REFORMA DA PREVIDÊNCIA - EMENDA CONSTITUCIONAL N. 41/2003

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SUMÁRIO: I – Introdução. II – Poder originário e derivado. Análise. III – Disposições constitucionais transitórias. Constituição Federal de 1988. IV – Poder constituinte de 2003. V – Cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988. VI – Natureza jurídica da nova contribuição previdenciária prevista na EC n. 41/2003. VII – Princípio da isonomia. VIII – EC n. 41/2003. Irredutibilidade salarial. Direito adquirido. Ato jurídico perfeito. Remédio processual. IX – Resumo conclusivo. I – INTRODUÇÃO. A Emenda Constitucional n. 41/2003 modificou o regime previdenciário para os aposentados e pensionistas. Dentre outros, estabeleceu a cobrança de contribuição para àqueles que não estão na ativa, isto é, no exercício pleno de suas funções, em especial os pensionistas. Não se tem a pretensão de analisar com profundidade o tema. Todavia, busca-se a discussão e a reflexão acerca da proposta governamental, em razão dos efeitos que representará na sociedade. O enfoque diz respeito aos pensionistas. Daí porque há necessidade da intervenção do Poder Judiciário para restabelecer a ordem e o respeito ao ato jurídico perfeito e o direito adquirido. II – PODER CONSTITUINTE. ORIGINÁRIO E DERIVADO. ANÁLISE. O Poder Constituinte pode ser originário ou derivado. Originário é o Poder Constituinte que elabora uma nova Constituição. Derivado é o que elabora Emendas Constitucionais que modificam e dão novas interpretações a determinados artigos de uma Constituição que já esteja em vigor. Magistério de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, in Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 3ª edição, 1983, p. 22, brinda-nos com os seguintes comentários, verbis: “Sem dúvida, O poder Constituinte originário costuma apresentar os três característicos: é inicial (porque não se funda em outro), autônomo (porque não se subordina a outro), incondicionado (porque não está sujeito a formas ou condições); enquanto o Poder Constituinte derivado (ou de revisão) é secundário (porque decorre de outro), é subordinado (porque é materialmente limitado por outro), e é condicionado (porque está sujeito às formas e condições postas pelo Poder Constituinte originário)…” Na Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 o Poder Constituinte que a promulgou foi originário, pois, o Congresso Nacional em Assembléia Nacional Constituinte na qualidade de representantes do povo brasileiro, instituiu um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgada sob a proteção de Deus. As Emendas Constitucionais promulgadas após a Constituição Federal originária de 05 de outubro de 1988, são oriundas do Poder Constituinte derivado, pois, tem por finalidade dar novas regras à Constituição, embora em hipótese alguma os novos ajustamentos não poderão prejudicar os direitos garantidos e assegurados na Constituição em vigor; tais como: o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. III – DISPOSIÇÕES CONSTITUINTES TRANSITÓRIAS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988. Depreende-se a dicção do artigo 20º do ADCT da CF/88 que: Art. 20. Dentro de cento e oitenta dias, proceder-se-á à revisão dos direitos do servidores públicos inativos e pensionistas e a à atualização dos proventos e pensões a eles devidos, a fim de ajudá-los ao dispositivo na Constituição.” O legislador constituinte originário ao elaborar o artigo 20 das disposições transitórias, referiu-se à revisão e à atualização das pensões ajustando-as a Constituição. Em momento algum o legislador originário mencionou a terminologia de emenda à constituição, para fazer nova revisão com o objetivo de tributar as pensionistas. Portanto, somente um novo Poder Constituinte originário é que poderá rever o valor da pensão da impetrante. IV – PODER CONSTITUINTE DE 2003. A Emenda Constitucional nº 41/2003, deu nova redação ao artigo 40, § 7º da Constituição Federal de 1988, verbis: Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. … § 7º – Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual: I – ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito, ou II – ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito. Trata-se de dispositivo inconstitucional, senão vejamos: O pensionista tem direito subjetivo incorporado ao seu patrimônio, o qual convalidou-se com ato administrativo complexo que concedeu a pensão em razão do falecimento do servidor, eis que cumprido os requisitos legais sob a égide na norma contemporânea. O Estado administração ao conceder o direito a pensão o fez sob à égide da Constituição Federal de 1988, bem como amparado no regime de aposentadoria; pensão (benefício) e normas infraconstitucionais aplicáveis à espécie Com a publicação do ato no Diário Oficial da União e demais anotações pertinentes a implantação do benefício, concretizou-se o ato jurídico perfeito entre a Administração Pública e o pensionista, exaurindo-se o vínculo, tendo o falecido contribuído para o regime de aposentadoria ou pensão, ou ainda assim, em outro prisma, para o custeio e benefício do objetivo futurista, ou seja, a jubilação ou a morte. A contraprestação foi cumprida. Como se não bastasse a própria Emenda Constitucional nº 41/2003 é contraditória a tal respeito, tanto que contempla o direito de aposentadoria aos servidores que até a data da publicação tivessem cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente. V – CLÁUSULAS PÉTREAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988. Consta na oração do artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF/88, que: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: … § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: … IV – Os direitos e garantias individuais. Jamais poderá o direito adquirido, convalidado e garantido na Constituição de 1988, ser modificado pela Emenda Constitucional (derivada) nº 41/2003. Vejamos a orientação jurisprudencial oriunda do Supremo Tribunal Federal, in Pleno, Adin 939-7-DF, rel. Ministro SIDNEY SANCHES, medida cautelar, RTJ 150/68, verbis: “..admitir que a União, no exercício de sua competência residual, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à Constituição tendentes a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados.” Faltou legitimidade ao Poder Constituinte derivado de 2003, para modificar e cassar os direitos adquiridos previstos na Constituição de 1988. O legislador de 2003 ultrapassou os limites da norma Constitucional. O legislador de 2003, desfigurou o ordenamento jurídico vigente e não respeitou o princípio do direito adquirido e o ato jurídico perfeito criou um novo fato gerador para que pensionistas recolham novamente contribuições previdenciárias. O ato jurídico perfeito, mais do que o direito adquirido, é o núcleo da tutela da proteção dos servidores inativos. Como se não bastasse, o Supremo Tribunal Federal, atento ao respeito ao ato jurídico perfeito, por jurisprudência consolidada na SÚMULA 359, assim fixou posicionamento: RESSALVADA A REVISÃO PREVISTA EM LEI, OS PROVENTOS DA INATIVIDADE REGULAM-SE PELA LEI VIGENTE AO TEMPO EM QUE O MILITAR, OU O SERVIDOR CIVIL, REUNIU OS REQUISITOS NECESSÁRIOS, INCLUSIVE A APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO, QUANDO A INATIVIDADE FOR VOLUNTÁRIA. (D.C.; D. ADM.) Referência: C. F., art. 193; L. 2.622, 18.10.1955. ERE 35.059, 09.01.1961. RMS 9.813, 29.10.1962 – DJU 25.04.1963, p. 198. RMS 10.870, 06.03.1963. RMS 11.282, 10.06.1963 – DJU 10.10.1963., p. 981. RMS 10.609, 22.04.1963. RMS 9.614, 03.07.1963 – DJU 29.08.1963, p. 775. VI – NATUREZA JURÍDICA DA NOVA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, PREVISTA NA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003. Pergunta-se: Qual a natureza jurídica do novo tributo? O artigo 16 do Código Tributário Brasileiro define tributo como sendo o imposto cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Não é taxa, pois, o fato gerador não está definido no art. 145. II da Constituição Federal de 1988, e art. 77. do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966). Trata-se de imposto de capacitação para custeio do regime previdenciário de caráter contributivo obrigatório, servindo apenas para cobrir déficit passado e não benefício a ser pago ao contribuinte. A contribuição social dos servidores é sinalagmática, vez que é paga para que possa se aposentar. Ao alcançar a aposentadoria cessa a obrigação de contribuir – exegese do artigo 149 da CF/88. Se o servidor contribui para que futuramente venha a ser beneficiado com a aposentadoria ou pensão dos beneficiários, não há razão para que permaneça a contribuir para o custeio de terceiros. Ora, se assim não é, a natureza da contribuição é de verdadeiro imposto, que sequer poderia ser instituído, por ter base de cálculo própria do imposto do artigo 153, inciso III (proventos), da CF/88. Da mesma forma em que, o tributo que o Estado Administração pretende cobrar não tem a natureza de contribuição social, mas de verdadeiro imposto, o que exigiria Lei Complementar como instrumento para sua instituição. O Ministro CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, quando do julgamento do RE 138.284-CE, em sua manifestação esposou entendimento de que a contribuição social é espécie tributária, não restando dúvidas para efeitos práticos da natureza como tributo. O artigo 154 da CF/88 assim consigna: Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição. Onde está o fato gerador para que, na qualidade de pensionista, possa obrigatoriamente contribuir para a Previdência? Por estar inativo (pensão) não pratica nenhum ato que tipifica fato gerador para recolhimento de qualquer tributo. Não há situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa para que a impetrante torna-se contribuinte. Se for obrigado a recolher este “malfadado” imposto de capacitação para custeio do regime previdenciário, qual será sua retribuição futura? Nenhuma, pois já é pensionista. Quando estava na atividade pública, aí sim, o servidor praticou ato de caráter gerador de tributos. Por esta razão teve descontado mensalmente valores, os quais foram repassados ao Instituto de Previdência da União. Os recolhimentos se deram para garantir sua futura aposentadoria ou pensão. Se for obrigado a recolher novamente o imposto de capacitação para custeio do regime previdenciário ocorrerá bi-tributação, instituto vedado pela legislação em vigor e não aceito pelos nossos Tribunais. Mesmo que se admita por amor ao debate, ao tentar tributar os proventos do pensionista a União esbarra novamente no impedimento previsto, tendo em vista que o fato gerador é o mesmo daquele constante no artigo 153, inciso III, da CF/88 donde autoriza a competência para instituir impostos sobre rendas e proventos. Insta relembrar que pertinente exação agride de forma clara e explícita: a característica finalistica da contribuição previdenciária; a característica sinalagmática da contribuição previdenciária; a característica contributiva da contribuição previdenciária. Com efeito, o pensionista deixa de ser beneficiário para se tornar contribuinte, na medida em que o pagamento da contribuição quando na ativa visava exatamente viabilizar a aquisição futura de um direito subjetivo da União lhe pagar os proventos do pensionamento. Em especial, gize-se que é vedado a instituição de imposto sobre proventos (art. 151, II, da CF/88) e não incidirá contribuição sobre aposentadoria (art. 195, II, da CF/88). Portanto, a pensionista goza de imunidade, devendo ser este o tratamento a ela dispensada. Escólio de UADI LAMMÊGO BULOS, in Constituição Federal Anotada, Saraiva, 3ª edição, 2001, p. 644, traduz com brilhantismo o inserto no julgado do STF, AdinMC 2.010- DF, rel. Min. CELSO DE MELO, decisão: 29.9.1999, informativo do STF n. 164, 27 de setembro a 1º de outubro de 1999, verbis: “O Supremo Tribunal Federal trilhou esse caminho. Conclui que a Carta de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional 20/98, não autoriza a cobrança de contribuição de seguridade social sobre os servidores aposentados e pensionistas. Com esse entendimento, o Pretório Excelso deferiu o pedido de liminar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Suspendeu, até a decisão final da ação direta, a eficácia das seguintes expressões da Lei n. 9.783/99: “e inativo e dos pensionistas” e “do provento ou da pensão”. VII – PRINCÍPIO DA ISONOMIA. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispões em seus artigos 1º, III e 3º, III e IV, verbis: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: … III – a dignidade da pessoa humana; Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: … III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Da forma em fora implementada a norma, há nítida ofensa a dignidade da pessoa humana, bem assim não se contribui para o combate as desigualdades sociais e a discriminação. VIII – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003. IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. DIREITO ADQUIRIDO. ATO JURÍDICO PERFEITO. REMÉDIO PROCESSUAL. Vejamos o que dispões a norma invectivada, verbis: Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefício na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere: … II – setenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União. Grifamos; Não muito distante consta em dispositivos constitucionais acerca da isonomia no tratamento, bem como da irredutibilidade salarial que: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: … II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: … VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte: … XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. Outra vez o legislador de 2003 não respeitou o direito adquirido previsto pela Constituição Federal de 1988. A aposentadoria é o salário do inativo que após anos de trabalho nada mais justo ter um descanso remunerado em sua velhice. Pertinente raciocínio é perfeitamente aplicável ao caso da pensionista. Compartilham o mesmo entendimento, nada mais nada menos que os professores e juristas JOSÉ AFONSO DA SILVA, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO e DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, cujos pareceres encontram-se encartados aos autos de ADI – 3105 em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. O nobre ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em voto proferido nos autos de Mandado de Segurança n. 23.047 – DF, enfatizou com propriedade que: “Nem contra a lei ordinária superveniente há direito adquirido a um determinado regime jurídico objetivo, mas apenas à preservação das situações subjetivas favoráveis já constituídas, com base nele, por quem haja satisfeito os pressupostos respectivos.” A Justiça Federal em 16 de janeiro de 2004 concedeu liminar em antecipação de tutela na ação em que o aposentado Edison Karnal Fagundes promove contra a União (Proc. nº 2004.71.00.001612-1), proibindo o desconto previdenciário de um aposentado antes da última emenda constitucional (41/2003). Pedimos vênia para transcrever trecho da brilhante e corajosa decisão da Magistrada Doutora VERBENA DUARTE BRITO DE CARVALHO. “Tenho que há verossimilhança no direito alegado, não só porque o tributo que pretende a ré cobrar dos aposentados e pensionistas não tem a natureza de contribuição social, mas de verdadeiro imposto, o que exigiria lei complementar como instrumento para sua instituição, nos termos do art. 154, I, da Constituição Federal, mas também porque o autor foi aposentado antes da data da publicação da emenda Constitucional nº 41/03, não se lhe aplicando as regras ali contidas, sob pena de ferimento ao princípio do ato jurídico perfeito. Veja-se, além disso, que a própria emenda constitucional é contraditória a tal respeito, tanto que contempla o direito de aposentadoria aos servidores que até a data da publicação tivessem cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente. Ante o fato de que e exação começará a ser cobrada, presente o requisito do perigo da demora, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, determinando que a ré se abstenha de cobrar contribuição social sobre os proventos de aposentadoria do autor. Intimem-se. Cite-se.” Pertinente decisão já foi confirmada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul (4ª Região). Certo é que, ao prejudicado é facultado o ingresso de pretensão junto ao Poder Judiciário para que se restabeleça às garantias constitucionais constantes em nossa CF/88. Na mesma esteira, mas no que diz respeito ao procedimento de impetração, este também se encontra agasalhado pela norma constitucional, mais precisamente no inciso LXIX, do artigo 5º, da CF/88, que traduz: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.” Em amparo ao enfatizado no texto constitucional, alcança-se os dispositivos colacionados na Lei. n. 1.533/51 e na Lei n. 4.348/64. Consta no art. 1º, da Lei no. 1.533/5l, que: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas corpus”, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê- la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” Bem, com relação ao Código de Processo Civil, este se aplica subsidiariamente no que couber, complementando assim, a norma disciplinadora. São pressupostos constitucionais para o cabimento do Mandado de Segurança: a) que o direito do impetrante seja líquido e certo: b) qual a violação provenha de ato da autoridade pública; c) que o ato impugnado seja ilegal ou abusivo do poder. Pressupõe o mandado de segurança ser líquido e certo o direito violado. “Direito certo e líquido”, ensina Pontes de Miranda, “e aquele… não precisa ser aclarado com o exame de provas em dilações, que é, de si mesmo, concludente e inconcusso” ( Comentários, cit., art. 141 parágrafo 24). De modo menos rigoroso se pode dizer que direito líquido e certo é aquele que, à vista dos documentos produzidos, existe e em favor de quem reclama o mandado, sem dúvida razoável. Claro, a dúvida é subjetiva. Não se pode esperar que não exista no espírito de qualquer um. Para que a medida seja deferida, mister se torna que não haja dúvida, no espírito do juiz. Não se deve descuidar que: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” – inciso XXXVI do art. 5º da CF/88. Ora, a própria Administração Pública deve desprezar o cumprimento de normas que não se coadunem com a Constituição, como adverte o ilustre CANOTILHO: “A Administração, ao exercer a sua competência de execução da lei, só deve executar as leis constitucionais, isto é, as leis conforme os preceitos constitucionais consagradores de direitos, liberdades e garantias; a Administração, ao praticar atos de execução de leis constitucionais (= leis conforme os direitos fundamentais), deve executá-las constitucionalmente, isto é, interpretar e aplicar estas leis de um modo conforme os direitos, liberdades e garantias” (Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 583). Este posicionamento declinado, chamado da “vinculação imediata” das normas constitucionais, garante, liberdade e garantias não só aos cidadãos, mas sobretudo aos servidores públicos, que, em nome do Princípio da Legalidade, possuem o insofismável direito de serem regidos pelas normas recepcionadas pela Constituição, pois o Estado não se coloca em plano superior ao direito e abaixo dele. O saudoso e inesquecível HELY LOPES MEIRELLES, lembrava que: “Os recursos processuais não constituem um fim em si mesmo; são meios de defesa do direito das partes, aos quais a Constituição editou o mandado de segurança para suprir as deficiências da proteção aos indivíduos. Os recursos comuns revelam-se ineficazes na sua missão protetora do direito individual líquido e certo, e pode o seu titular usar supletivamente do mandado de segurança.” Também, encontramos em magistério de OTHON SIDON, in Mandado de Segurança, 3ª ed., RT, p. 234, tendo assim colocado: “Destarte, o direito líquido e certo que autoriza o mandado de segurança é a situação jurídica para a qual concorrem dois elementos: subjetivo; um dever do Estado por determinada prestação, positiva ou negativa; e material, um inadimplemento desse dever.” Nunca é demais lembrar que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigência do bem comum” (LICC – art. 5º). Vem do Supremo Tribunal Federal o entendimento cristalino da natureza jurídica da aposentadoria, servindo analogicamente ao caso da pensão, na medida em que são benefícios oriundos do mesmo sistema ou regime. Vejamos a seguinte orientação jurisprudencial: O ato de aposentadoria do servidor público é um ato administrativo complexo, do qual participam, sucessivamente, o Poder Executivo (se o servidor é do Executivo) e o Tribunal de Contas, que aprecia a legalidade do ato (CF, art. 71, III) – STF, RDA 183/85). Diante das múltiplas agressões ao Texto Constitucional, pelo que se pôde depreender do acima enfatizado, induvidosa se apresenta a violação a direito líquido e certo do pensionista de ver concedida a medida liminar e, no mérito, vir a ser confirmada. IX – RESUMO CONCLUSIVO. O Poder Constituinte que votou e trouxe à luz a Emenda Constitucional n. 41/2003 não foi originário, mas sim derivado, faltando-lhes legitimidade para ab-rogar disposição constitucional instituída pelo Poder Constituinte Originário. Como estampado no artigo 20º do ADCT, o Poder Originário admitiu à revisão e à atualização dos proventos de aposentadoria e pensões, não autorizando a tributação das mesmas. O pensionista possui direito adquirido de manter as mesmas regras do momento do falecimento do servidor, tornando-se um assim um ato jurídico perfeito, não podendo sofrer alteração através de uma Emenda Constitucional originária do Poder Constituinte derivado. A ato administrativo que determinou o pagamento da pensão a pensionista é complexo, não decorrendo lógica que o Poder que concedeu o benefício queira alterá-lo por meio de um ato unilateral e simples, visando, acima de tudo, sua redução e tributação (irredutibilidade e imunidade). Consoante a disposição contida no artigo 59 da CF/88, o processo legislativo compreende a elaboração, dentre elas, de emenda à Constituição, o que demonstra que a norma originária (Constituição Federal) é hierarquicamente superior. Tanto é verdade que exige número de membros (1/3), enquanto que para votação dos dispositivos constitucionais é obrigatória a totalidade dos parlamentares constituintes para a sua aprovação. A pretendida contribuição previdenciária para o regime de aposentadoria/pensão ou custeio do regime próprio de previdência dos inativos e pensionistas possui natureza tributária, ofendendo as características contributiva, sinalagmática, retributiva e vinculativa. A inconstitucionalidade da EC n. 41/2003 torna-se gritante ante ao raciocínio de que é impossível considerar os inativos e pensionistas como contribuintes de seu próprio regime previdenciário, quando, em verdade, são seus beneficiários. A exação pretendida não encontra agasalho no sistema tributário, nem tampouco observa os princípios contidos na Constituição Federal, mormente os artigos 5º caput e inciso XXXVI; 60, § 4º, IV; 150, II e III, “a”; 154, I; 194, parágrafo único, IV; 195, II e 201. O tratamento deve ser isonômico, consignando-se que o direito a não tributação vem da própria Constituição Federal, não sendo crível que uma Emenda Constitucional queira se sobrepor a norma máxima, além do que admite aposentadoria de acordo com as regras anteriores e privilégios aos militares. O direito adquirido e o ato jurídico perfeito, como direitos e garantias individuais, devem ser respeitados no Estado Democrático de Direito, sob pena de cair por terra abaixo o Regime Democrático e ser implantado o Regime Ditatorial. Bibliografia. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Código Tributário Brasileiro. FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 3ª edição, 1983. BULUS Uadi Lammêgo, Constituição Federal Anotada. 3ª ed. Saraiva, 2001 CANOTILHO. Direito Constitucional. Almedina, Coimbra, 1993. OTHON SIDON, Mandado de Segurança. 3ª ed. RT. MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 22ª. Malheiros, 1997.