Ives: carga tributária não pode beneficiar só donos do poder
“Nós queremos uma carga tributária justa e que gere desenvolvimento e não uma carga tributária elevada, que gere desemprego e apenas beneficie os detentores do poder”. A afirmação foi feita há pouco pelo jurista e tributarista Ives Gandra Martins, durante entrevista, logo após de ser empossado na Comissão Especial de Estudo da Carga Tributária Brasileira, criada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Para ele, “chegou o momento de toda a reforma tributária ser discutida com a sociedade”. Ives Gandra disse que a comissão da OAB, em reforço à sociedade, ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas, vai fiscalizar e cobrar do governo correta aplicação dos tributos arrecadados. “É preciso lembrar que é o governo que está a nosso serviço; não somos nós que estamos a serviço do governo”, afirmou. O jurista considerou “inconstitucionalíssima” a medida provisória 232, editada no último dia do ano passado, aumentando o Imposto de Renda das pequenas e médias empresas. Segundo ele, a medida não tem urgência ou relevância e tratou de forma desigual as pequenas, em comparação às grandes empresas, que não tiveram aumento de carga. Durante a entrevista, Ives Gandra criticou também duramente as prioridades que o governo tem eleito para utilizar as receitas tributárias e observou que a comissão da OAB pretende investigar o porque dos constantes aumentos de impostos. “Para sustentar a compra de um avião presidencial que não seria tão necessário para um país pobre?”, indagou ele, referindo-se ao Airbus comprado pela Presidência da República, batizado de Aerolula. A seguir, a íntegra da entrevista concedida por Ives Gandra na sede do Conselho Federal da OAB: P – O que o sr. acha da posição da OAB, nesse momento, de discutir a carga tributária do País? R – Eu considero extremamente importante. Em todos os países, o orçamento, quando é discutido, é o momento áureo da reunião dos congressos. Os congressos, os parlamentos do mundo inteiro surgiram para discutir questões tributárias. E o que tem acontecido no Brasil?Todos as aumentos tributários no Brasil são feitos sem que a sociedade seja consultada. O governo esperou 364 dias sem fazer rigorosamente nada. No dia em que estamos comemorando a passagem de ano, vem esse pacote (MP 232) com aumento de carga tributária, afetando exclusivamente as pequenas e médias empresas – as grandes empresas prestadoras de serviço não tiveram aumento, pois estão sujeitas ao lucro real – e tirando o direito de defesa desses médios e pequenos empresários. Porque na prática só terão direito a uma instância administrativa no processo administrativo, até o valor de R$ 50 mil. P – Está faltando então mais discussão e consulta à sociedade nessa questão da carga tributária? R – Na prática, essa medida provisória foi uma decisão sem discussão com a sociedade. Ora, o que representa um governo? Representa a sociedade. É preciso lembrar que é o governo que está a nosso serviço; não somos nós que estamos a serviço do governo. Chegou o momento de toda a reforma tributária ter que ser discutida com o povo, com a sociedade. Os participantes do governo são nossos servidores e a OAB, que sempre representou nos momentos difíceis da história do Brasil – veja, por exemplo, no regime de exceção que nós tivemos – os pulmões da sociedade, quando a imprensa sofria a censura dentro dos jornais. Então, com a OAB no papel de pulmões da sociedade, nós queremos saber, para onde vai nosso dinheiro. José Américo, em 1937, indagava: onde está o dinheiro? Agora, nós queremos saber onde estão os nossos tributos. P – A medida provisória 232, do modo como foi colocada, ela é inconstitucional? R – Ela é inconstitucionalíssima.Quando é que se pode editar uma medida provisória? Quando há urgência e relevância. Haveremos de convir que uma urgência de uma lei que só vai entrar em vigor em 2006, um aumento de imposto de Renda que só vai entrar em 2006, onde é que está a urgência? Se mandassem um projeto em regime de urgência teriam 60 dias para aprovar. Então, na prática, ela é inconstitucionalíssima do ponto de vista formal. Do ponto de vista material, tem um problema de falta de isonomia, de falta de igualdade. Como é que podemos admitir que as grandes empresas, sujeitas ao lucro real, não tenham tido qualquer aumento? Ao passo que as médias e pequenas empresas, que foram tiradas da informalidade por Everardo Maciel – que ao criar o lucro presumido, teve como objetivo retirar essas empresas da informalidade e colocar na formalidade, o que é ótimo para o governo e a sociedade, ao eliminar a sonegação -, são agora com o pacote atingidas, possivelmente levando muitas delas para a informalidade de novo, até por uma questão de sobrevivência. Então, aquilo que foi mérito do governo passado, passa a ser demérito desse governo, porque ele atinge fundamentalmente os pequenos e médios empresários, criando portanto um princípio de desigualdade e faz com que muitas dessas empresas voltem à informalidade, o que não é bom para o País. A informalidade nunca é bom para o País.Dentro dessa linha é que estou convencido de que ela é formalmente inconstitucional, não nem relevância, nem urgência. O Congresso Nacional poderia discutir e tiveram 364 dias para discutir e foi baixada exatamente no último dia do ano. E do ponto de vista material, cria uma disonomia, uma falta de igualdade e equivalência entre pequenos e médios, que são atingidos, e os grandes, que não são atingidos. P – A OAB pode entrar com alguma ação judicial, por meio dessa comissão que hoje se instala, tentando barrar essa MP? R – Eu tenho a impressão que sim, embora já exista uma ação proposta com os mesmos fundamentos, isto é, da inconstitucionalidade formal e da inconstitucionalidade material. Mas eu entendo que a comissão vai ter que apurar, fundamentalmente, é a seguinte questão: todos esses aumentos de tributos são para que? Para sustentar indenizações muito elevadas, as reformas, ou aumentos para deputados acima da inflação? Ou para sustentar a compra de um avião presidencial que não seria tão necessário para um País pobre? Ficaria muito mais barato se tivéssemos que locar aviões cada vez que o presidente fizesse uma viagem para fora, ou então poderia comprar um avião Embraer, para as viagens dentro do continente, porque aí geraria empregos no Brasil e não fora. P- O governo então está aplicando mal os recursos? R- Essas opções que o governo tem lançado mão para usar nossos tributos, é o que temos que fiscalizar. É claro que o Tribunal de Contas fiscaliza. É evidente que cabe ao Congresso Nacional, cabe à sociedade brasileira fazer pressão. Mas a posição da Ordem vai auxiliar aqueles que querem que o Congresso exerça sua função de legislador, possa se sentir fortalecido para exercer. Nós queremos uma carga tributária justa e que gere desenvolvimento e não uma carga tributária elevada, que gere desemprego e apenas beneficie os detentores do poder.