A mulher chega à direção da Ordem dos Advogados
Rio de Janeiro – A advogada Cléa Carpi da Rocha deverá ser a primeira mulher a assumir um cargo de direção no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ela concorre à secretaria geral da entidade na chapa única encabeçada por Cezar Brito à sucessão do atual presidente Roberto Busato. A eleição será realizada hoje e a posse, amanhã. Embora a advocacia tenha se democratizado, com o ingresso cada vez maior de profissionais do sexo feminino, Cléa reconhece a importância do momento.
A participação da mulher nos órgãos de direção da OAB realmente não corresponde a sua forte presença na advocacia, mas isso está mudando, afirmou a advogada, que é conhecida por romper barreiras. Presidente da Associação Americana de Juristas Continental, ex-vice-presidente da Associação Internacional de Juristas Democráticos e ex-presidente da Seccional gaúcha da OAB, Cléa reúne qualidades para defender os interesses da advocacia e da sociedade. Devemos ser firmes nessa defesa, enfatiza.
Segue a entrevista concedida à jornalista Giselle Souza do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro:
P- Na sua avaliação, qual é a importância de uma mulher assumir a secretaria geral, setor considerado estratégico para o Conselho Federal da OAB, tendo em vista que a entidade, historicamente, sempre foi marcada por maior participação de profissionais do sexo masculino?
R- Primeiro, vamos aguardar a eleição. Eu integro a chapa, única é verdade, fruto de um amadurecido consenso que envolve o processo sucessório da OAB nacional, tendo como candidato a presidente o conselheiro federal César Brito. Todavia, constituiu para mim um honroso convite integrar essa chapa, que recebi como um reconhecimento e homenagem ao valor do advogado e da advogada gaúchos ao longo da história da Ordem e do País. Segundo, a categoria não é mais composta em sua maioria por homens, pois advogados e advogadas estão praticamente com a mesma participação no universo da advocacia. No entanto, a participação da mulher nos órgãos de direção da OAB realmente não corresponde a sua forte presença na advocacia, mas está mudando. E penso estar colaborando para isso desde minha a eleição para vice-presidente e presidente da OAB gaúcha e para conselheira federal, e sendo, agora, indicada para concorrer na condição de secretária geral do Conselho Federal.
R- O que faz a secretaria geral do Conselho?
R- Sua competência está fixada no Regulamento da OAB. É de sua responsabilidade presidir a Primeira Câmara, que é a que decide os recursos sobre a atividade da advocacia, direitos e prerrogativas dos advogados e estagiários, inscrições no quadro da OAB, entre outros pontos. Além disso, compete à secretaria geral dirigir os trabalhos da Secretaria do Conselho Federal, secretariar as sessões do Conselho Pleno, emitir certidões e declarações do Conselho Federal, mas a função principal dos diretores do Conselho Federal, eleitos para representar a entidade e os advogados, junto com os conselheiros federais representantes das seccionais dos 27 estados, é de natureza política, consubstanciada na defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos, da justiça social, e na luta pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, sem esquecer da representação, da defesa, da seleção e da disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
P-Quais são as suas propostas à frente da secretaria?
R- Serão as propostas decididas pela Diretoria, tendo como meta principal a efetivação das decisões do colegiado.
P-Haverá alguma política específica para a mulher advogada?
R- A OAB tem uma comissão especifica muito importante nessa área. Entre os objetivos sobreleva a valorização da mulher advogada, combate a sua discriminação no exercício profissional e incentivo a sua participação nos órgão diretivos da entidade.
P- Qual sua avaliação quanto à ascensão da mulher no Judiciário, por exemplo, com o crescimento do número de juízas e de uma mulher haver assumido a presidência do Supremo Tribunal Federal?
R- Com naturalidade. As mulheres vêm, há muito tempo e gradativamente, ocupando o seu espaço na sociedade. Por isso, foi com alegria que compareci à posse da Ministra Ellen Gracie na mais alta corte do País, sabedora de seus méritos, num caminho trilhado com idealismo e competência, inclusive na própria OAB-RS. Tive a oportunidade de saudá-la pela Seccional do Rio Grande do Sul quando assumiu a presidência do TRF em Porto Alegre. O nosso Estado só tem motivo de orgulho, não só de suas juízas, promotoras e defensoras públicas, como do destacado trabalho e atuação de todas as advogadas gaúchas. E noto que há uma grande sintonia com os operadores do direito, independentemente de gênero. Isso é salutar para a unidade e o congraçamento da classe e me dá incentivo e redobra a minha responsabilidade.
P-Tendo em vista que a função dos conselheiros da Ordem é de natureza política, como será sua atuação, principalmente no tocante à defesa das prerrogativas?
R- A relevância da advocacia na administração da Justiça acha-se proclamada na Constituição Federal. Decorrência natural da importância atribuída à função do advogado é a responsabilidade dos que exercem esse ministério. Por isso, inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão é princípio do qual não abro mão. A inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações, enquanto vinculada ao exercício profissional, não pode ser entendida como privilégio, senão como garantia das partes que representa: o cidadão, seja no âmbito da Justiça ou no terreno extrajudicial, a exemplo dos predicamentos da magistratura, requisito indispensável ao próprio funcionamento dos órgãos da Justiça e da estabilidade do estado de direito e, por conseguinte, da própria democracia. Trata-se de uma conquista maior da sociedade, na defesa da cidadania.
P- E como será sua atuação no âmbito da política nacional?
R- Os conselheiros federais têm por dever a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito e dos demais princípios antes referidos. Devemos ser firmes nessa defesa. Acima de nossos direitos individuais e subjetivos, e justamente fortalecendo-os, está a sociedade civil organizada. As questões políticas nos dizem respeito diretamente, delas dependendo o respeito ou o ultraje à cidadania. Através da política se articulam os poderes e o convívio social, traçam-se os projetos de todas as áreas da sociedade e as garantias de sua execução, de acordo com o bem comum. Estarei atenta, junto com meus colegas e minhas colegas, a que a OAB continue fiel a esse propósito.
P- O que a senhora pensa a respeito dos desvios éticos ocorridos recentemente no cenário político?
R- Todo desvio ético deve ser combatido. Não existe boa ou má política. A política sempre será ética. Desviando-se da ética, será corrupção ou tirania, nunca política. Diante do escândalo público ou da denúncia, há outro dado: as coisas não ficam mais encobertas por muito tempo. E uma vez averiguado o desvio da norma, da conduta, apurar a responsabilidade dos atos indevidos, condenando seus agentes, e reparar o dano são medidas sociais que se impõem. A vigilância civil é um dever não só dos advogados, mas de todos os cidadãos.
P- Como a senhora vê as leis que visam ao aperfeiçoamento do Judiciário?
R- Devem ser apoiadas, mas não admitimos, jamais, a exclusão do advogado na administração da justiça, pois sem ele há a possibilidade de pelo menos uma das partes sair prejudicada.
P- Na sua avaliação, qual deve ser a contribuição da OAB para o aperfeiçoamento do Judiciário e demais poderes?
R- A Ordem sempre contribui. Um vigoroso exemplo foi a luta da OAB pelo controle externo do Judiciário. Quanto aos demais Poderes, a Ordem também está vigilante e atuante, denunciando e agindo inclusive com ações judiciais precisas, como foi o caso do impeachment do presidente Collor e, recentemente, contra o abusivo aumento dos subsídios dos deputados federais. Assim, a vigilância da manutenção da ordem democrática e das instituições, obedecidos os princípios que informam a justiça social, a colaboração para aperfeiçoamento dessas mesmas instituições, incluindo aí uma maior celeridade na prestação jurisdicional é, em síntese, a contribuição da OAB para o aperfeiçoamento do Judiciário e demais poderes da nação.