Cerca de 10 mil pessoas foram atendidas em um ano de Justiça Comunitária
“Foi um dos melhores serviços que já vi. Já havia entrado com uma ação de pensão alimentícia no Fórum que demorou três anos. Na Justiça Comunitária resolvi o meu problema em menos de duas semanas. Achava que já tinha perdido o meu direito. A agente comunitária de justiça teve muita paciência comigo e conseguiu que eu recebesse a pensão alimentícia que estava atrasada há um ano”, conta a empregada doméstica G.G. S. A, de 23 anos, que procurou a agente comunitária de Justiça Ana Carolina Afonso Nunes, do Bairro Los Angeles, e que já recomendou o serviço a toda a sua família. Terça-feira (22), a Justiça Comunitária completa um ano recheado de casos como o citado acima. Um ano de muito trabalho, de muitas conquistas e de muitos resultados. Basta dizer que, nesse período, quase dez mil pessoas foram atendias. Desse total, 5.544 foram encaminhadas, 1.341 receberam as mais diversas orientações e das 686 mediações, 640 resultaram em acordo, ou seja, 93% dos casos foram resolvidos por meio de conversas, sem a necessidade de um processo ser iniciado, avolumando, mais ainda, a demanda nas varas do Fórum da Capital. Há um ano a agente comunitária Ana Carolina foi indicada por uma pessoa da sua comunidade para concorrer à vaga que agora ocupa, em seu bairro. Mesmo com receio, ela aceitou participar e não se arrepende. “Foi por Deus! Já havia trabalhado na recepção do Aeroporto de Campo Grande e tinha lá minha experiência no trato com as pessoas, o que me ajudou na Justiça Comunitária. Mas era totalmente leiga com relação à área jurídica. Agora é diferente, sou procurada por muitas pessoas em meu bairro. As pessoas são carentes de informações. Aqui sou conciliadora, conselheira, psicóloga, advogada, enfim, faço um pouco de tudo. Tem pessoas da comunidade que dizem até que sou delegada. Tudo isso é fruto do resultado da equipe da Justiça Comunitária. Nós ganhamos o respeito e a confiança da comunidade, que está muito grata”, alegra-se a agente. Ana Carolina é a agente comunitária que soma o maior número de pessoas atendidas. Desde que o projeto foi implantado até hoje, ela realizou 1.046 atendimentos, conseguindo acordo em 71 das 77 mediações realizadas. Atendendo, em média, 15 pessoas por dia, Ana é procurada até por pessoas de outras cidades. “Já atendi pessoas de Bandeirantes, de Jaraguari e até mesmo de outros bairros em que não tem agente comunitário. A nossa prioridade é a pessoa mais carente, mas também atendo pessoas de poder aquisitivo maior que ficam sabendo do nosso trabalho. Meu horário de atendimento é das 14h às 17h, mas cheguei a atender até às 20h. Não me importo. O nosso trabalho é muito gratificante”, emociona-se Ana Carolina. Com o maior número de acordos realizados, o agente comunitário Zildo de Oliveira Barros, do Bairro Popular, realizou 125 acordos, não logrando êxito em apenas quatro. Zildo conta que com o trabalho de agente comunitário ficou mais humano, uma vez que passou a vivenciar os problemas das outras pessoas. A preocupação de Zildo com o seu semelhante passou a ser tão constante que, há cerca de um mês, ao passar por uma rua, notou que havia um senhor deitado no chão, todo coberto, em baixo de um sol escaldante. “Achei estranho a pessoa estar toda coberta, com todo aquele calor. Aproximei-me daquele senhor e comecei a conversar e fazer perguntas. Foi quando descobri que ele, há 27 anos, se distanciou de sua família e nunca mais teve contato”, relata Zildo. O senhor Joventino Oliveira Firmo contava com aproximadamente 70 anos de idade, estando bastante machucado e com fome. O agente comunitário entrou em contato com o assessor jurídico da Justiça Comunitária, Syrlei Mendes Nogueira, e informou o caso. A única informação que Joventino deu foi que o filho trabalhava em uma empresa de transportes em Maringá. Com essa informação, em cerca de meia hora, a equipe da Justiça Comunitária conseguiu localizar um dos filhos dele, na cidade de Maringá. A equipe da Justiça Comunitária encaminhou Joventino ao Centro de Triagem de Migrantes (CETREMI), da Prefeitura Municipal de Campo Grande, que prestou atendimento de saúde e providenciou uma passagem de ônibus para que Joventino retornasse à sua família, em Maringá, PR, depois de 27 anos. Segundo Zildo, a sua atitude foi tomada graças ao apoio que recebe da Justiça Comunitária. “Com o grupo de apoio e o Juiz Coordenador do projeto, Dr. Jackson de Aquino Araújo, tenho condições de realizar esse tipo de ajuda. Gostaria de agradecer, em especial, ao Dr. Jackson, que nos atende 24 horas, o que nos transmite muita segurança. Ele é o pai dos agentes comunitários. O nosso serviço é muito importante para a comunidade. Certa vez, um senhor aguardou duas horas na fila da escola em que atendo só para me agradecer. Isso só nos estimula”. O Grupo de Apoio O apoio a que Zildo se refere vem do Grupo de Apoio da Justiça Comunitária, localizado na Casa da Cidadania. Ele é composto por três assessores jurídicos e um estagiário, e pela equipe psicossocial, formada por duas psicólogas e duas assistentes sociais. Além do grupo de apoio, a Justiça Comunitária conta com a supervisão de um Conselho Consultivo que é presidido pelo Juiz Coordenador e formado por um representante do Ministério Público, um da Defensoria Pública e um da OAB e por um agente comunitário de justiça. Dentre as atribuições do Conselho Consultivo está a de supervisionar as atividades da Justiça Comunitária e estabelecer diretrizes para a sua implantação e implementação. Já o grupo de apoio desenvolve um trabalho de constante monitoramento e de aperfeiçoamento psicológico e cultural técnico. Todas as sextas-feiras os agentes participam de reuniões com o Grupo de Apoio, quando podem assistir a cursos sobre os mais diversos temas, de acordo com a necessidade apresentada, e solucionar dúvidas surgidas durante o atendimento do caso concreto. Aliás, essas dúvidas com relação aos casos concretos podem ser sanadas em outros dias úteis da semana. Na Casa da Cidadania, sede da Justiça Comunitária, os agentes comunitários aprendem as noções básicas de direito pertinentes aos problemas com que eles mais se deparam, tais como direito de família, do consumidor, de moradia, direito às diferenças, garantias constitucionais e previdência social. O assessor jurídico da Justiça Comunitária, Jorge Ferreira Neto Júnior, relata que os agentes comunitários levam para ele e os outros dois assessores jurídicos os casos que eles não se sentem seguros para tratar ou quando o caso é muito complexo. “Dependendo do tipo da demanda, os agentes comunitários encaminham os casos para nós. A partir daí, nós elaboramos um parecer para encaminhamento da pessoa. Informamos o local em que ela deve comparecer, o horário, a pessoa que ela deve procurar, os documentos necessários, enfim, funcionamos com um elo de ligação entre os demais serviços e a comunidade”, explica o assessor. Número de atendimentos da Assessoria Jurídica Para se ter uma idéia da quantidade de atendimentos da Assessoria Jurídica da Justiça Comunitária, conforme consta de relatório mensal, somente no período de 20 a 31 de março de 2003, foram realizados 223 atendimentos. Foram realizadas 56 orientações jurídicas a agentes comunitários de justiça e 52 orientações aos cidadãos. A orientação jurídica prestada diretamente ao cidadão de maior freqüência foram as de assuntos relacionados com a propriedade, inclusive locação e vizinhança, seguida da ação de cobrança. O trabalho da Equipe Psicossocial A psicóloga da equipe psicossocial, Vanessa Vieira, conta que o trabalho que desenvolve é de apoio e assistência aos agentes comunitários. “É preciso que, antes dos agentes começarem a trabalhar os problemas das outras pessoas, que eles conheçam a si mesmos e às sua limitações. Para tanto, desenvolvemos vários trabalhos com eles, com jogos e dinâmicas em grupo. O nosso maior objetivo é que eles possam atender à população da melhor forma possível. Com certeza, eles já evoluíram bastante na qualidade de seu trabalho. Percebemos que a comunidade os tem como referência”, avalia a psicóloga. Números de atendimentos do Setor Psicossocial Desde maio de 2002 até março de 2003, a equipe psicossocial realizou 941 atividades. Dentre elas estão as de acompanhamento de mediações por telefone, com 157 ocorrências, 135 contatos telefônicos com instituições, cerca de 90 encaminhamentos, 84 mediações em visitas domiciliares, 96 atendimentos aos agentes comunitários, dentre outras atividades desenvolvidas. Justiça Comunitária cumpre seu papel A Justiça Comunitária completa um ano de sucesso absoluto e vem cumprindo fielmente a sua missão de orientação e de pacificação de conflitos no próprio local da ocorrência. Todos os números e depoimentos apontados acima comprovam isso. Para o Juiz Coordenador da Justiça Comunitária, Dr. Jackson Aquino de Araújo, a maior importância desse projeto é o resgate da cidadania. “O povo vem aprendendo a exigir dos Poderes constituídos os seus direitos como cidadão. A comunidade aprendeu o caminho onde buscar o seu direito. Vale ressaltar a credibilidade que o projeto ganhou de toda a comunidade”. Os resultados não estão somente nos números, como também nos próprios agentes comunitários. A riqueza de conhecimento que eles vêm adquirindo é imensurável. Todos cresceram tanto profissionalmente como na vida familiar, uma vez que aprenderam a conhecer e lidar com as diferenças. “Sem dúvida, hoje eles estão mais seguros de si. Falam com sabedoria e conhecimento. Tiram muitas lições daquilo que vivenciam, no dia-a-dia, com o trabalho na comunidade. Todas as sextas-feiras, durante as reuniões, tenho observado o nível das perguntas e as soluções dos problemas que eles resolveram com uma simples conversa”, ressalta o juiz. Coordenando há uma ano a Justiça Comunitária, Dr. Jackson confessa que o trabalho social que vem realizando é um sonho que se tornou realidade. “Sinto-me realizado com esse trabalho maravilhoso que os dirigentes do Tribunal de Justiça tiveram a coragem de colocar em prática. A aproximação da Justiça com o povo é algo fantástico, incomum de se ver no Judiciário de nosso país”, emociona-se o magistrado. A Repercussão do Projeto A Justiça Comunitária em nosso Estado foi inspirada na do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e já está servindo de exemplo para tribunais de outros Estados. Durante um Encontro dos Coordenadores dos Juizados Especiais de todo o Brasil, em novembro do ano passado, em Maceió, AL, a Justiça Comunitária sul-mato-grossense foi apresentada em uma mesa de discussão sobre projetos novos para o judiciário. Na ocasião, os participantes puderem conferir o quanto o nosso Estado está à frente com esse projeto e a sua importância para a população. Segundo o Juiz Coordenador da Justiça Comunitária, treze juízes de outros Estados solicitaram informações a respeito do projeto. “Sei que, com base nessas informações, o projeto já foi instalado no Acre e na Bahia e, em outros Estados, está em fase de implantação”.