TST defende multa mais alta para reduzir processos
O não-pagamento de horas extras e de adicionais de insalubridade e periculosidade, discriminação no ambiente de trabalho e discussões mais recentes como o pagamento das diferenças da multa de 40% sobre o FGTS figuram entre as principais irregularidades que levam os trabalhadores a entrar na Justiça. Neste primeiro semestre, o Tribunal Superior do Trabalho já autuou 60.259 novos processos trabalhistas, dos quais 36.912 foram julgados. A cada ano, mais de 2 milhões de processos são ajuizados em todas as instâncias da Justiça do Trabalho no País. Em entrevista à jornalista Cátia Rodrigues do site canalRh (www.canalrh.com.br), o presidente em exercício do TST, ministro Vantuil Abdala, foi taxativo. “A meu ver, este enorme número de ações decorre do fato de que muitos empregadores não respeitam os direitos trabalhistas dos empregados”. Mas a situação poderia ser diferente, afirma o ministro, se existissem sindicatos realmente representativos, capazes de negociar de fato os direitos dos trabalhadores. Leia a entrevista: P – Fala-se muito que o Brasil é o país com maior incidência de processos trabalhistas do mundo. A informação é verdadeira? R – É preciso considerar que nem todos os países possuem uma justiça especializada do Trabalho. Então, não há como termos dados estatísticos verdadeiros quanto ao número de ações trabalhistas em tramitação nos diversos países do mundo. O fato é que o número de ações trabalhistas é muito maior onde há um Judiciário específico de proteção aos direitos do trabalhador. Essa conclusão se comprova se usarmos o exemplo das varas da Justiça do Trabalho brasileiras. Havia cidades que não possuíam Varas específicas da justiça trabalhista e, nesse caso, as ações trabalhistas eram julgadas por juízes da justiça comum. No momento em que uma Vara do Trabalho era instalada, multiplicava-se por dez o número de ações ajuizadas. Tudo porque sempre foi grande a confiança dos empregados na Justiça do Trabalho. Então, nos países onde há uma Justiça do Trabalho atuante, como no Brasil, é natural que haja uma quantidade maior de ações. Sempre se cita o exemplo dos Estados Unidos como sendo um dos países que possuem o menor número de processos. Só que lá não existe uma legislação trabalhista escrita (a exemplo da CLT brasileira), e quase tudo é regulado por meio de acordos coletivos de trabalho. Mas é preciso alertar para o fato de que há milhares de ações trabalhistas nos Estados Unidos que não são computadas e que dizem respeito, por exemplo, à discriminação por sexo ou raça no trabalho e a litígios de sindicatos de trabalhadores contra empresas que dificultam a formação desses sindicatos ou que praticaram discriminação. Então, dizer que o número de processos trabalhistas nos Estados Unidos é muito pequeno não é verdade, uma vez que existem muitos processos trabalhistas que nem sequer são computados como pertencentes à esfera trabalhista. P – Quantos processos são ajuizados nos tribunais do Trabalho por ano? R – Temos mais de 2 milhões de processos ajuizados a cada ano no Brasil. Essa é uma média dos últimos anos. Mas é importante destacar que, de 2001 para 2002, houve um decréscimo de 25% no número de ações trabalhistas ajuizadas em todo o País, um dado muito significativo. Não temos ainda uma avaliação concreta do porquê desse decréscimo, mas, com certeza, sabemos que a ameaça de desemprego faz com que o trabalhador não reivindique os seus direitos. O medo de passar a figurar nas listas negras feitas por empresas leva até quem já perdeu o emprego a não reclamar seus direitos. (Listas negras são compostas de nomes de trabalhadores que já ajuizaram processos na Justiça do Trabalho. De posse dessa lista, muitas empresas teriam deixado de contratar trabalhadores que tinham os nomes listados. O TST afirma que vem combatendo com rigor essa prática). P – Em que regiões do País há maior número de processos em tramitação? R – São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, nesta ordem. P – Essa quantidade de ações deve-se a brechas na legislação trabalhista? Ou o motivo está na complexidade das leis? R – Na minha opinião, o número de ações decorre principalmente do desrespeito pelo empregador ao cumprimento das suas obrigações. A nossa legislação trabalhista é muito recente quando comparada com as de outros países – ela é de 1943. Desde esta época, existe uma tradição forte no Brasil de não se respeitar direitos trabalhistas, principalmente por parte de pequenas empresas ou empresas que vivem na informalidade. Hoje o panorama é melhor, mas ainda há muitas irregularidades. Vou dar um exemplo bem atual: se uma empresa nem sequer existe formalmente, se nem sequer é registrada, você acha que ela vai respeitar direitos trabalhistas? P – Mas há também maior determinação dos empregados em brigar na Justiça por seus direitos? R – Quanto maior é a divulgação dos direitos dos trabalhadores, maior é a tendência de que eles os reivindiquem. Há 20, 30 anos era pequeno o número de trabalhadores que tinham ciência de seus direitos, principalmente na área rural. Eram praticamente semi-escravos. Hoje, mesmo em áreas rurais longínquas, o empregado já dispõe de energia elétrica e, logo, tem acesso ao rádio e à televisão, já tem notícias de seus direitos. Portanto, os trabalhadores vão mais à Justiça porque hoje eles têm um conhecimento muito maior e grande capacidade de reivindicar os seus direitos. P – Quais os motivos principais que levam o trabalhador a mover uma ação? R – Há casos dos mais variados que justificam o ajuizamento de processos na Justiça do Trabalho, inclusive relativos à discriminação no ambiente de trabalho. O não-pagamento de horas extras, do salário integral e de adicionais de insalubridade e periculosidade; o não-pagamento dos valores resultantes de acordos firmados no âmbito de Comissões de Conciliação Prévia; desvio de função; e o desrespeito à jornada quando se constata que um empregado trabalhou inclusive nas horas de repouso são exemplos de irregularidades que justificam o ajuizamento de ações. Há também um grande número de ações contra bancos e instituições financeiras no que diz respeito à conjugação do cargo de confiança. Isso porque o empregado que possui cargo de confiança não tem direito a receber horas extras. O que constatamos é que muitas vezes os bancos acabam tendo em suas agências mais empregados de confiança do que os regulares, muitas vezes apenas para não fazer o pagamento das horas extras. Outra questão significativa é a relativa à adesão de funcionários ao Plano de Demissão Voluntária (PDV). Os empregadores acreditavam que, com o pagamento do PDV, quitariam todos os direitos passados do empregado e eventualmente não recebidos. Mas esse não é o entendimento da Justiça do Trabalho e os empregados têm vindo a juízo para pleitear direitos passados e que não foram respeitados. P – E são sempre as mesmas causas, repetidas há décadas? R – O que temos percebido é que em cada momento existe uma causa específica para um número maior de processos. Embora haja temas que são historicamente reiterados, há temas que se renovam a cada momento. Nos últimos anos, por exemplo, uma das causas mais vistas tem sido o pagamento das diferenças da multa de 40% sobre o FGTS. Essas diferenças decorreram principalmente de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu que não houve a correção devida dos depósitos do FGTS. Como conseqüência, há diferenças relativas ao fundo que cabe à Justiça do Trabalho julgar. As diferenças de complementação de aposentadoria também são outro tema julgado com freqüência aqui no TST. É uma ação típica de empregado que já se aposentou e, no entanto, vem à Justiça do Trabalho pleitear direitos que decorreram do contrato de trabalho que ele manteve. Se há no regulamento da empresa cláusula garantindo ao funcionário uma complementação de sua aposentadoria e, de repente o empregador passa a não pagar esses valores corretamente, o trabalhador vai à Justiça para reivindicar estas diferenças, mesmo que esta reclamação trabalhista seja ajuizada muitos anos depois de ele ter deixado a empresa. Ações desse tipo atingem principalmente estatais, como o Banco do Brasil, Petrobrás, Caixa Econômica Federal e bancos estaduais. P – A modernização da CLT contribuiria para reduzir conflitos desnecessários entre empregador e empregado? R – Penso que existem medidas que poderiam diminuir não só os conflitos, mas também o desrespeito à legislação trabalhista. É preciso que exista uma sanção maior para o mau empregador. Quando o mau empregador desrespeita conscientemente os direitos dos empregados, precisa sofrer uma conseqüência maior do que simplesmente ter que pagar aquele mesmo valor que ele deveria ter pago muitos anos antes. Prego a adoção de multas ou juros muito maiores. P – Na sua opinião, existem outras alternativas capazes de dar agilidade efetivamente às decisões da Justiça do Trabalho? R – Um exemplo são as Comissões de Conciliação Prévia, desde que estas sejam organizadas e atuem dentro da lei. As comissões devem ser adotadas não só para selar acordos entre empresas e empregados que já deixaram os quadros, mas também por empregados que persistem na empresa e acham que alguns de seus direitos não estão sendo respeitados. Esta medida iria, com certeza, evitar muito a ocorrência dos conflitos. Outra medida que diminuiria o número de ações seria a existência de sindicatos autênticos e representativos, capazes de negociar com os empregadores os direitos dos trabalhadores que representam. Quando houvesse uma situação dúbia, por exemplo, o próprio sindicato poderia negociar com a empresa e acertar os eixos daquela prestação de serviços. Infelizmente não existem no Brasil muitos sindicatos verdadeiramente representativos e os próprios empregados não confiam suficientemente em seus sindicatos como instituições capazes de representá-los. Cientes dessa falha, os próprios trabalhadores decidem ir à luta na tentativa de resolver seus problemas, normalmente por meio da Justiça do Trabalho. Andamento dos processos no TST nos últimos cinco anos Ano 2002 2001 2000 1999 1998 Recebidos 113.557 114.615 125.484 115.870 131.415 Solucionados 85.986 102.788 98.808 121.181 111.814 (TST)