Após pedir demissão, Adelice Rezende Guimaraes não mediu esforços na advocacia e paixão é exemplo para 4 filhos

Cargo de gerência contábil em transportadora fez ela trancar 2 vezes a Faculdade de Direito
“O que você quer ser quando crescer”? Quando questionada ainda na infância, Adelice Rezende Guimaraes já dizia “ser advogada”, mas a paixão precisou ser adiada quando recebeu uma oportunidade de trabalho em uma transportadora. Após 15 anos como contabilista chegando ao cargo de gerente geral, ela decidiu realizar ir atrás de seu sonho.
“Sai num dia do meu emprego de longos anos em que tive o privilégio de exercer um cargo de gerência, e no outro dia estava com as portas do escritório abertas e pronta para atender os clientes que aparecessem”, disse orgulhosa da decisão que tomou. O desafio se tornou um sentimento gratificante.
O cargo de gerência alcançado a duros passos largos não desanimou Adelice a desistir daquela paixão da infância. Nascida em Camapuã. Ela se mudou para Campo Grande em fevereiro de 1972, para fazer o 2° grau, e dois anos depois estava empregada em uma transportadora, mesmo contra a vontade dos pais, Francisco Pereira de Rezende e Anézia Matos de Rezende. “Logo após a mudança, eu pretendia já ir me preparando para cursar a Faculdade de Direito. Fui contratada e tive uma evolução profissional muito rápida na única empresa que trabalhei por mais de quinze anos. E por razão do meu trabalho nessa empresa na área de auditoria, decidi fazer primeiro a Faculdade de Ciências Contábeis, na FUCMAT (atual UCDB)”.
A transição
Foi então que em 1983 ela decidiu voltar a FUCMAT mas, dessa vez, para cursar a tão sonhada Faculdade de Direito. “Como meu sonho sempre foi ser advogada, não medi esforços e com muita dificuldade em razão do meu trabalho, realizei o meu sonho. Pelas condições do cargo que ocupava na empresa precisei trancar a matricula por duas vezes, conseguindo concluir o curso de Direito em 1990”.
Aos 37 anos, ela começa a carreira na advocacia com carteira OAB/MS 5.441. Os primeiros anos não foram nada fáceis. “Tive que decidir em me desligar do meu cargo de gerência geral para realizar o meu sonho de advogar sem ao menos ter uma carteira de clientela. Mas fui muito abençoada por Deus e formamos uma equipe de advogados trabalhando com o mesmo objetivo”.
Os contatos com os amigos e conhecidos foram à forma encontrada por Adelice para construir uma clientela na área trabalhista e civil. “Em momento algum me senti desanimada com a advocacia, durante toda a trajetória, mesmo com as dificuldades encontradas no mercado. Naquela época, tudo era mais difícil. Não existiam as redes sociais, não existia nem computadores, nem site, não existia a tecnologia de hoje, o que dificultava muito as consultas de dúvidas existentes. Tinha que se aprimorar mediante os estudos profundos através dos livros de grandes juristas”, justifica relacionando com os dias atuais em que muitos jovens advogados têm a um clique acesso a doutrina.
De 1998 a 2004, Adelice participou da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB/MS e se recorda dos avanços conquistados. ” Nessa Comissão tivemos o privilégio de Reativar a Secretaria de Políticas Públicas para as mulheres do Estado do MS em 1999. Com o apoio à época tivemos condições de implementar a Delegacia da Mulher, com Psicólogos e outros profissionais da área, para dar atendimento e condições dignas as mulheres violentadas. O Presidente da OAB/MS da época, a Comissão de Mulheres Advogadas com parceria do Presidente do TRT da 24 Região, disponibilizou junto aos Juízes Presidentes das respectivas Varas do Trabalho de São Gabriel D´Oeste e Naviraí, espaço e organização para palestras as mulheres violentadas das respectivas cidades, inclusive com sugestões aos Prefeitos dessas Comarcas a possibilidade de ter um Centro de Atendimento a Mulher violentada”, lembra.
Para os mais jovens, ela pontua que a advocacia é muito mais que estudo. “É preciso muita sabedoria, dedicação, paixão pela profissão e, mais do que isso, ter boa vontade de mudar o mundo, que procurem de forma justa e honrosa, com transparência, ética e com muita perspicácia, garantindo uma sociedade melhor para o nosso futuro”.
O advogado, para ela, “é o defensor da cidadania, da liberdade da vida e da honra. Por exercerem uma profissão tão difícil e complexa, mas indispensável para manter a ordem, o advogado deve trabalhar de maneira responsável, justa e honrosa”.
Segundo Adelice, “o serviço prestado pela advocacia ajuda a nossa sociedade a transformar conhecimento em justiça, desafios em vitórias e, é claro, direitos em realidade”.
Caso emblemático
Adelice Rezende Guimaraes lembra de uma ação trabalhista em que o empregado sofreu discriminação por ser soro positivo e dispensado da empresa entre 1995/96. “Nessa época, ainda havia muita discussão quanto à competência acerca do ajuizamento de ação de danos morais nas relações de emprego, se seria na justiça do trabalho ou na comum. No caso em questão, optamos em ingressar já justiça do trabalho”, explica.
Na audiência de instrução, no depoimento da testemunha da reclamada, esta acabou se complicando e confessou toda a discriminação sofrida pelo cliente por ser soropositivo.
Apesar de a empresa ré ter recorrido em todas as instancias possíveis, segundo Adelice, “foi mantida a sentença favorável à indenização de dano moral por discriminação no trabalho, um caso à época muito comentado no Estado de Mato Grosso do Sul”.
A Família
A transição de carreira não foi fácil. A advocacia não é fácil, mas a paixão pela profissão fez os quatro filhos de Adelice seguiram a carreira.
Hoje, aos 66 anos de idade e 28 anos de carreira, ela diz orgulhosa a profissão dos filhos: “Marcella e Marianna trabalham comigo no escritório, Robson tem escritório em Paranaíba e a Paola é Servidora Federal. Além deles, inclusive casal de genros são advogados”.
Ao longo de sua trajetória, Adelice passou por uma transição de trabalho com mais de 35 anos, desenvolveu habilidades, montou uma carteira de clientes, realizou seu sonho e, se não bastasse tudo isso, essa bagagem profissional ainda fez surgir à mesma paixão nos filhos.
Quando questionada sobre aposentadoria, orgulhosa, ela: “Pretendo continuar advogando até ter condições físicas e mentais para exercer a militância da advocacia, se Deus quiser”.
‘Compartilhando Conhecimentos’
Adelice Rezende Guimarães foi uma das entrevistadas do Projeto ‘Compartilhando Conhecimentos’, desenvolvido pela OAB/MS, com o objetivo de contar um pouco da carreira de advogados e advogadas decanos e valorizar esses profissionais que fazem parte da história de nosso Estado.
A equipe de imprensa já contou histórias de Marline Kalache, Salim Moises Sayar, Dinalva Garcia,Rosely Coelho Scandola, Ana Abdo, Alci Araújo, João Glauco Arrais, Aparecidos dos Passos, Belmira Vilhanueva, Osvaldo Feitosa de Lima,Vicente Sarubbi, Jorge Gai , Natalina Luiz de Lima, Ademar Mariani, Milton Melgaref da Costa, Silvia Bontempo, Eduardo Coelho Leal, Juracy Alves Santana, MárioPeron, Felix Balaniuc, Margarida Aidar, Margarida Cavalheiro e Levi Moroz.
Texto: Catarine Sturza / Fotos: Arquivo Pessoal