Representação automática é ameaça para juízes
Projeto de Lei que tramita em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados tem causado polêmica entre juízes e advogados. De acordo com a proposta, de número 1.285, do deputado Inaldo Leitão (PL-PB), todos os recursos em que for alegada falta de fundamentação na decisão serão protocolados em duas vias e a segunda encaminhada diretamente ao “órgão de controle da atividade judiciária”, ou seja, a Corregedoria do tribunal ou o CNJ — Conselho Nacional de Justiça. O primeiro problema da decisão, afirmam os especialistas, é que a medida pode resultar na multiplicação do trabalho dos órgãos sem que haja qualquer resultado funcional em contrapartida. Isso porque o projeto de lei cria uma espécie de representação automática que pode sobrecarregar o trabalho do órgão de controle e desviá-lo da dedicação a questões institucionalmente relevante. “A proposta é ingrata tanto para o advogado como para o juiz. A decisão não fundamentada não representa qualquer tipo de reprovação na conduta do magistrado nem demonstra imperícia”, afirma o advogado especialista em Direito Processual André Cardoso, do escritório Justen, Pereira, Oliveira e Talamini. Mesmo porque, diz, muitas vezes o tribunal vem a reconhecer que apesar de alegada a falta de fundamentação existia o mínimo de fundamentação para que a decisão seja considerada nos termos da constituição. Nesse contexto, reside o outro problema do projeto: a possibilidade de pronunciamentos contraditórios. Corre-se o risco, aqui, de que o corregedor responsável pela análise da representação tenha um entendimento sobre o caso e a turma revisora (para onde é encaminhado o recurso de fato) outro. Em outras palavras, um pode entender que a decisão não está fundamentada e outro que sim, que está fundamentada. “Na prática, o mais provável é que o corregedor arquive a representação e aguarde o posicionamento da turma. Seria um absurdo o juiz ser punido por indisciplina se a própria turma considerar que a decisão está suscinta e bem fundamentada”, diz o juiz do trabalho e auxiliar da presidência do CNJ Alexandre Azevedo. “Essa medida só serve para burocratizar o sistema”. Ao fim e ao cabo, a medida legislativa não alcançará o efeito que visa atingir, que na prática é a atenção ao artigo 93-9 da Constituição. Segundo o dispositivo, todas as decisões serão fundamentada sob pena de nulidade do julgamento. Além disso, para o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivan Ricardo Garisto Sartori o projeto “representa e retrata uma verdadeira persseguição aos juízes. Já existe recurso próprio para esse tipo de falha. Se a parte entender que o juíz agiu de forma contrária à Lei Orgânica, deve representar à corregedoria. Essa proposta vai acabar não dando em nada”. Leia a íntegra do Projeto de Lei PROJETO DE LEI Nº , DE 2003 (Do Sr. Inaldo Leitão) Acrescenta parágrafo ao art. 506 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. O Congresso Nacional decreta: Art. 1 º – O artigo 506 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo 2º: Art. 506 …………………………………………………………………. “§ 2º – O recurso em que se alegar falta de fundamentação da decisão recorrida será necessariamente protocolado em duas vias, devendo a segunda, independentemente de despacho e de qualquer formalidade senão registro da respectiva entrega, ser encaminhada ao órgão de controle da atividade judiciária.” Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Justificação É grave irregularidade, sancionada com nulidade, a decisão judicial sem fundamentação. Entretanto, muitas decisões, em primeira e segunda instância, continuam a ser proferidas sem fundamentação. Sendo essa prática arbitrária, merece reprimenda, de ofício, pelos órgãos de controle da atividade judiciária. Se aprovada a presente propositura, anteriormente apresentada pelo ex-deputado José Roberto Batochio e arquivada, todos os casos de falta de fundamentação em que tenha havido recurso chegarão automaticamente ao conhecimento dos órgãos de controle. Sala das Sessões, em 17 de junho de 2003 Deputado Inaldo Leitão