TST moderniza sua jurisprudência e se aproxima da sociedade
O ano de 2003 ficará marcado na trajetória do Tribunal Superior do Trabalho como aquele em que seus ministros se dedicaram à adequação de sua jurisprudência à dinâmica social e às mudanças das relações de produção verificada no País. Essa percepção corresponde a um sentimento unânime dentre os componentes do TST, que empreenderam uma ampla e inédita revisão das súmulas (enunciados) que sinalizam o posicionamento consolidado do órgão judicial em torno de diversos temas trabalhistas. “Realizamos uma grande faxina em nossa jurisprudência sumulada que carecia de eficácia devido à evolução dos fatos sociais”, resume o presidente do TST, ministro Francisco Fausto, ao citar a análise das 363 súmulas do Tribunal, das quais 48 foram revistas e 84 canceladas. A tarefa empreendida pelos ministros teve início em junho passado e resultou – segundo Francisco Fausto – “em mudanças que já se fazem sentir e que, a médio prazo, trarão conseqüências profundas no relacionamento patrão empregado e no dia-a-dia das atividades forenses”. Para o presidente do TST, “os resultados das mudanças já se fazem sentir como, por exemplo, com o cancelamento da instrução normativa nº4, que impedia as ações coletivas, e da Súmula nº310, que estabelecia obstáculos ao exercício da substituição processual previsto no texto constitucional”. Uma avaliação positiva foi igualmente feita pelo vice-presidente do TST, ministro Vantuil Abdala, para quem “a atualização da jurisprudência possibilita a jurisdicionados e advogados um conhecimento mais direto do posicionamento do Tribunal quanto aos mais diversos temas”. A tarefa de revisar enunciados, “seja porque estavam superados pela realidade social seja porque já havia leis dispondo de maneira diversa”, ultrapassou o âmbito da jurisprudência trabalhista. “Foi uma iniciativa tão importante que tivemos notícia de que também os outros Tribunais Superiores estão tomando medidas no mesmo sentido”, revela Vantuil Abdala. A mudança jurisprudencial que teve maior repercussão foi o cancelamento do Enunciado nº 310, publicado em maio de 1993 e que restringia as hipóteses de atuação do sindicato como substituto de seus associados em processos judiciais. A prerrogativa está prevista no art. 8º, III, da Constituição que assegura às entidades sindicais “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Apesar da redação do texto constitucional, o TST negava de forma peremptória a auto-aplicabilidade da norma, ou seja, o dispositivo da Constituição não possuiria eficácia imediata e a substituição processual pelos sindicatos dependeria de uma legislação específica a ser definida pelo Congresso Nacional. Com a revogação, saudada por sindicalistas, parlamentares e membros do governo federal, o TST passa a ter liberdade para deliberar sobre os casos em que as entidades sindicais ingressam em juízo com ações de interesse das suas respectivas categorias. “Com isso, abriu-se uma perspectiva muito promissora para o Processo do Trabalho porque nós vamos priorizar a defesa coletiva de direitos. O TST já julgou vários casos onde entendeu que o artigo 8º, III, tratava de direitos individuais homogêneos. Não é qualquer direito que pode ser tutelado através da substituição processual. É preciso que sejam interesses individuais de caráter homogêneo. Acho que o cancelamento do Enunciado 310 já repercutiu muito e vai, de fato, modificar a vida dos trabalhadores, do ponto de vista processual”, avalia o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Ronaldo Lopes Leal. A instrução normativa nº4 estabelecia uma série de pré-requisitos rigorosos a serem observados pelas entidades sindicais no ajuizamento do dissídio coletivo junto à Justiça do Trabalho. A decisão do Pleno do TST em cancelar essa instrução “levará, na verdade, a uma prestação jurisdicional mais eficiente, eficaz, célere e mais freqüente”, prevê Francisco Fausto. Ele faz coro com Vantuil Abdala que constata “um ajuizamento do dissídio coletivo menos rigoroso do que anteriormente, facilitando a reivindicação dos direitos das categorias de trabalhadores”. O vice-presidente do TST destacou, ainda, uma série de alterações relevantes trazidas com a revisão da jurisprudência das súmulas. Dentre elas, estão o reconhecimento do direito a férias proporcionais ao empregado que se demite com menos de um ano de serviço, e a fixação da validade das questões pactuadas em convenções e acordos coletivos durante o período de vigência do acerto entre as partes. No âmbito coletivo, o TST tornou-se menos rigoroso em relação ao quorum de aprovação dentre os associados para o ajuizamento do dissídio coletivo. “Outra questão importante diz respeito ao acordo de compensação de horas. Estabelecemos que, nesse acordo, o chamado banco de horas, é necessário e indispensável a participação do sindicato. Isso porque, normalmente, o empregado não tem condição de fiscalizar se, ao longo de determinado tempo, está sendo feita a compensação de maneira correta” informa Vantuil Abdala. “Por outro lado, estabelecemos que, para que a compensação de horas seja feita semanalmente, basta o acordo individual. Esta é uma situação de interesse do próprio empregado e é fácil verificar se a hora trabalhada a mais está sendo ou não compensada”, acrescenta o vice-presidente do TST. Segundo o presidente da Comissão de Jurisprudência do TST, ministro Rider Nogueira de Brito, o movimento de revisão das súmulas também reflete o novo pensamento existente no TST em torno dos diversos temas trabalhistas e que não guardava identidade com antigas posições, adotadas por outros juízes num outro momento histórico. “O TST está com uma composição completamente renovada. Então, muitas orientações jurisprudenciais e enunciados não atendiam mais a necessidade atual da sociedade brasileira nem representavam o pensamento dos ministros que compõem a Corte”, explica Rider de Brito. Esse ponto de vista é, de certa forma, compartilhado pelo corregedor-geral da Justiça do Trabalho. “Acho que nós temos um novo TST. Nós operamos toda uma renovação na jurisprudência do Tribunal e ainda elaboramos sete anteprojetos para simplificar o processo do Trabalho para que o Congresso Nacional os examine”, afirma Ronaldo Lopes Leal ao também citar o envio de propostas de lei que tragam maior rapidez para a tramitação dos processos. Segundo o corregedor, em 2003, “os atuais dirigentes procuraram fazer com que o Tribunal Superior do Trabalho tivesse um rumo diferente, ou, quem sabe, um resgate de seu verdadeiro rumo”. Esse direcionamento, segundo ele, está ligado “ao resgate desta idéia de que toda legislação do trabalho, em qualquer Tribunal, tem como centro o trabalhador. Temos que ter presente sua situação social. E, como corregedor, verifiquei que a situação social dos trabalhadores é precaríssima hoje no País”, concluiu.