Órgãos julgadores do tribunal estão obrigados a seguir a jurisprudência da Cort
Os órgãos julgadores que compõem o tribunal não estão presos à jurisprudência de sua própria Corte. Devem, entretanto, observar o entendimento predominante, utilizando, quando necessário, o incidente de unificação de jurisprudência para manter a uniformidade dos julgados. Se é verdade que o julgador não está preso à orientação de seu tribunal, afirmação correta do ponto de vista da lógica abstrata, também é verdadeiro que, no campo da política judiciária, essa afirmação transforma a distribuição da justiça em odioso jogo de azar. Converte o resultado de um processo em verdadeira loteria, fazendo com que uma determinada tese jurídica receba tratamentos diferentes no mesmo tribunal, ao sabor da composição de cada turma e dependendo da sorte dos números sorteados. Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu voto do ministro Humberto Gomes de Barros. O processo examinado foi um recurso especial interposto contra acórdão que, em embargos de declaração, esclareceu expressamente que estava decidindo em desacordo com a jurisprudência do próprio tribunal, manifestada por outras Câmaras. O relator alegou, na ementa do acórdão, que o julgador não está preso a um entendimento ainda que consagrado em deliberação formal. Pode adotá-lo ou não. Para ele, não é defeito aceitar julgamento que dispõe de modo contrário ao entendimento de outros órgãos fracionários da Corte. O processo versa sobre uma imissão de posse requerida por Carlos Paulo Martinez e sua mulher contra Cândida Saraleques dos Santos, relativa a direitos sobre um prédio situado em São Caetano do Sul, no interior de São Paulo. Carlos sustentou que adquiriu o imóvel em junho de 1996, anexando aos autos o contrato de compra e venda. Cândida apresentou defesa, alegando ser legítima possuidora do imóvel há mais de 15 anos, que chegam a mais de 20, se juntar sua posse com a dos antecessores. Carlos Martinez e sua mulher retrucaram ser injusta a posse de Cândida sobre o imóvel, porque fundada em título não registrado, logo de má qualidade jurídica e de nenhum valor de prova. Os embargos de declaração, que acabaram rejeitados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmaram que a posse de Cândida decorre de compromisso particular sem registro no cartório de imóveis, incorporando ainda várias posses sucessivas ao longo do tempo, portanto não existe posse justa em relação aos legítimos adquirentes do prédio, que receberam título e o levaram a registro. Com base nisso, o tribunal entendeu ser totalmente desnecessário e sem nenhuma importância definir se seria possível, no caso, somar a posse continuada de todos os moradores que ocuparam o prédio sucessivamente, ou seja, juntar o período de posse de Cândida ao de seus antecessores. Reconheceu, no entanto, que esse entendimento está em desacordo com decisões emanadas de outros órgãos fracionários da Corte, mas o julgador tem liberdade de consciência para não ficar preso a uma jurisprudência, mesmo que majoritária. Ao apresentar seu voto, que foi acompanhado pela unanimidade dos ministros da Terceira Turma, o ministro Humberto Gomes de Barros argumentou que, no terreno da pura lógica formal, tal declaração é perfeitamente correta. Contudo, em termos político-judiciais, traduz orientação nefasta, que permite aos magistrados decidir como se estivessem tratando de hipóteses abstratas, livres de qualquer compromisso com a realidade. A teor dessa doutrina, seria perfeitamente normal que, nos tribunais, as teses jurídicas variem ao sabor da composição das turmas ou mesmo dos números sorteados, pouco importando que a distribuição da Justiça acabe por se transformar em odioso jogo de azar. Além disso, considerou o ministro relator que o acórdão feriu também a Súmula 84 do STJ, que entende ser a promessa de compra e venda, mesmo não registrada, título hábil para a defesa da posse. Por isso acolheu o recurso de Cândida Saraleques dos Santos para restaurar a sentença de primeiro grau, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, porque impossível, no caso, a imissão na posse do prédio. A imissão atende somente ao adquirente que jamais teve posse sobre o imóvel. Os autores já tiveram a posse do prédio, logo só caberia, eventualmente, em tese, o processo de reintegração de posse.