Alci Araújo relembra das primeiras leituras à luz da lamparina e reconhece humildade como alicerce para advocacia

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Da roça à advocacia, ele lembra trajetória de 38 anos de profissão

Humildade, do latim ‘humilitas‘, qualidade atribuída a quem se porta com modéstia e simplicidade. Assim como Sócrates acreditava que a humildade é o primeiro degrau para a sabedoria, Alci Araújo a reconhece como alicerce para uma advocacia de sucesso. Aos 68 anos de idade e 38 anos de profissão, ele relembra da infância humilde na roça até a formação da clientela.

Filho do Seu José Alves de Araújo e da Dona Jesuína de Souza Araújo, Alci Araújo nasceu em uma casa de pau a pique em 14 de maio de 1952, na Colônia Dourada em Santa Mercedes, distante 680 km da Capital São Paulo. Um município pequeno, com cerca de 2 mil habitantes, e com uma economia rural, assim como outra cidade interiorana qualquer do estado de São Paulo.

“A minha infância foi cercada de muita pobreza, mas agraciada de muito amor e atenção, pois, segundo minha mãe que hoje tem 86 anos, morávamos era uma região de desbravadores. Meu pai era empregado em um sítio com grande porção de mata e a outra de lavoura de algodão. Em certa época do ano, ele trabalhava derrubando matas para dar lugar às plantações de algodão e culturas de sobrevivência”, relembra.

A moradia humilde da família, segundo ele, tinha “condições sanitárias precaríssimas e recursos de saúde praticamente inexistentes. Na época recorria-se aos conhecimentos e cuidados dos mais antigos, curandeiros, parteiras, etc. e tal. O farmacêutico mais próximo ficava a 12 km e o trajeto era feito em lombo de cavalo”.

A humildade, para outros autores, se origina do latim ‘humus’, que significa “filhos da terra”. Palavra que também resume a infância e a simplicidade típica do campo. O primeiro ‘trabalho’ de Araújo foi na roça, ajudando o pai. “Aos 7 anos, como o costume do lugar, além de ir para a escola pela manhã, a tarde labutava com meu pai nos trabalhos da roça. A tarefa escolar era feita a noite e a luz de lamparina”.

Ainda novo, aos 11anos, ele se mudou para Nova Guataporanga/SP, onde foi balconista no armazém de um tio e a noite fazia curso de admissão ao ginásio. “De lá, me mudei para Tupi, onde fiz até o primeiro ano do curso normal me mudando depois para Dracena, onde me formei Professor. Ingressei no curso de Matemática da Faculdade daquela cidade, de onde sai em dezembro de 1972 para tomar posse na carreira administrativa do Banco do Brasil em Coxim”.

A carreira

A chegada em Mato Grosso do Sul, no inicio da década de 70, veio com a transferência para trabalhar como bancário. “Anos depois, em agosto de 1975, me mudei para Campo Grande, vindo transferido para trabalhar na única agência que existia à época do Banco do Brasil”.

Naquele período, Araújo queria cursar Engenharia, mas como o curso só existia na Universidade Federal, sendo em período integral, “o sonho ficou de lado e deu lugar ao possível, começando a cursar Direto na FUCMAT (atual UCDB), em 1976, terminei em 1980”. Um ano depois, ele pegou a carteira da OAB/MS 2.669.

Em 1996, Doutor Alci aposenta da vida bancária e decide começar a advogar. “No início sofri um pouco com a minha mania de perfeição. As petições eram feitas e refeitas umas 10 vezes”, ele lembra com orgulho. “A consciência de que sei e nada sei me fez buscar ajuda que nunca me faltou dos mais experientes na advocacia. Isso tornou a minha caminhada mais leve”.

No início da carreira, ele foi advogado no Sindicato dos Empregados no Comércio de Campo Grande, “onde aliei a minha experiência de dirigente sindical dos bancários em negociações salariais e sindicais com a de juiz classista, e ali construí uma boa história de trabalho. Soma-se a isso, o fato de ter sido funcionário do Banco do Brasil, dirigente sindical e militante político, o que me tornou bastante conhecido, e que contribuiu para atrair na formação da clientela”.

Não foi a toa que ele chegou aonde chegou, alicerçado na amizade e humildade. “Com muito trabalho, respeito aos clientes, colegas de profissão e os operadores do judiciário, sempre me policiei tendo como baliza o Estatuto da nossa Ordem e me cobrando muito no quesito pontualidade, no bom atendimento e na entrega de bons serviços”.

Especializado na área cível e trabalhista, ele conta um ‘causo’ em que pediu para que o juiz desse um prazo maior ao advogado da parte contrária para apresentação da defesa e documentos da reclamação. “Certa feita chego para duas audiências de conciliação na justiça do trabalho, onde as partes eram as mesmas. Uma era de consignação em pagamento proposta pela empregadora e a outra uma reclamação trabalhista proposta pela minha cliente. O Colega advogado da empregadora disse que a proposta era fora de propósito, esboçou leve sorriso pelos cantos dos lábios, porque para ele só aconteceria a audiência da ação de consignação em pagamento. Quando lhe disse que tínhamos as duas audiências, quase teve um infarto, pois me disse que não sabia da segunda audiência e não trazia consigo a defesa e nem os documentos para as provas. Entrou em desespero, ligando para meio mundo, esbravejando e, como não poderia ser diferente, tomado pelo pânico”.

Vendo que o colega passava por ‘maus bocados’, a humildade de Doutor Alci falou mais alto e a cliente aceitou. “Concluímos que queríamos ganhar os dois processos, mas que isso se daria da forma natural, ética, sem tapetão. Disse para o colega advogado que eu poderia lhe conceder prazo. Ele teve grande alívio, se comoveu e até esboçou se ajoelhar diante de mim, e é claro que não permiti. Quem era eu para receber tamanha reverência?”, lembra.

E continua: “Tive que, juntamente com a minha cliente convencer um reticente juiz do trabalho legalista de que entre escolher a justiça e o que é justo, estávamos fazendo a opção pelo justo. Depois de muito trabalho de convencimento, ele lavrou a ata concedendo prazo ao meu colega, a quem hoje devoto grande amizade, para fazer a sua defesa e juntar as provas que tinha”.

Mas, e então Doutor Alci? “Ah! No final, a minha cliente teve revertida a justa causa e excelente êxito nas suas pretensões”, ele conta faceiro.

Aos mais jovens… a humildade!

Doutor Alci deixa um recado aos jovens advogados e advogadas: “A primeira coisa que toda pessoa que está iniciando em nova profissão precisa ter é humildade. Reconhecer os seus limites e os limites do seu ambiente de trabalho, respeitar a experiência dos mais antigos, não ter vergonha e nem receio de consultar com uma pessoa que lhe seja um ícone, pois assim tem grande chance de errar menos e continuar na profissão”.

Araújo não distancia do lema do antigo filosofo Confúcio, “a humildade é a única base sólida de todas as virtudes”. Para ele, “a advocacia é um sacerdócio e não uma fonte de riqueza disponível e ao alcance de todos”. Esse pensamento ainda perpetua aos dois netos, João (12 anos) e Davi (10 anos), de sua filha Daiene.

Alci deixa uma mensagem final aos mais jovens: “Ande devagar e não tenha pressa…. faça leve a sua profissão de forma que a transforme num ato de amor à luta pelo direito e a justiça, e de seguidos copos d´água que no seu tempo vão encher a sua tina”.

Compartilhando Conhecimentos

Doutor Alci Araújo, assim como João Glauco ArraisAparecidos dos Passos, Belmira Vilhanueva, Osvaldo Feitosa de Lima e Vicente Sarubbi, foram entrevistados pela Equipe de Imprensa da OAB/MS, no Projeto ‘Compartilhando Conhecimentos’. O objetivo da Seccional é apresentar a todos um pouco da carreira e vida daqueles que escreveram a história da advocacia sul-mato-grossense.

 

 

Texto: Catarine Sturza / Fotos: Arquivo Pessoal