Artigo - Em defesa daqueles que defendem
Forçoso reconhecer que nos calcanhares da famigerada globalização a sociedade brasileira experimenta e se encontra mergulhada em turbulências institucionais, as quais relativizam, senão aniquilam, conceitos, princípios, leis e, especialmente, garantias constitucionais do cidadão e, em particular, do operador do direito.
Não menos forçoso é reconhecer que o advogado, num Estado Democrático de Direito, é mola propulsora da mudança, do rompimento, da transformação sócio-política, pois ele é o portador dos anseios da sociedade ao Estado-Juiz; sem sua presença o Direito seria estático, inerte; sem sua atuação ou impulso a sociedade pereceria, não haveria justiça, equilíbrio ou mesmo paz social.
É indispensável que os operadores do direito (advogados, juízes, promotores, delegados, agentes etc.) tenham consciência de que o processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, quer momentânea ou não, mas, acima disso, um poderoso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.
Nesse passo, é com grande apreensão, senão tristeza, que observo as reiteradas e cotidianas transgressões ao Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB, Lei n. 8906/94), e isso na medida que, sem quaisquer critérios e de modo açodado, e o que é pior, mediante anômalas ordens judiciais quase sempre calcadas em interesses juridicamente questionáveis, escritórios de advogados são invadidos quando do cumprimento indiscriminado e truculento de mandados de busca e apreensão genéricos, linhas telefônicas fixas, móveis e ambientais grampeadas, filmagens são realizadas e instantaneamente entregues às redes de televisão, culminando no total cerceamento do livre exercício da atividade profissional da advocacia, que é garantida pela própria Constituição Federal. (cf. art. 133, CF/88).
As operações da Polícia Federal, chanceladas por ordens judiciais descriteriosas e insubsistentes, de cujo teor quase sempre não se tem conhecimento, pois exaradas em segredo de justiça (?!?!?), além de se tornarem um show televisivo à parte e com grande e volátil audiência, têm gerado um sentimento de medo e intimidação na sociedade civil, particularmente no seio dos escritórios de advocacia.
Em resposta imediata e em idêntica proporção à ação, os advogados, por meio de sua representação de classe (Conselhos Federal, Seccional e Subseccional), vêm demonstrando, em manifestações públicas, que a elas não se quedam, curvam ou mesmo se calam; pelo contrário, deflagram luta diuturna de respeito aos princípios, leis e garantias constitucionais, visando ao cumprimento do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB, Lei n. 8906/94) e ao restabelecimento de critérios juridicamente fundamentados à concessão de ordens judiciais de escutas telefônicas e mandados de busca e apreensão, pois só desse modo que os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da presunção de inocência serão observados e fomentados, propiciando, de fato, o regular exercício profissional da advocacia e da própria cidadania, nos limites da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito.
(*Julio Cesar Cestari Mancini é advogado e conselheiro estadual da OAB/MS)