Notícias

TJ-SP reafirma direito de advogado examinar inquérito

Data:

São Paulo (SP) – O advogado tem o direito de examinar, obter cópias e ter vista em cartório de autos de inquérito civil e processo administrativo ou judicial. Esse entendimento foi reafirmado pela 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores, em caráter liminar, deram ao empresário Marcelo Pedroni Neto o direito de ter acesso ao inquérito civil que corre contra ele na 1ª Promotoria de Justiça de Leme (SP). A decisão é desta segunda-feira (5/3).

Em 2000, o empresário foi convidado pelo prefeito de Leme, Geraldo Macarenko, para assumir a Superintendência de Água e Esgoto do município. Aceitou. Ele ficou no cargo durante todo o governo do prefeito, que se reelegeu. No pedido de liminar apresentado pela defesa do empresário, consta que adversários políticos instauraram processo político-administrativo na Câmara dos Vereadores contra o prefeito. Eles pediam o seu afastamento.

No ano seguinte, Geraldo Macarenko foi cassado por decisão da maioria dos vereadores. De acordo com os advogados de Pedroni Neto, o julgamento conduzido pela oposição partidária foi político e truculento. Em inquérito civil aberto para investigação do prefeito, o empresário foi envolvido de forma indireta. Por isso, recorreu à Justiça para pedir acesso ao inquérito.

A autorização foi concedida. No entanto, o promotor permitiu acesso parcial e cópias dos papéis estavam proibidas. “Já para os que supostamente tramitavam sob sigilo, proibiu-se à defesa ter vista dos autos investigativos”, informa a defesa no pedido. Argumentaram afronta ao Estado Democrático de Direito, ao princípio constitucional do controle de legalidade dos atos e à ordem democrática.

O empresário foi defendido pelo advogados José Roberto Batochio, Guilherme Octávio Batochio, Ricardo Toledo Santos Filho e José Benedito Ruas Baldin.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu o direito de o advogado ter acesso aos autos, sob pena de cerceamento de defesa do indiciado no inquérito. Exemplo disso é a recente decisão do ministro Celso de Mello no Habeas Corpus 87.725-7. O ministro reafirmou e reconheceu o direito de os advogados terem acesso ao resultado das investigações já incorporadas ao inquérito.

O ministro observou que a investigação tem caráter inquisitivo e unilateral, mas não retira as garantias a que tem direito o cidadão. “O fascínio do mistério e o culto ao segredo não devem estimular, no âmbito de uma sociedade livre, práticas estatais cuja realização, notadamente na esfera penal, culmine em ofensa aos direitos básicos daquele que é submetido, pelos órgãos e agentes de poder, a atos de persecução criminal”, afirmou Celso de Mello na ocasião.

Outro exemplo nesse sentido é o voto do ministro Sepúlveda Pertence no pedido de Habeas Corpus 82.354. Pertence argumentou, na decisão, que o sigilo decretado no inquérito pode justificar apenas que o advogado apresente procuração do acusado provando que o está defendendo. Mas nunca impedir o acesso dele aos autos.

Leia o pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

MARCELO PEDRONI NETO, brasileiro, casado, empresário, portador da cédula de identidade – RG/SSP/SP – no X.XXX.XXX-X, inscrito no CPF do Ministério da Fazenda sob nº XXX.XXX.XXX-XX, residente e domiciliado em Leme, na Rua XXXXX, Estado de São Paulo, aqui primeiro Impetrante, e também seus advogados constituídos JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO, RICARDO TOLEDO SANTOS FILHO e JOSÉ BENEDITO RUAS BALDIN, brasileiros, casados, devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob nos XX.XXX, XXX.XXX, XXX.XXX, e XX.XXX,, respectivamente, os três primeiros com escritório nesta Capital, na Avenida XXXXXX, onde recebem intimação, e o último, com escritório na Rua XXXXX, em Leme, Estado de São Paulo, vêm impetrar, pelos últimos nomeados que abaixo subscrevem, MANDADO DE SEGURANÇA, pleiteando MEDIDA LIMINAR, contra ato do douto Promotor de Justiça oficiante na comarca de Leme, Estado de São Paulo (inquérito civil no 18/06 – 1ª Promotoria de Justiça de Leme), aqui autoridade coatora, tudo em razão dos fatos e jurídicos fundamentos em frente alinhados:

1 – HISTÓRICO DOS FATOS

Empresário conhecido e respeitado no interior do Estado de São Paulo, o primeiro Impetrante veio de ser convidado, no ano de 2000, pelo então Prefeito Municipal de Leme, o médico Dr. GERALDO MACARENKO[1], para assumir a função de Superintendente da autarquia municipal SAECIL (Superintendência de Água e Esgoto da Cidade de Leme).

Atendeu à honrosa convocação. Renunciou a todos os seus interesses particulares, afastou-se do convívio familiar (mulher, filhos e netos), da profissão que exercia, abdicou de remunerações decorrentes de atividades pessoais incompatíveis com o exercício do cargo para o qual foi nomeado, etc., tudo para se dedicar à causa pública e ao desenvolvimento da comunidade local. Permaneceu no comando da SAECIL durante todo aquele mandato do Prefeito, Dr. Geraldo.

Com a recondução do Alcaide ao cargo, em 2004, pela soberania do povo, manifestada nas urnas, o primeiro Impetrante prosseguiu no exercício de suas funções na autarquia, até o início deste ano.

É que, em meados de 2005[2], por obra político-partidária da oposição, perseguição mesmo, foi instaurado, perante a Câmara dos Vereadores de Leme, processo político-administrativo que visava ao afastamento do Prefeito Municipal.

Como se não bastasse, e para gerar uma gravidade que o caso não comporta, seus desafetos políticos (dele Prefeito) insistiam na adoção de providências policiais e judiciais, tanto no âmbito civil, quanto na esfera penal. Parte desse expediente consistia na distribuição ao Parquet (inclusive ao ilustre Procurador Geral de Justiça de São Paulo), e a outras autoridades, de representações e requerimentos de toda sorte, sempre com o propósito exclusivo de afastar aquele que fora reeleito por ampla vontade popular, que se encontrava, em verdade, no 3º mandato como Chefe do Município.

A ação dos adversários surtiu efeito em março próximo passado, por ocasião de político e truculento julgamento conduzido pela oposição partidária, no qual a Câmara Municipal de Leme acabou por decidir, por apertada maioria, pelo afastamento do Alcaide.

Decidiu também o primeiro Impetrante, e como conseqüência imediata daquela decisão política, desligar-se de seu cargo – que é de confiança, assinale-se -, deixando o posto na SAECIL.

No entanto, algumas das medidas judiciais distribuídas pelos desafetos políticos do Prefeito, e que se processavam perante as autoridades locais, acabaram por alcançar, indiretamente, o primeiro Impetrante.

Destaca-se, entre esses expedientes, a notícia da instauração de diversos inquéritos civis, perante a 1ª Promotoria de Justiça de Leme, inclusive o tombado sob nº 18/06, apuratório este que o primeiro Impetrante figura como “representado” (cf. doc. anexa) e que é precisamente o objeto deste mandamus.

Nessa trajetória, e no intuito de se inteirar do objeto das medidas preparatórias intentadas, o primeiro Impetrante constituiu defensor, o que é direito inalienável seu, para ter acesso a todos os autos de inquérito civil público que lhe envolviam.

O nobre patrono, então, agindo em nome dos interesses e na defesa das garantias constitucionais de seu constituinte, no lídimo exercício de sua profissão, peticionou àquela insigne autoridade, postulando vista dos autos (cf. doc. anexa).

Qual não foi sua surpresa ao tomar conhecimento de que a vista seria concedida apenas parcialmente, tão-somente em relação aos apuratórios não acobertados por sigilo – mesmo que figurasse o primeiro Impetrante como investigado -, vedada a extração de cópia reprográfica fora das dependências do Fórum. Já para os que supostamente tramitavam sob sigilo, proibiu-se à defesa ter vista dos autos investigativos.

Requereu-se, então, a expedição de certidão dando conta da negativa do direito dos Impetrantes, a qual veio de ser fornecida nos seguintes termos:

CERTIDÃO
 

CHARLES JUSTINO, Oficial de Promotoria, lotado na 1ª Promotoria de Justiça de Leme, Estado de São Paulo,

Certifico e dou fé que, em virtude de requerimento protocolizado na Secretaria da Promotoria de Justiça sob o nº 678/06 – A de 06 de outubro de 2.006, verificando o Livro de Protocolo Geral, bem como o Livro Único de Registro de Peças de Informação em Geral, constatei existir em andamento o Inquérito Civil nº 18/06 que tem como representados: Marcelo Pedroni Neto e outros. Certifico também que o referido procedimento tem como objeto: “Apuração de eventual dano ao patrimônio público” e que tramita sob sigilo para a garantia da investigação. Nada mais. O referido é verdade e dou fé. Leme, Estado de São Paulo, aos 20 dias do mês de outubro de dois mil e seis (2006).

(cf. documentação inclusa)

Maus tempos estes em que vivemos, onde tudo é secreto, tudo se passa às escondidas da defesa técnica do processualmente perseguido, a exemplo do que ocorria nos famigerados “anos de chumbo”…

O que se tem visto hodiernamente, com lamentável freqüência, é que de tudo se faz, e sob os mais variegados pretextos, para obstar tenham os defensores constituídos conhecimento do conteúdo de autos em que seus clientes se vêem investigados. Isso não é compatível com o regime de liberdades instituído pela Carta de 1988.

Como se vê, por ato do douto Promotor de Justiça oficiante na 1ª Promotoria de Justiça de Leme (que não respeitou o direito do cidadão investigado, nem as garantias legais da profissão de seus patronos), está a se impedir, ilegal e arbitrariamente, os advogados constituídos pelo primeiro Impetrante (que aqui também são igualmente Impetrantes) de terem acesso aos autos do inquérito civil, no qual figura como “representado”, vale dizer, investigado, consoante se extrai da inclusa certidão.

Corta-se o direito de defesa, suprimindo-se a possibilidade de combater, por meio processual próprio, medidas constritivas ou restritivas de direitos fundamentais, que são, ao que parece, secretas… Ficariam pairando ao largo do controle de legalidade de parte do Poder Judiciário!

Apuratório secreto, procedimento sigiloso para a parte, tramitação dissimulada… Afinal, em que tempos vivemos?

Onde fica o Estado Democrático de Direito? E o princípio constitucional do controle de legalidade de todos os atos? E a ordem democrática? E a legalidade?

Às favas? Em nome de que valores?

Não, não e não!

É preciso dar um basta a essas manifestações autocráticas que movem certas autoridades – geralmente jovens, e que não vivenciaram os anos do autoritarismo sangrento -, sob justificativas as mais ilusórias, as quais não se compadecem com a ordem constitucional de que é guardião o Judiciário.

Investigações e feitos secretos, gravíssimas restrições ao direito de defesa, monitoramentos à sorrelfa, cerceamento da aferição de legalidade de ato constritivo de direitos, pelo advogado do interessado, são recaídas autoritárias que não se querem mais recordar e que não se harmonizam com o regime democrático que a Carta Política de 1988 instituiu. Ontem, em dias sombrios, os arbitrários que conspiravam contra as liberdades civis e contra o direito de defesa dos submetidos à persecução ostentavam o matiz verde oliva. Hoje…

Tristeza cívica!

Para aqueles que não lutaram pelo restabelecimento da ordem democrática no Brasil e tudo o que esse sacrifício significou em termos de reconquista das franquias civis, ao que parece, não passa de mera abstração…

Além de não se admitir a supressão de um seu direito, não se mostra tolerável a prática violadora do direito líquido e certo dos demais Impetrantes de, no exercício de sua função pública, tomar conhecimento do conteúdo do apuratório.

O ato, francamente atentatório ao direito líquido e certo dos advogados constituídos, aqui demais Impetrantes (e de todos os profissionais da advocacia), alcança, também, o direito de defesa do interessado principal, no caso, o primeiro Impetrante.

Importante sublinhar, ainda, que a sanha acusatória do grupo partidário opositor, como dito no início, gerou diversos expedientes, dentre os quais um outro inquérito civil, autuado sob nº 10/06, na mesma Promotoria de Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2007