixarmos por escrito em uma Constituição Estadual que um dia fomos imorais?A imoralidade é imprescritível. Temos a opção rara de resgatarmos princípios sãos perdidos pela Administração Pública do País, como o da moralidade, impessoalidade, da eficiência, etc., previstos na Constituição Federal do Brasil em seu art. 37. Fracassada essa expectativa histórica, imagino com a lucidez resplandecente de Raul Seixas, que o sol nascerá de novo mas não amanhecerá nas terras do Mato Grosso do Sul, que o Governo Popular divulga como Estado do Pantanal. Finalmente, só para raciocinar, quero deixar escrito um convencimento pessoal de que a mão do parente que conduz o outro para um cargo público como um gesto de solidariedade, é na verdade a mesma, que muitas das vezes, lhe diminui, menospreza, que marca a sua incompetência para investidura em cargo ou emprego público através de aprovação em concursos públicos ou de provas e títulos. Nada pode recompensar mais do que quando se escreve a própria história por si mesmo, autonomamente, sem submissão a qualquer favoritismo, resgatando a própria auto-estima, refazendo a identidade que pode vir a ser negada pelo nepotismo. Assim, como ensina o religioso Leonardo Boff, devemos sempre ter em mente que a libertação começa na nossa consciência e no resgate da nossa própria dignidade. E a libertação e dignidade reclamadas pelas biografias mais substanciais de nossa gente sul-matogrossense está a acenar para o fim do nepotismo, prática essa que está a ameaçar o horizonte de esperança dos homens de bem desta terra que desejam modificar o destino da Administração Pública guaicuru, com a consciência cantada pelo poeta no sentido de que: “Caminhante, não há caminho. Faz-se caminho ao caminhar”.Os Deputados de MS podiam, no dia 23 de novembro de 1999, legar aos pósteros um exemplo de moralidade administrativa e de respeito à igualdade no acesso ao emprego público, certos de que legislar também constitui uma maneira de escrever a própria história. OAB deve discutir a situação crítica por que passa o país. O Conselheiro Federal Leonardo Nunes da Cunha, na reunião do Conselho Federal do dia 9 de novembro, fez uma veemente exortação à OAB para que assuma uma discussão, a nível nacional, da atual situação do país. Enfatizou que não há cabimento para a discussão isolada de assuntos como a violência em determinados Estados, “uma vez que sabemos que a situação é a mesma em todo o país e tem a sua raiz na grave crise econômica pela qual passa a nação. Vivemos um modelo econômico excludente e opressor, que agrega todo o cortejo de problemas que enfrentamos”.O motivo do apelo é que não há outra entidade da sociedade civil com prestígio e legitimidade para assumir a liderança dessa luta. De acordo com Cunha, “necessitamos urgentemente de oferecer alternativas à sociedade face à postura do governo, apoiada pela mídia, em que confesse a falência do Estado e a sua impotência para cumprir seu dever de assegurar à sociedade educação, saúde e, principalmente, segurança”.Para Cunha, em resposta, “o governo alega a globalização como um fatalismo, que o impediria de desenvolver políticas públicas destinadas a superar suas dificuldades e atender a seus deveres. Essa mistificação precisa ser denunciada porque significa a submissão passiva do país aos interesses internacionais e ao sistema financeiro nacional e internacional.Isso somente será possível, de acordo com a avaliação do conselheiro federal, se uma entidade como a OAB assumir, mais uma vez, a condição de voz da sociedade discutindo a fundo todos os aspectos da crise econômica e social que aflige nosso povo.