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OAB quer do governo atenção a pareceres quanto a novos cursos

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Brasília, 26/12/2006 – O presidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Paulo Roberto de Gouvêa Medina, espera uma maior receptividade por parte do Ministério da Educação (MEC) com relação aos pareceres emitidos pela entidade da advocacia durante o segundo mandato do governo do presidente Lula. “Não nos colocamos em posição contraposta àquele órgão. Almejamos, sim, uma aproximação de critérios de que resulte uma valorização dos pareceres que emitimos”, afirmou hoje (26) Paulo Medina, defendendo a medida como forma de melhorar a qualidade do ensino jurídico oferecido no Brasil.

A Comissão de Ensino Jurídico é o órgão do Conselho Federal a OAB incumbido de emitir pareceres nos processos de autorização e reconhecimento de cursos. Esses pareceres, depois de homologados pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato, traduzem a posição oficial da entidade com relação à matéria, mas não têm efeito vinculativo junto ao MEC. Diante dessa realidade, o Ministério e o Conselho Nacional de Educação muitas vezes discrepam da opinião da OAB quanto à qualidade do referido curso ou quanto à necessidade de abertura de um novo curso de Direito em determinada região do país.

“Não postulamos uma decisão radical no sentido de impedir a criação de todo e qualquer curso de Direito. Mas não podemos deixar de reconhecer que o número de cursos de Direito existentes no país é absurdo e a justificativa normalmente apresentada pelas instituições de ensino para a criação de novos cursos não convence”, afirmou o presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB Nacional. No Brasil, há 1.018 cursos em funcionamento, distribuídos notadamente por São Paulo (que tem 233 cursos), Minas Gerais (com 123 cursos), Rio de Janeiro (98 em funcionamento), Paraná (82) e Rio Grande do Sul (73).

Vários fatores resultam dessa criação desmedida de cursos, segundo Medina. Entre eles, estão a falta de seleção criteriosa de candidatos para preencher as muitas vagas existentes – com praticamente inexistência de vestibulares e provas seletivas nas faculdades -, corpo docente de baixa qualidade, a vulgarização do grau de bacharel em Direito, queda na formação oferecida pelas faculdades (tendência também percebida entre as universidades federais) e, por fim, a visível mercantilização do ensino de Direito no Brasil.

“Claro que a iniciativa privada há de ser exercida com a finalidade de lucro, mas não é possível que o lucro prevaleça sobre o compromisso com a formação do estudante”, afirmou Paulo Medina. “O que não desejamos e não podemos admitir é a mercantilização do ensino, ou seja, a abertura de um curso de Direito da mesma forma que se abre um estabelecimento comercial”.

A seguir, a íntegra da entrevista concedida hoje pelo presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB Nacional, Paulo Medina:

P – Vem aí um segundo mandato do governo Lula. No primeiro, houve um volume muito grande de abertura de cursos de Direito. O que a Comissão de Ensino Jurídico da OAB espera do governo Lula nessa área específica, em relação à abertura de cursos de Direito no país, a partir de 1º de janeiro?
R – Esperamos que haja maior receptividade da parte do MEC com relação aos pareceres que emitimos. A Comissão de Ensino Jurídico é o órgão do Conselho Federal incumbido de emitir pareceres nos processos de autorização e reconhecimento de cursos. Esses pareceres, depois de homologados pelo presidente nacional da OAB, traduzem a posição da entidade com relação à matéria. Não têm, esses pareceres, eficácia vinculativa, mas têm uma força persuasiva considerável. Tanto assim que as instituições de ensino, em geral, querem ter o parecer favorável da Ordem. Todavia, o MEC e o Conselho Nacional de Educação discrepam, muitas vezes, da nossa orientação. Esperamos que essa situação se modifique. Estamos sempre desejosos de uma maior aproximação com o Conselho Nacional de Educação. Não nos colocamos em posição contraposta àquele órgão. Almejamos, sim, uma aproximação de critérios de que resulte uma valorização dos pareceres que nós emitimos.

P – Como foi o relacionamento com o Ministério da Educação com respeito a um maior relacionamento no momento de deferir ou não a abertura de novos cursos?
R – Nós alimentamos muito a esperança de que essa aproximação atingisse grau maior a partir dos entendimentos mantidos com o ex-ministro Tarso Genro, que, enquanto esteve à frente do Ministério da Educação, demonstrou muita sensibilidade para com o papel da Ordem no campo do ensino jurídico. Não podemos deixar de lamentar que, muitas vezes, o MEC homologue a criação de cursos dizendo estar escudado em pareceres da Ordem dos Advogados do Brasil, quando, na verdade, se baseia apenas nas manifestações dos Conselhos Seccionais da entidade, isto é, dos Conselhos sediados nos Estados onde se pretende criar um novo curso. Ora, essas manifestações dos Conselhos Seccionais são meramente peças de instrução do processo, são apenas uma das partes do processo que a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem examina no contexto de outras peças, e considerando, inclusive, a entrevista com os representantes das instituições de ensino, que se realiza depois do recebimento da manifestação do Conselho Seccional. É preciso que se deixe isso claro para afastar qualquer tentativa de modificação desse quadro e que leva, muitas vezes, a distorções. É preciso deixar claro que o órgão competente para emitir parecer é o Conselho Federal, o órgão máximo da Ordem dos Advogados do Brasil, e somente ele.

P – Temos, no Brasil, mais de mil cursos de Direito em funcionamento. O senhor acha que chegou a hora de um basta? É preciso parar com a abertura de novos cursos de Direito?
R – Não postulamos uma decisão radical no sentido de impedir a criação de todo e qualquer curso de Direito no país. Reconhecemos que, em algumas poucas regiões do país, ainda se justifica a criação de novos cursos, naquelas regiões onde a necessidade social ou a demanda pela criação de novos cursos não esteja atendida ou, então, mesmo em se tratando de um centro já atendido satisfatoriamente por curso de Direito, que esse novo curso traga um elemento diferencial, que seja um centro de excelência, capaz de justificar a sua instalação. Mas não podemos deixar de reconhecer que o número de cursos de Direito existentes no país é absurdo e a justificativa normalmente apresentada pelas instituições de ensino para a criação de novos cursos não convence. Argumenta-se que o curso de Direito não forma apenas advogados, só bacharéis em Direito, que podem direcionar-se, uma vez formados, para várias funções, inclusive para o serviço público, ou podem ter, segundo entendem alguns, apenas o título pelo título, pela cultura que o curso proporciona ou, até mesmo, pelo status social. Mas um curso de Direito ou um curso superior, qualquer que seja, não se cria ao influxo de critérios dessa natureza. O que se deve considerar, em primeiro lugar, é se o curso se justifica do ponto de vista da sua finalidade precípua. Qual é a finalidade precípua do curso de Direito? É formar bacharéis em Direito aptos a advogar e a, eventualmente, exercer as outras funções franqueadas aos bacharéis em Direito.

P – O senhor pode traçar uma radiografia dos números de cursos jurídicos em funcionamento hoje?
R – São 1.018 cursos distribuídos, notadamente, nos Estados de São Paulo, que tem 233 cursos, Minas Gerais, com 123 cursos, e no Rio de Janeiro, que possui 98 em funcionamento. No Estado do Paraná são 82 e no Rio Grande do Sul outros 73. No Nordeste, o número de cursos cai. Há um número maior na Bahia, onde estão 46 cursos de Direito.

P – A partir desses 1.018 cursos de Direito em funcionamento no país, um volume imenso de alunos é colocado no mercado de trabalho a cada seis meses. Por que o índice de reprovação nos exames de Ordem é altíssimo? E por que nos concursos para juiz e para Ministério Público o índice de aprovação é mínimo?
R – Esses índices negativos refletem uma queda de qualidade da formação oferecida pelos cursos de Direito e isso se verifica, em grande parte, em decorrência dessa ampliação desmedida de cursos. É ilusório supor que a criação de novos cursos represente uma ampliação de oportunidades para o cidadão se graduar e adquirir, assim, um status social mais elevado. O que lamentavelmente resulta dessa criação desmedida de cursos é, em primeiro lugar, a falta de seleção criteriosa de candidatos às matrículas. Nós vemos aí instituições particulares de ensino disputando alunos para preencherem suas matrículas e adotando, para tanto, procedimentos publicitários que não condizem com a ética do ensino superior. Há instituições que exibem outdoors convocando alunos de outras escolas para migrarem para seus quadros, oferecendo, em troca de matrículas, descontos de anuidades e outras vantagens. O vestibular muitas vezes não existe ou, então, algumas realizam um vestibular pró-forma, que se repete várias vezes por ano na mesma instituição. Outra circunstância desfavorável e natural tem sido a vulgarização do grau de bacharel em Direito. Eu sei que há pessoas responsáveis neste país que já quiseram transformar o curso de Direito num curso tecnológico, reduzindo, portanto, o tempo de formação do bacharel para três anos. Isso é um absurdo. O Estado tem responsabilidade pelos bacharéis que entrega à sociedade e o órgão que age em nome do Estado, estabelecendo a necessária seleção dos bacharéis que estejam em condições de advogar, é a Ordem dos Advogados do Brasil.

P – E quanto ao corpo docente?
R – Não há professores qualificados, em número bastante, para atender a essa criação desenfreada de cursos. O que se verifica, então, com relação aos cursos criados no interior do país, é que os professores não se fixam na sede do curso e passam, portanto, a dar apenas nome ao curso ou, então, a deslocar-se de um lugar para o outro, em comboios docentes, o que acarreta, para possibilitar a presença do professor, a realização de cursos de fim-de-semana ou em horários extravagantes como temos tido notícia. Eu costumo lembrar que, no início da República, quando houve domínio dos positivistas, houve uma situação de liberdade irrestrita para o exercício das profissões liberais, conforme os postulados da filosofia positivista. Não era preciso diploma de médico para exercer a Medicina e não era preciso diploma de bacharel em Direito para exercer a advocacia. No Rio Grande do Sul, onde o positivismo teve uma proeminência em virtude do fato de ser a filosofia dominante dos líderes políticos locais, o quadro era esse: o indivíduo, para exercer a Medicina, tinha que obter apenas o certificado de um órgão de saúde. Não se cogitava da exigência de diploma porque os positivista entendiam que qualquer exigência maior com referência à habilitação representava cerceamento da liberdade individual. É claro que essa maneira de pensar já não pode subsistir nos tempos atuais, mas quando eu vejo educadores e instituições de ensino pregarem uma maior facilidade para a criação de cursos, sinto que esse ideal positivista parece retornar. O que se pretende, no fundo, é uma liberdade irrestrita para dar curso de qualquer maneira formando, de qualquer maneira, novos bacharéis. Ora, é evidente que a OAB não pode aceitar essa situação, não pode compactuar com esse atentado à formação jurídica. A Ordem surgiu em 1930 exatamente para pôr cobro aos abusos que haviam, então, no campo da advocacia, onde até essa época predominavam os chamados “rábulas”, indivíduos com alguma experiência na arte de advogar e que advogavam ao lado dos bacharéis em Direito.

P – Na sua opinião, quando uma instituição ou uma figura consegue autorização para abrir uma faculdade de Direito no país é o mesmo que ganhar um prêmio da loteria, na aferição do lucro?
R – Não sei se seria exatamente semelhante, mas acho que é mais fácil do que ganhar o prêmio da loteria. O prêmio depende da sorte e a instalação de um novo curso depende do empreendimento, muitas vezes da ousadia, e o indivíduo abre um curso e não aceita, muitas vezes, as limitações que os órgãos competentes do Estado devem impor. Há, na verdade – e é contra isso, sobretudo, que nos insurgimos – uma mercantilização do ensino do Direito. Claro que a iniciativa privada há de ser exercida com a finalidade de lucro, mas não é possível que o lucro prevaleça sobre o compromisso com a formação do estudante. Costumo enfatizar que o ensino superior é livre à iniciativa privada, mas devem ser obedecidas, contudo, as normas estabelecidas pelo Estado. O ensino superior é, fundamentalmente, um serviço público. É um serviço público que deve ser prestado prioritariamente pelo Estado e que o Estado delega a instituições credenciadas dada a impossibilidade de oferecer, por si só, um ensino satisfatório. Aí entra o papel das instituições privadas. Não se pense que nós, da OAB, sejamos contrários à iniciativa privada. Não, pois reconhecemos a importância da iniciativa privada, tanto mais porque o governo não tem falhado apenas nessa liberalidade excessiva que adota, para a criação de novos cursos. O governo falha, antes de tudo, quanto à administração e manutenção das universidades federais, que estão numa situação de carência acentuada, que pode ser constatada, sobretudo, diante do contingente de professores substitutos.

P – Diante dessa realidade, o senhor teme que caia o nível da formação oferecida pelas universidades públicas, que sempre foi alto?
R – Temo, sinceramente, que o nível de formação das universidades federais comece a cair, pois não entendo que seja possível manter um curso regular e de qualidade com cerca de 30% a 40% de professores substitutos. Essa rotatividade na contratação de professores evidentemente prejudica a formação. Esse é um aspecto que resulta da carência de meios para a manutenção das universidades federais. Temos, ainda, as outras universidades públicas, estaduais, as universidades confessionais e, também, as universidades particulares, que cumprem um papel relevante no campo do ensino. O que não desejamos e não podemos admitir é a mercantilização do ensino, ou seja, a abertura de um curso de Direito da mesma forma que se abre um estabelecimento comercial.