Arx Tourinho: “A nossa paciência jurídica se esgotou”
“A nossa paciência jurídica se esgotou. Não é mais aceitável o uso descabido da medida provisória”. Esse foi o desabafo do conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil pela Bahia, Arx Tourinho, ao declarar que vai apresentar o uso indiscriminado das MPs pelo governo como tema de discussão na próxima reunião da Comissão de Defesa da República e da Democracia. A comissão, instalada recentemente pelo Conselho Federal da OAB, tem Arx como integrante e é presidida pelo renomado constitucionalista Fábio Konder Comparato. Em entrevista, Arx Tourinho afirmou que a medida provisória teve seu uso deturpado pelo Executivo e que o Brasil vem pagando um preço muito alto pela utilização imprudente desse instrumento. “A medida provisória é, na verdade um desgaste para a ordem jurídica brasileira”. A MP mais criticada pelo conselheiro da Bahia é de número 207, por meio da qual o governo concedeu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Tourinho vai sugerir que a comissão elabore um estudo sobre a eliminação da medida provisória da ordem constitucional e que, no lugar dela, se estabeleça um procedimento sumaríssimo no Poder Legislativo. Na opinião do conselheiro federal, as matérias de interesse do governo poderiam ser remetidas pelo presidente da República ao Congresso Nacional, que deve apreciá-las dispondo de uma redução drástica de todos os prazos possíveis e imagináveis para o exame. O conselheiro da OAB ainda criticou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, classificando-o de “verdadeira continuação do ponto de vista político, do ponto de vista econômico e do ponto de vista social do governo anterior. “Aliás, em determinados aspectos, este governo de Lula consegue superar em maldade o governo anterior”. Segue a íntegra da entrevista concedida pelo conselheiro federal da OAB pela Bahia, Arx Tourinho: P – Qual é a sua primeira proposta para a Comissão de Defesa da República e da Democracia, recém instalada pelo Conselho Federal da OAB? R – Parece-me que estamos vivendo, hoje, num Estado essencialmente autoritário. A medida provisória que nasceu na Constituinte de 1988 com bons propósitos, tanto que se colocou com o pressuposto da urgência e relevância, teve seu uso deturpado. Houve, na verdade, um desvio na utilização da medida provisória. Ainda que houvesse restrição de matéria, nós continuamos pagando um preço muito alto e um preço democrático pelo uso imprudente dessas medidas provisórias. Uma das últimas editadas – no 207, que concedeu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles – é o exemplo maior do que está acontecendo no País. Quando se baixa uma MP para dar status de ministro a presidente de Banco Central exclusivamente para este presidente se subtrair a uma investigação realizada por procuradores da República que iriam atuar perante à Justiça Federal de primeira instância, pode-se ter certeza de que a nossa paciência jurídica se esgotou. Não é mais aceitável o uso descabido da medida provisória. A sugestão que estou levando para a comissão é a de que se faça uma eliminação da medida provisória como espécie normativa na nossa ordem constitucional e que se estabeleça um procedimento sumaríssimo dentro do Poder Legislativo. P – Como seria esse procedimento? R – Que o projeto venha do presidente da República, vá ao Congresso Nacional e se reduzam todos os prazos possíveis e imagináveis para que haja a maior celeridade possível. Tem que ser assim porque nós sabemos que este nosso sistema bicameral é paquidérmico, não podemos conviver mais com essa lentidão tão grande. Mas uma coisa é certa: é uma violência à ordem jurídica uma MP que entra imediatamente em vigor, produz efeitos jurídicos e fica aguardando um pronunciamento do Congresso Nacional para se saber se vai ou não continuar vigente. Então, eu acredito que é fundamental que essa Comissão de Defesa da República e da Democracia realize uma campanha que mostre isso a todo o País, verificando que a medida provisória é, na verdade um desgaste para a ordem jurídica brasileira. P – O presidente Fernando Henrique Cardoso, nos oito anos de governo, utilizou excessivamente medidas provisórias. Na sua opinião, os dois governos são semelhantes, sendo um a continuidade do outro? R – Não tenho nenhuma dúvida de que este governo que temos hoje é uma verdadeira continuação do ponto de vista político, do ponto de vista econômico e do ponto de vista social do governo anterior. Aliás, em determinados aspectos, este governo de Lula consegue superar em maldade o governo anterior. Nós estamos pagando um alto preço por uma dívida externa e, cada dia mais, o superávit é obtido com o sacrifício do povo brasileiro. Nós não temos condição de pagar esta dívida externa. Aí entra um outro problema, que é a necessidade de se fazer um exame analítico e pericial da dívida externa brasileira, coisa que está prevista na Constituição desde 1988 e o Congresso Nacional não se dispôs a fazer. Estamos aguardando que a OAB ingresse com uma ação no Supremo Tribunal Federal e que o STF, como guardião maior do texto constitucional brasileiro, determine se o Congresso deve ou não instituir essa comissão mista para análise da dívida. P – Ainda no terreno das medidas provisórias, o presidente Lula, quando ainda era candidato à Presidência da República, entregou ao Conselho Federal da OAB um documento assinado prometendo que, se fosse eleito, somente utilizaria medidas provisórias dentro daquilo que a Constituição vê. O presidente da República mentiu para os advogados brasileiros? R – Não tenho dúvida nenhuma. Infelizmente, se usa a política como um critério eminentemente antiético. Eu sempre digo que política tem ética. O político tem os limites naturais e o limite natural dos atos humanos tem que ser a ética. Não é aceitável que quaisquer fins justifiquem os meios. Infelizmente é o que nós vemos na vida política brasileira. Aqueles que um dia foram oposição e tornam-se governo passam a exercer a mesma capacidade de iludir o povo como os governos anteriores fizeram. Eu não tenho dúvidas também de que o governo atual vai pagar um preço por isso. E eu espero que pague porque o povo brasileiro precisa demonstrar à classe política que este povo está atento à realidade do país e não pode mais continuar sendo enganado como sempre foi.